Vereadora de Americana (SP) chamada de “próxima Marielle” detalha ameaça de morte

Estes ataques revelam o medo mascarado de homens, em relação a força feminina de políticas como Marielle Franco.

EXCLUSIVO – Vereadora de Americana (SP) chamada de “próxima Marielle” detalha ameaças de morte
Professora Juliana Soares do Nascimento (PT), vereadora de Americana (SP). EXCLUSIVO – Vereadora de Americana (SP) chamada de “próxima Marielle” detalha ameaças de morte Créditos: Câmara Municipal de Americana (SP)

Por , Revista Fórum.

“Você será a próxima Marielle, foi um dos comentários que a vereadora Juliana Soares do Nascimento (PT), de Americana (SP), leu a seu respeito, na última semana, em um corte de fala sua publicado no YouTube em dezembro de 2022. Na ocasião ela explicava um requerimento em que pedia informações a respeito da ocupação de uma área em frente ao Tiro de Guerra (TG) de Americana. A vereadora registrou um boletim de ocorrência por ameaça e incitação do crime na Delegacia de Defesa da Mulher da cidade de 240 mil habitantes e cerca de 140 quilômetros distante da capital paulista.

“Essa misoginia que permeia as relações dentro da nossa cultura, está em todas as camadas, contextos, tempos e espaços. Está no feminicídio da mãe que decidiu se separar do marido, mas está também na violência política contra nós, mulheres que ocupamos espaço de poder”, declarou a vereadora ao refletir sobre o ataque que recebeu.

Professora Juliana, como é conhecida, detalhou as condutas contra a sua integridade em um relatório, que consta tanto no boletim de ocorrência, como em ofício encaminhado à Comissão de Direitos Humanos da câmara municipal de Americana e a Procuradoria-Especial da Mulher na Alesp – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

“Tenho sido desde o começo de 2021 alvo de ataques violentos nas redes sociais, um deles, no ano passado, de um vereador de extrema direita (Felipe Corá – Patriotas) da cidade vizinha de Santa Bárbara d’Oeste. Na época o vereador fez um vídeo no qual afirmava que eu era defensora de bandidos, do aborto e que eu deveria lavar a boca com ácido sulfúrico. A justiça entendeu que houve danos morais, condenou o vereador a pagar indenização e retirar o vídeo da rede social”, contou a vereadora, que é formada socióloga e está em seu primeiro mandato após ser eleita em 2020.

Juliana explica que na época dos ataques de Corá, a câmara municipal de Americana – composta por 19 vereadores, dentro os quais apenas três são mulheres – avaliou que tratava-se de uma ofensa de caráter exclusivamente político, fruto de uma suposta “polarização”. A casa então teria se limitado a emitir uma nota de solidariedade. A professora, ao contrário, cobrava uma ação mais contundente a respeito dos fatos.

Ela ainda relata que, após sofrer os ataques de Corá, voltou a ser atacada. Dessa vez por Jorge Ramos, servidor comissionado da câmara lotado na coordenadoria de comunicação da casa, e Guilherme Tiosso, ex-vereador de Americana. Ambos possuem um programa de televisão local, na TV TodoDia, e divulgaram aos risos os ataques de Corá, qualificando a situação como algo cômico. Juliana ainda relata que pediu apuração da câmara, mas teve seu pedido arquivado. Ramos se aposentou no fim de 2022.

Ainda em 2022, na última sessão do ano, Juliana relata que o vereador Doutor Wagner Rovina (PV) mentiu ao falar sobre seu caso, afirmando que ela teria retrucado os ataques de Felipe Corá, na tribuna da câmara de Americana, afirmando que a mãe e a irmã de Corá também teriam de ser agredidas com ácido sulfúrico no rosto. “A mentira pode ser rapidamente desmontada a partir dos vídeos disponíveis no canal da câmara de Americana nas redes sociais”, rebateu. Ela ainda afirma que Rovina jamais se retratou em relação ao erro e que a câmara tampouco se manifestou sobre o caso.

“A violência contra as mulheres na política acontece explícita e implicitamente, são muitos os casos, as situações, as falas e as escolhas que evidenciam que o legislativo não é um espaço seguro para nós”, avalia a vereadora.

“Próxima Marielle”

A vereadora relata que recebeu nas últimas semanas a publicação na qual havia o comentário que a chamava de “próxima Marielle”. Segundo seu relatório, a publicação contendo a ameaça foi feita no comentário de um vídeo que fazia um corte de sua fala durante sessão ordinária na Câmara de Americana, em 2022, onde pedia informações a respeito do acampamento montado em frente ao TG da cidade, onde um movimento golpista de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) questionava o sistema eleitoral brasileiro.

“Na época, vi muitos comentário agressivos, conforme relatado no boletim de ocorrência lavrado em 13 de fevereiro de 2023. No mesmo dia da sessão, em 8 de dezembro de 2022, uma mulher, uma das lideranças do movimento antidemocrático na região, fez transmissão ao vivo direto do acampamento, incitando manifestantes contra mim, afirmando que eu estava tentando tirá-los de lá e julgando o pedido de informação aprovado durante a sessão como sinal de ‘coragem’. Ela deixou implícito, dessa forma, de que havia algum risco na iniciativa”, explicou.

Também relatou que nos dias subsequentes chegou a ser interpelada por moradores do município, apoiadores dos atos antidemocráticos, nas ruas e em seu gabinete – e chamou atenção para o fato de que a câmara da cidade não possui sistema de monitoramento por câmera ou detector de metais nas suas entradas. Um outro vereador da cidade ainda teria sido agredido nas dependências do acampamento quando foi ao local explicar aos bolsonaristas o teor de pedido de explicações.

Em relação ao comentário que a chama de “próxima Marielle”, Juliana afirma que quando uma parlamentar é atacada dessa forma, é a própria democracia quem está sofrendo o ataque. “O mundo inteiro sabe que a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e seu motorista foram assassinados a tiros em uma emboscada covarde e exige explicações sobre os mandantes deste crime bárbaro. Se a política não for um lugar seguro para nós, mulheres parlamentares, nenhuma mulher estará de fato segura em lugar nenhum”.

A vereadora formalizou a denúncia e aguarda as investigações. “Sobre a ameaça em que fui chamada de ‘próxima Marielle’, espero que o agressor seja identificado e responsabilizado nos termos da lei e que no âmbito do poder público o episódio possa servir para que a nossa própria câmara municipal faça uma formação sobre o que é violência política e como atinge as mulheres”, declarou.

Bolsonarismo em Americana

“Americana tem índices em relação a políticas sociais e básicas razoavelmente bons em comparação com outras cidades do Estado. Mas infelizmente temos parte da população que não entende a importância da defesa dessas políticas. Apresentam uma mentalidade conservadora, muito ligada aos interesses das patronais de comércios e serviços”, contou.

A vereadora explica que embora o prefeito seja do PV, que fez parte da coligação que elegeu Lula (PT) no ano passado, seu representante na cidade fez campanha ao lado de Bolsonaro e Tarcísio de Freitas (Republicanos). Sua base na câmara municipal conta com 15 dos 19 vereadores, sendo que o único mandato de oposição, e de esquerda, é o da professora. “Não temos na cidade uma articulação popular que consiga de fato intervir na formulação da política pública. Temos um longo caminho ainda a percorrer até conseguirmos pautar um projeto de cidade pra valer”, avalia.

Após o segundo turno das eleições, o acampamento bolsonarista foi montado em Americana, como em muitas outras cidades do país. “Nós da esquerda pensamos que iria se dissolver, mas deu dez, quinze, vinte dias, e as pessoas que moram no entorno do Tiro de Guerra começaram a se incomodar com a falta de higiene dos banheiros químicos – e antes deles com as necessidades dos bolsonaristas sendo feitas nas portas das casas – e com o barulho de hinos nacionais e dos próprios bolsonaristas pela noite. Isso sem contar a interdição de via com cones oficiais da unidade de trânsito da prefeitura”, relatou.

Cobrada pelos próprios eleitores, a vereadora começou a ir atrás de explicações. Nesse processo ela procurou a própria unidade de trânsito da prefeitura e, ao perguntar ao chefe da unidade sobre a interdição da via, o próprio teria afirmado que não sabia da interdição. “No mesmo dia fiz um requerimento à prefeitura formalizando esse e outros questionamentos. Tivemos o maior cuidado na hora de redigir o requerimento, para não soar ideológico. Fizemos o pedido sobre informações básicas, por exemplo, se havia um pedido junto à unidade de trânsito para a interdição da via, ou se a prefeitura teria autorizado a montagem de barracas e banheiros químicos em via pública”, detalhou. “Só queremos saber se a mesma regra valia para todos”, concluiu.

O requerimento teria sido protocolado em 8 de dezembro. No mesmo dia, ocorreu a live em que a liderança do movimento golpista incitou bolsonaristas contra a vereadora. “Nesse dia a casa caiu para todos os vereadores porque aprovaram o requerimento. E não interessa se o vereador fosse bolsonarista – nesse caso seria chamado de traidor ou infiltrado pelos golpistas. Mas pasme! Quatro dias depois, fomos chamados pelo presidente da casa na época, também do PV, e o que vi foram os vereadores preocupados, querendo explicar aos golpistas o que o requerimento estava pedindo. Eles então chamaram as lideranças para uma reunião na câmara mas as lideranças antidemocráticas não aceitaram o convite e, ao invés disso, convidaram os vereadores para um almoço no acampamento. Eu blefei e falei que iria. Quando eu disse isso, os vereadores não gostaram da ideia. ‘Melhor você não ir, vão te agredir lá e eu não vou poder te defender’, diziam colegas”.

No final das contas os vereadores foram ao almoço e o vereador Gualter Amado (Republicanos), um político conservador e muito respeitado na cidade, tomou xingamentos e empurrões dos bolsonaristas. Em seguida, ele noticiou os fatos na imprensa local. “Então eu protocolei uma moção de repúdio às agressões sofridas pelo Gualter e achei que estava ótimo, mas o próprio vereador me disse que derrubaria a moção”, completa a professora.

“Na sequência, veio o recesso. E na volta do recesso, logo em seguida do último dia 8 de janeiro, coloquei em pauta uma moção contra os atos antidemocráticos praticados em Brasília e retirei a moção específica sobre o Gualter. Conto isso para que o leitor tenha uma noção de como funcionam as coisas na cidade”, concluiu.

A professora

“Minha primeira campanha para a câmara municipal foi em 2016. Mas foi uma campanha muito pequena, a gente recebia material da coligação, gastamos muito pouco, cerca de R$ 4 mil e obtivemos 506 votos – foi até mais positiva em alguns aspectos do que a campanha em que me elegi em 2020. No ano passado disputei uma vaga para deputada estadual, onde consegui uma votação expressiva, de mais de 12 mil votos, mas não ganhei”, resumiu a professora.

Sou a primeira geração da minha família a concluir o ensino superior, via Pro Uni. Me formei em Ciências Sociais na PUC de Campinas, mas sou filha de mecânico e faxineira. Tenho a característica de ter na minha trajetória a consciência de classe. E quando me formei, fui dar aula. Em 2013 eu entrei em uma escola estadual, em tempo integral, onde fiquei por dois anos. E quando eu fui cessada – não exatamente uma exoneração, mas algo semelhante, que implica numa espécie de ‘demissão’ do servidor – estava fazendo um baita trabalho de desenvolvimento do senso crítico e, por conta disso, tinha muito vínculo com os alunos. Quando souberam que eu iria sair, eles pararam a escola – cerca de duas semanas antes de começarem as mobilizações que desdobraram nas ocupações de centenas de escolas em São Paulo. Foi nesse momento que caiu a minha ficha de que existia a necessidade, na cidade, do surgimento de novas lideranças políticas de esquerda, que atuassem no cotidiano e não apenas no ano eleitoral”, contou.

Juliana conta que ama o que faz. Na escola João XXIII, onde dava aulas entre 2013 e 2015, ela tinha uma sala ambiente com obras de arte de diversos artistas brasileiros, que dialogavam com os temas abordados na sua disciplina, que oferecia uma espécie de introdução do pensamento acadêmicoEla ensinava conceitos básicos de humanidades em paralelo com as notícias do cotidiano, o que nas escolas é chamado genericamente de “atualidades”. Juliana conta que uma dessas obras, que trazia uma figura do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara, teria sido o estopim para a crise que culminou na sua saída.

Um dos pais dos alunos teria pedido que a imagem fosse retirada e os acontecimentos em torno do pedido escalaram para o fechamento da sala ambiente. Ao final, a professora se opôs ao fim da sala ambiente e sua cessação ocorreria semanas depois, revoltando os alunos. “Não vai ter Saresp”, gritaram os alunos em protestos contra a demissão da professora e o fim da sala ambiente, em referência ao exame estadual que avalia as escolas paulistas. A professora diz que nada disso foi ideia sua, mas que partiu diretamente dos estudantes.

“Minha trajetória na política ocorre muito vinculada à educação, ao Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp) do qual sempre participei das greves e dos ambientes de formação, além do Partido do Trabalhadores. Como educadora e também na trajetória política, sou conhecida pelas decisões e ações tomadas no dia a dia e, a partir disso, foi possível construir relações de confiança e credibilidade”, definiu.

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