“Tapete de algas” é alternativa barata e sustentável para tratamento das águas de Florianópolis

Sistema purificador desenvolvido por pesquisadores da UFSC absorve efeitos da poluição, produz biomassa e contribui para a economia da região

O Algal Turf Scrubber funciona na Estação de Maricultura Elpídio Beltrame, na Barra da Lagoa. Foto:
Reportagem: Dairan Paul | Jornalista / Núcleo de Apoio à Divulgação Científica

Crizan Izauro | Estagiário de jornalismo / Núcleo de Apoio à Divulgação Científica

Infográfico: Rafaela Souza | Estagiária de design / Núcleo de Apoio à Divulgação Científica

Edição: Denise Becker | Jornalista / Núcleo de Apoio à Divulgação Científica

O tripé econômico de Florianópolis – pesca, maricultura e turismo – depende de um componente fundamental: água limpa. E a própria natureza ajuda a obter recursos hídricos de qualidade. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisadores vinculados ao Laboratório de Ficologia (Lafic), do Departamento de Botânica, desenvolvem sistemas purificadores que utilizam algas para a remoção de poluentes da água – são os tapetes algais biofiltrantes (Algal Turf Scrubber – ATS).

“É um absurdo que a gente não esteja investindo nelas”, afirma Leonardo Rörig, coordenador do projeto. Os ATS são um exemplo de “soluções baseadas na natureza”, alternativas sustentáveis, baratas e de baixo impacto ambiental. Países como Austrália, Estados Unidos, China e Índia aderiram ao sistema pela sua baixa pegada de carbono e emissão de gases de efeito estufa.

A equipe de pesquisadores do Lafic testou com sucesso o tapete de algas na Estação de Maricultura Elpídio Beltrame, na Barra da Lagoa, em Florianópolis. Formado por uma rampa de náilon e acoplada a tanques de piscicultura, o ATS funciona como uma espécie de rim: as plantas marinhas absorvem impurezas que vêm tanto dos efluentes domésticos (o esgoto de prédios, por exemplo) como da maricultura e piscicultura (excrementos e restos de ração de peixes e moluscos). “Transferimos o efeito da poluição para um sistema à parte que não exige muita tecnologia”, resume o professor.

Durante o processo as algas crescem e produzem biomassa, que pode ser convertida novamente em ração para as tainhas dos tanques. A matéria orgânica também é insumo para a produção de biofertilizantes e bioestimulantes. Já o mercado cosmético desenvolve fórmulas a partir da biomassa devido ao seu elevado teor de sais minerais, vitaminas e aminoácidos.

Vantagens do tapete de algas. Ilustração: Rafaela Souza.

Empresas precisam de coragem para inovar e dar crédito a novo sistema, afirma pesquisador

O funcionamento do tapete de algas foi comprovado pelo sistema piloto da Estação de Maricultura. Agora, o objetivo é aplicá-lo em escala maior. Dois pré-requisitos são necessários para a próxima etapa: o licenciamento feito por órgãos ambientais e o interesse de companhias privadas ou mistas, como a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), atual responsável pelo abastecimento de Florianópolis. Recentemente, a prefeitura da capital ameaçou romper contrato com a empresa.

Para Rörig, a ampliação do sistema pode ser alcançada à medida que a eficiência do ATS é divulgada. “Às vezes, por uma questão histórica, o setor privado prefere acreditar mais nos pacotes tecnológicos importados do que naquilo que se desenvolve numa universidade brasileira. Mas se você achou interessante os biofertilizantes, você vai depender de um cientista. É preciso organizar essa cadeia produtiva.”

O custo de três sistemas de pequeno porte gira em torno de R$ 150 mil por ano, calcula o professor. Para ampliá-los seria preciso o apoio de empresas a fim de garantir agilidade ao serviço. É uma parceria estratégica, considera Rörig, já que elas passam a ter seu nome associado a uma iniciativa sustentável, podem vender crédito de carbono e revertê-lo em lucro.

Algas armazenadas para análise no laboratório do Lafic. Foto: Crizan Izauro/NADC/UFSC

Atualmente, a equipe do Lafic não consegue suprir a demanda que recebe. “Fomos consultados por uma empresa para produzir uma tonelada de biomassa por mês. Para isso, precisaríamos de 50 rampas funcionando. Isso tudo gera despesa, e nossa velocidade de produção é menor.”

O projeto da Estação de Maricultura recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Valores extras, no entanto, são custeados pelos professores, como equipamentos e consertos que não estavam previstos. A despesa com transporte até a Barra da Lagoa também vem do próprio bolso da equipe. “A gente faz mais pela vontade que dê certo, mas gastamos com isso.”

Tratamento dos efluentes evita desastres ambientais

O tapete de algas é uma alternativa bem-vinda para o litoral catarinense. Apenas em 2021, o estado produziu mais de 12 mil toneladas de moluscos; na piscicultura, o número chegou perto de 50 mil, afirma estudo do Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca. Florianópolis lidera a produção nacional de ostras.

Quanto ao turismo, Santa Catarina teve o segundo maior crescimento do país em fevereiro de 2022, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE. A capital arrecadou mais de R$ 4,4 bilhões entre 2015 e 2020, atrás apenas de Itajaí.

Tamanho potencial turístico, no entanto, pode ser desperdiçado pelos resíduos de efluentes que causam desastres ambientais. O mais grave aconteceu em 2021, quando a estrutura da Casan rompeu e contaminou as águas da Lagoa da Conceição, mudando até sua cor. Peixes e siris morreram, ruas foram inundadas e moradores do bairro tiveram perdas materiais.

“O acidente não geraria esse dano se os efluentes finais do tratamento fossem processados de forma controlada em sistemas de remediação com algas ou plantas”, afirma o professor. “Nosso sonho é depurar a água da Lagoa da Conceição. Colocar vários sistemas, tirar as toxinas e devolver a vida e a pesca.”

Pesquisadores pretendem ampliar o sistema para ambientes costeiros poluídos. Foto: Crizan Izauro/NADC/UFSC

O pesquisador orientou recentemente uma monografia sobre os processos que levaram à deterioração da Lagoa. Nas conclusões, a autora Luana Ami escreve: “fatores como o descumprimento das leis vigentes, a falta de precaução, a leniência no cumprimento de exigências e fiscalização por órgãos administrativos são as verdadeiras causas da degradação ambiental”. Segundo Rörig, “o esforço para matar a Lagoa é muito maior do que para recuperá-la”.

Pesquisa de ponta

Os estudos do Lafic são reconhecidos internacionalmente – o tapete de algas é uma parceria com professores da Universidade de Auburn, nos Estados Unidos, e Universidade de Málaga, na Espanha.

Já a UFSC está diretamente relacionada ao desenvolvimento da maricultura catarinense. Desde os anos 1990, o Laboratório de Moluscos Marinhos fomenta o mercado local atendendo aos ostreicultores e pescadores artesanais.

Além do ATS, o Lafic pesquisa outras tecnologias baseadas na natureza. Os wetland parks, por exemplo, são sistemas que utilizam áreas úmidas para receber esgoto, cultivar plantas, atrair faunas e criar parques. “É uma realidade mundo afora, mas que ainda engatinha no Brasil. Falta divulgação das iniciativas existentes.”

Para a continuidade do projeto, Rörig prevê custos na compra de equipamentos e manutenção de bolsas aos estudantes. A intenção da equipe é aplicar o sistema purificador em ambientes costeiros com histórico de contaminação. “Se fizermos um esforço para que o esgoto seja contido e tratado da melhor maneira possível, estaremos contribuindo diretamente com as três principais atividades econômicas da ilha”, resume o professor, em referência à pesca, à maricultura e ao turismo.

Sobre o pesquisador

Leonardo Rörig é professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina, com pós-doutorado na Universidad de Almería (Espanha). Atua no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biociências e no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal, ambos da UFSC. Tem experiência na elaboração e execução de projetos de monitoramento ambiental e recursos hídricos. Pesquisa biotecnologia de algas, oceanografia biológica e ecologia.

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