Nos Estados Unidos, descarrilamento de trem em Ohio expõe falha de todo o sistema ferroviário

Incêndio na carga liberou vapores tóxicos no ar; trabalhadores afirmam que redução de custos na empresa foi a culpada

Foto: US Environmental Protection Agency

Por Peoples Dispatch.

Traduzido por Flávia Chacon.

Um trem de carga Norfolk Southern descarrilou na cidade de Palestina Oriental, Ohio, no dia 3 de fevereiro. 50 dos 100 vagões de trem saíram dos trilhos, provocando um enorme incêndio que podia ser visto a quilômetros de distância.

O governador de Ohio, Mike DeWine (Partido Republicano), emitiu uma ordem de evacuação, no último dia 5, pela possibilidade de uma grave explosão. Membros da comunidade local e ativistas de todo o país informaram sobre os impactos que o incidente poderia ter sobre a saúde pública e o meio ambiente. Muitos têm apontado relatos de mortes em massa de animais como evidência. No entanto, apesar do clamor público sobre a catástrofe ambiental e de saúde pública, as ações das autoridades de Ohio refletem uma atitude de encobrimento.

Um repórter da NewsNation foi recentemente preso violentamente enquanto cobria uma das conferências de imprensa do governador DeWine sobre o descarrilamento. Os policiais alegaram que Evan Lambert estava fazendo muito barulho enquanto o governador falava e, em resposta, o jogaram no chão e o algemaram. Lambert foi liberado no mesmo dia. “Nenhum jornalista espera ser preso quando está fazendo seu trabalho”, disse Lambert à NewsNation.

As autoridades de Ohio afirmam que não receberam informações de animais morrendo em Palestina Oriental ou perto dela, apesar das múltiplas denúncias públicas de mortes de animais no local. A NewsNation obteve um vídeo de peixes mortos no rio Ohio, perto de Palestina Leste. Segundo o supervisor de Vida Silvestre Scott Angelo, estes peixes podem ter morrido devido à fumaça tóxica dissolvendo o oxigênio na água, embora as causas não tenham sido confirmadas. Residentes relatam que animais estão morrendo, incluindo o fazendeiro Taylor Holzer, que afirmou que suas raposas ficaram “mortalmente doentes” após o descarrilamento.

Muitas preocupações dos residentes de Palestina Oriental, assim como as do resto do país, decorrem do fato de que o trem descarrilado tinha 20 vagões transportando materiais perigosos. A Norfolk Southern Railroad conduziu uma “liberação controlada”, em 6 de fevereiro, de vários tanques que corriam risco de explosão. As autoridades ainda não informaram aos residentes do local sobre o efeito que essa “liberação controlada” de vapores tóxicos, combinada com uma queima maciça de fogo por cinco dias, terá. Cinco dos carros descarrilados continham cloreto de vinila, um cancerígeno ligado a várias formas de câncer. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês) está monitorando dois outros produtos químicos tóxicos: o fosgênio e o cloreto de hidrogênio.

Especialistas em saúde pública já indicaram que os efeitos desses produtos químicos poderiam durar décadas. “Há muito ‘e se’, e nós vamos analisar esta coisa daqui a 5, 10, 15, 20 anos e nos perguntamos: ‘Nossa, podem surgir, você sabe, uma concentração de casos de câncer, a água pode ficar imprópria'”, disse Silverado Caggiano, especialista em materiais perigosos, à NewsNation. Mais recentemente, a EPA descobriu que três outros produtos químicos tóxicos estavam presentes no trem descarrilado.

Trabalhadores ferroviários apontam a redução de custos como a culpada

Para os trabalhadores ferroviários sindicalizados, o descarrilamento do trem expõe falhas sistêmicas em um sistema ferroviário movido pelo lucro, não pela segurança. O Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários (RWU, em inglês) disse que “nos últimos 10 anos, os transportadores de Classe Um [empresas ferroviárias com as maiores receitas] aumentaram drasticamente o comprimento e o peso médio dos trens, ao mesmo tempo em que diminuíram as manutenções e inspeções, e temos uma bomba relógio”.

Um relatório da The Lever destacou que, em 2017, durante a presidência do republicano Donald Trump, os lobistas do Norfolk South conseguiram obter a revogação das regulamentações destinadas a melhorar as normas de segurança nas ferrovias. A empresa conseguiu obter a anulação das medidas que exigiriam que vagões de trem transportando materiais perigosos e inflamáveis fossem equipados com freios eletrônicos que podem parar os trens mais efetivamente do que os freios convencionais.

Os doadores da empresa ferroviária repassaram mais de US$ 6 milhões (aproximadamente R$ 32 milhões) para as campanhas do Partido Republicano nas eleições de 2016, mas ainda alegaram que as regulamentações de segurança “imporiam custos tremendos sem proporcionar benefícios de segurança”.

A Norfolk Southern obteve um recorde de receita de mais de US$ 12 bilhões (aproximadamente R$ 64 bilhões) no ano passado, e recentemente anunciou um programa de recompra de ações no valor de USD$10 milhões (aproximadamente R$ 53 milhões).

No ano passado, os trabalhadores ferroviários nos EUA estavam à beira de uma greve, o que teria abalado a economia dos EUA, já que os ferroviários são alguns dos trabalhadores mais essenciais do país. Eles estavam exigindo mais licenças por doença para combater os efeitos do PSR, um esquema corporativo para cortar custos, exigindo mais trabalho de menos trabalhadores. O presidente Biden e o Congresso dos EUA bloquearam o direito dos trabalhadores ferroviários à greve ao aprovar rapidamente a legislação que forçou os trabalhadores a aceitar um acordo sem dias de afastamento por doença.

O Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários argumenta que o PSR e o excesso de trabalho, demissões e falta de medidas de segurança contra os quais os trabalhadores sindicalizados estavam lutando pelo ano passado foram a razão principal para o descarrilamento. Eles argumentam que uma das causas do descarrilamento foi que um carro danificado foi autorizado a sair de um terminal devido à redução dos tempos de inspeção e das demissões. O trem também não foi bloqueado adequadamente, alega o grupo, porque isso levaria mais tempo e, portanto, é um procedimento que tem sido eliminado por empresas ferroviárias em sua maioria.

A More Perfect Union aponta que as empresas ferroviárias cortaram 22% dos empregos desde 2017. Os trabalhadores sindicalizados estavam planejando usar seu direito à greve para lutar contra esta tendência em 2022. Em vez disso, eles foram forçados a voltar a trabalhar sob pena de prisão.

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