“Precisamos construir um projeto de desenvolvimento das comunidades”, diz secretário de políticas para quilombolas

Ronaldo dos Santos assumiu a Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, ligada ao Ministério da Igualdade Racial

 

Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Durante a cerimônia de posse de Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial no dia 11 de janeiro, Ronaldo do Santos foi apresentado como secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos. Natural do Quilombo do Campinho da Independência, localizado em Paraty no Rio de Janeiro, o novo secretário trabalha no movimento de defesa das comunidades quilombolas desde o final de 1990.

O quilombo do Campinho da Independência foi o primeiro do estado do Rio de Janeiro a ser titulado. A regularização da comunidade em 1999 foi também uma das primeiras do Brasil. Ronaldo dos Santos conta que fez parte dessa história herdada pela luta da geração de seus avós, motivados pelos conflitos de terra que vinham desde a década de 70 com a construção da Rodovia Rio-Santos, que atravessou a comunidade.

Aos 20 anos de idade, em 1998, ele fez parte do grupo que assumiu os anos iniciais da hoje intitulada Associação de Moradores do Quilombo do Campinho (Amoqc). “Em 2003, criamos a Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj). Eu me tornei presidente da Acquilerj, em que presidi até 2010”, relata o secretário.

No mesmo período, Ronaldo já estava na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), organização em que foi coordenador executivo até 2018 e que, atualmente, integra sua direção.

Segundo Ronaldo dos Santos, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) não é um órgão de execução de política, mas de elaboração e monitoramento junto aos demais órgãos de governo, inclusive municipais e estaduais. À frente da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, na composição do MIR, Ronaldo dos Santos conta que seu grande desafio é estabelecer um diálogo permanente com o público-alvo de atendimento da pasta.

“Há um legado já de construção de política pública. Existe uma memória e eu preciso partir dessa memória e dar o novo formato a partir dos diálogos”, explica.

De acordo com Ronaldo, há alguns passos já primordiais para serem levados em conta na atuação da secretaria, como o combate ao racismo religioso, que é uma pauta urgente dos povos de terreiro. “Nós teremos uma responsabilidade muito grande no melhor desenho dessa política de combate ao crime religioso”.

Em relação aos quilombolas, a titulação de terras e a real implementação de uma política de desenvolvimento também são demandas importantes para a secretaria. “A titulação de terra precisa ser compreendida como algo indispensável. As comunidades quilombolas dependem da regularização dos seus territórios. A gente precisa desenhar e construir um projeto de desenvolvimento das comunidades”.

Além disso, o secretário acrescenta que há pautas importantes relacionadas também à construção de políticas públicas para os povos ciganos. “O cigano ainda tem uma questão anterior que é a de sua cidadania ser reconhecida e respeitada, porque onde existe um acampamento cigano, há uma comunidade em volta dizendo que não os reconhece”.

Ronaldo dos Santos MIR
Ronaldo dos Santos | Crédito: Beto Monteiro/Secom UnB

“Todos esses desafios estão postos na nossa mesa e como quem aceita a tarefa, temos que enfrentar com segurança e responsabilidade. Tudo isso é pauta pra nós tentarmos destravar e sabermos que temos só quatro anos para isso”, complementa.

Desafios da retomada

O Governo de Lula assume um mandato com um compromisso por retomar políticas públicas essenciais sobretudo para grupos historicamente vulnerabilizados no país.

Ronaldo dos Santos explica que a pasta que assume já existiu em outros momentos de maneiras semelhantes e diferentes nomes, como a Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais (Subcom), dentro da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), criada em 2003 durante o Governo Lula com status de ministério. Inclusive a liderança quilombola Givânia Maria Silva, uma das fundadoras da Conaq, esteve à frente da Subcom em dois períodos: julho de 2007 a maio de 2008 e de março de 2015 a maio de 2016.

Atualmente, com a retomada do MIR e a inclusão da secretaria em sua estrutura, novos desafios se apresentam para a pasta. Nos últimos anos e durante o Governo Bolsonaro, se acentuou o desmonte de políticas públicas para a promoção da igualdade racial e de instituições públicas federais para garantia de direitos a indígenas e quilombolas. É o que revelou a edição do Balanço do Orçamento Geral da União de 2021, estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Há 11 dias, no dia 8 de janeiro, os prédios dos Três Poderes em Brasília também foram palco de ataques por extremistas apoiadores de Jair Bolsonaro. “É muito desafiador por muitos motivos. Um deles é a terra arrasada que nós encontramos. Além dessa terra arrasada do ponto de vista da economia e das instituições, ainda tem o fascismo na rua que é algo a ser enfrentado”, comenta Ronaldo.

De acordo com o secretário, os anos trabalhados em serviços públicos serão muito importantes para ajudá-lo nos desafios e nas tarefas que irá desempenhar. Ele já esteve à frente da Secretaria Municipal de Cultura de Paraty e já foi Secretário Adjunto de Povos e Comunidades Tradicionais de Paraty (2019/20).

“Essa bagagem vai me ajudar muito. A janela de possibilidades para execução da política dentro dos serviços públicos é muito limitada, portanto você tem que ser muito cirúrgico e assertivo. Então entender a burocracia é fundamental. Eu sei o quanto é desafiador entender que o seu lugar de fala no momento não é o do movimento social, mas do estado, porque se representa um governo. Os seus compromissos são os mesmos e suas responsabilidades não. É outro lugar de ativismo.”, finaliza o quilombola.

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