– Naná, a gente devia estudar mais sobre os tempos do governo de Café Filho. Por Viegas Fernandes da Costa

Entendo tua incredulidade com as coisas que te conto sobre o Brasil. Sim, nem a mais criativa das roteiristas seria capaz de imaginar algumas das cenas que presenciamos como corriqueiras.

Foto: Presidente do Brasil, Café Filho/Reprodução.

Por Viegas Fernandes da Costa.

Hoje acordei cedo, Naná, e que alegria! Desci à padaria para comprar o pão e no retorno percebo o rabicho da tua carta me acenando da fresta da caixa de correspondências. Enfim notícias tuas, embora antigas. Ô lástima! Desde que os serviços de correios deixaram de ser missão para se transformar em negócio, a coisa degringolou. Lá na lagoa, por exemplo, não tem jeito de se ver carteiro. O negócio te obriga a ir ao posto postal para verificar se há alguma encomenda ou boleto te esperando. Falo encomenda ou boleto porque é o que ainda se posta. Cartas, só mesmo nós dois. Cada vez que vou à agência para te enviar as minhas arengas, a funcionária me olha com um ar de espanto e piedade. Ao verificar os dados de destinatário, sempre me pergunta se este teu endereço existe mesmo, e eu digo que sim. Ela apenas balança a cabeça e cata os selos.

Entendo tua incredulidade com as coisas que te conto sobre o Brasil. Sim, nem a mais criativa das roteiristas seria capaz de imaginar algumas das cenas que presenciamos como corriqueiras. Aliás, talvez este seja o maior dos nossos problemas, aceitar como corriqueira a barbárie. Mas apesar deste longo autoexílio, conheces bem os brasileiros, este povo-profissão, “eiro” sem eira mas sempre tão cheio de empáfia. Tu entendes, não entendes?

Na semana que passou, por exemplo, o debate nacional girou em torno dos juros altos e das carpas do Palácio do Alvorada. Sim, carpas! Aqueles peixes que comem de tudo. As nossas, presente do imperador japonês Hirohito, nadavam no espelho de água do Alvorada. Andam responsabilizando o casal Bolsonaro pelo morticínio dos peixes de ascendência japonesa. Eu acredito, claro que sim! Afinal, aqueles matam tudo que lhes cai nas mãos. As carpas… as emas. Até as emas do palácio, garotas propaganda da cloroquina que Bolsonaro tentou empurrar goela abaixo da população! As emas, de obesidade, dizem por aí, de tanto que lhes deram porcarias para comer. Já as carpas porque a então primeira dama cismou em recolher as moedas que o povo insiste em jogar no espelho de água.

A coisa anda mal explicada, apesar da ampla cobertura midiática, mas o laudo veterinário diagnosticou falta de oxigênio. Falta de oxigênio! Tu acreditas que os portais de notícia informaram até o local de sepultamento dos peixes? Informaram! Vá lá, não é nenhum cemitério da Recoleta, mas a área verde entre o Alvorada e o Jaburu também não é vala comum. Quanto às emas, estas sim celebridades, nenhuma palavra no obituário. Achei estranho. De qualquer modo, e lamentando pelas carpas e emas que mereciam melhor destino, as dores dos nossos povos são mais profundas.


Já os juros, Naná, estão obscenos. O – B – S – C- E – N – O – S! Os maiores do mundo. Lula andou dizendo umas verdades, enfiando os dedos na cara do presidente do Banco Central que, é bom lembrar, foi indicado pelo inquilino do Alvorada que sequer foi capaz de cuidar das carpas e emas. Aqui no Brasil, Naná, inventaram esta história para boi dormir de um Banco Central independente. Só faltou chamarem de soberano. Independente de quem, se o presidente do banco vive se justificando para os grandes operadores do mercado financeiro? Lula está coberto de razão.

No fundo, Naná, o que as elites querem mesmo é manter as rédeas do governo. A gente fala muito de 1964, do golpe militar, mas esquece que o golpe começou em 1954, quando as elites abraçadas à geriatria militar e à pena vendida do Carlos Lacerda tentaram tomar de assalto o poder. O que não aceitavam era a sobrevivência do trabalhismo getulista, e por isso não queriam Kubitschek e derrubaram Goulart. Aliás, a gente devia estudar mais sobre os tempos do governo de Café Filho.

Os tempos são outros, mas as elites que deram o golpe em 2016 são as mesmas de 1954, e não engolem o lulismo. O problema de Bolsonaro, para estas elites, sempre foi comer frango com farofa sem talheres. É preciso saber manejar com desenvoltura os garfos e facas para ser aceito pelas elites cordiais e colonizadas que governam o Brasil. Bem, tu sempre soubeste disto Naná, e por isso esta distância entre nós que apenas a palavra é capaz de diminuir.

Torço para que as palavras duras de Lula também sejam capazes de diminuir os juros. Pagar o financiamento desta caverninha que habito, Naná, não está fácil.

No mais, seguimos por aqui. Muito calor e carnaval em Desterro.
Um forte abraço deste teu amigo e…
TARAWONG!

Viegas Fernandes da Costa.
Desterro, 14 de fevereiro de 2023.

Viegas Fernandes da Costa é escritor e docente.

 

 

 

A opinião do autor não necessariamente representa a opinião do Portal Desacato. 

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