O uso da terra e as mudanças climáticas

Por Tatiana Carlotti.

A Fundação Friedrich Ebert (FES) e a Fundação Perseu Abramo (FPA) promoveram nesta segunda-feira (23.02) mais um debate da série “Uma Agenda Democrática para o Brasil Rural”. O debate “Mudanças Climáticas e o Desenvolvimento Rural Sustentável” foi o terceiro encontro voltado à compreensão das dinâmicas e desafios do uso e gestão dos recursos naturais, para o estabelecimento de novas bases para o desenvolvimento rural no país.

Participaram do debate Carlos Guedes, secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural do Ministério do Meio Ambiente (MMA); Luiz Antônio Carvalho, assessor especial do MMA; Priscila Bocchi, coordenadora-geral de monitoramento das ações de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN-MDS); a pesquisadora Juliana Speranza (CERESAN) e o deputado Nilton Tatto (PT-SP).

Durante as apresentações, foram detalhados os compromissos do Brasil na COP21. Luiz Antônio Carvalho relatou os principais avanços do Acordo de Paris, detalhando a iNDC (pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada), termo pelo qual o país se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 até 2025; e 43% abaixo dos níveis de 2005, até 2030.

Ele apontou também a tendência de descarbonização da economia que incluiu metas como a participação de 45% de energias renováveis na composição da matriz enérgica até 2030; e o reflorestamento de 12 milhões de hectares. “Se eu não conseguir aqui (determinada área econômica), vou ter que conseguir em outro lugar. Não são mais metas setoriais, temos agora termos absolutos”, avaliou.

O uso da terra


Carvalho destacou que o grosso da contribuição brasileira nesse esforço global está no uso da terra. “Não podemos abrir mão de objetivos e metas na questão do agronegócio porque seu impacto é muito forte. Se fôssemos trabalhar só com a agricultura familiar a nossa contribuição não seria. Por outro lado, não devemos reduzir a participação a esse setor da economia. ”

Na sua avaliação, a primeira vitória foi conseguir o acordo. “Não tem como voltar atrás. A regulamentação ainda vai acontecer, mas já temos os princípios gerais estabelecidos”.

Já Carlos Mario Guedes destacou, em sua apresentação, que o conceito global que começa a ser desenhado com o Acordo de Paris abre uma nova agenda no mundo e, em especial, no Brasil. Destacando a dificuldade de se romper com um modelo de desenvolvimento com base em combustíveis fósseis e exclusão social. “Esse é o debate que tem nos motivado no MMA”, aponta.

Segundo ele, “as metas de mitigação que o Brasil assume no caso do uso da terra estão relacionadas com a agricultura de escala”. Em sua visão, elas abrem uma agenda para a agricultura familiar e das populações tradicionais, na agenda de adaptação, a partir do que foi acumulado tanto em termos de preservação do meio ambiente, quanto no de valorização do conhecimento tradicional.

Oportunidades

“Várias porções do território nacional podem ser trabalhadas com novos conceitos”, afirmou, para dialogar com essa agenda com o debate da agroecologia e da agricultura orgânica. “Temos muito a disputar, mas temos muito para trabalhar”. Ele citou várias porções do território que podem ser trabalhadas dentro desse novo conceito.

O Brasil conta hoje com 80 milhões de hectares da agricultura familiar registrados no Censo Agropecuário, 100 milhões de hectares em terras indígenas e 20 milhões de hectares em unidade de conservação de uso sustentável. Ele contou que o Plano Safra que vem sendo discutido no MMA já traz elementos da adaptação climática.

Salientando que a agenda da mudança do clima e a do desenvolvimento sustentável devem ser perseguidas conjuntamente, Guedes apontou que essas agendas não devem ser desconectadas. “É isso que permite uma discussão sobre um modelo de desenvolvimento mais sustentável e menos excludente, na perspectiva do apoio a quem mais precisa”, defendeu.

Enfrentamento do agronegócio

A necessidade do enfrentamento do agronegócio para, efetivamente, enfrentar os desafios das mudanças climáticas, em curso, foi consenso durante o encontro. Na avaliação do deputado Nilton Tatto (PT-SP), enfrentar a concentração fundiária no país é urgente.

Denunciando a presença de 130 mil famílias acampadas, 4 mil comunidades quilombolas a espera de titulação, além da necessidade da demarcação de terras indígenas, o parlamentar ressaltou que não se trata de uma agenda social, mas de medidas que permitam diminuir a emissão de gases poluentes no Brasil.

“Não enfrentamos ainda o modelo exportador do agronegócio”, apontou, citando que 95% da produção de milho é transgênica no Brasil. “Trata-se de um modelo concentrador de renda, que prioriza a produção para aumentar o PIB e a balança comercial, deixando nas mãos das transnacionais o controle das sementes. Segurança alimentar tem a ver com segurança nacional”, sublinhou.

O tema da segurança alimentar também teve destaque durante o debate. A pesquisadora Priscila Bocchi, coordenadora-geral de monitoramento das ações de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN-MDS), citou o impacto das mudanças climáticas para a segurança alimentar e nutricional do país, mencionando os esforços do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) relativos ao tema.

Segurança Alimentar

Priscila destacou que o Plano defende, entre as políticas públicas a serem fortalecidas, as ações voltadas à agricultura familiar, em todas as suas dimensões, passando pelas questões relacionadas à inclusão produtiva e ao acesso às novas tecnologias sociais.

Ela também comentou sobres os esforços do PNA em trabalhar a questão hídrica e o processo de desertificação em curso no país. Citando o exemplo da construção de cisternas, Priscila ressaltou a necessidade da pesquisa e do desenvolvimento de novas tecnologias de acesso à água, tanto para consumo quanto para a produção de alimentos.

Já a pesquisadora Juliana Speranza do Ceresan-UFRRJ detalhou o PNA que conta com a participação de onze ministérios em sua elaboração. “O grande objetivo do Plano é o contágio da lente climática na formulação de políticas pública e de projetos de desenvolvimento”, afirmou.

“Não estamos falando só de acrescentar o adjetivo de sustentabilidade em uma política ou em uma agenda de desenvolvimento rural, mas de uma oportunidade, quando essas agendas se cruzam, de questionar o modelo de desenvolvimento”, destacou.

Citando a apropriação do termo “sustentabilidade” pelo agronegócio, ela relatou que o padrão de emissão de gases de efeito estufa vem se intensificando no país. Os setores que mais emite esses gases? O do agronegócio, juntamente com o setor de energia, apontou.

Questões latentes

A plateia constituída, em grande parte, por especialistas e envolvidos na questão da terra, além de representantes dos movimentos sociais, externou a preocupação diante da dificuldade da implementação, efetiva, dos compromissos federais.

A luta de classes e os embates entre agricultura familiar e agronegócio vieram à tona, com destaque ao papel central da reforma agrária e da agricultura familiar para o estabelecimento de um efetivo modelo de sustentabilidade e de um novo padrão de desenvolvimento ao país.

Também foram debatidas questões como a ambientalização da economia e a apropriação do discurso da sustentabilidade pelo agronegócio. Entre os gargalos: a ilegalidade na compra de terras por estrangeiros e o fortalecimento do modelo excludente do agronegócio que sequer reconhece o papel central da agricultura familiar para o país.

Como apontou Carvalho, esse setor brada que “o Brasil vive por causa do agro. Parece que são eles que carregam o país e não que o país os carrega nas costas”. Confiram aqui a íntegra do debate no site da FPA.

Próximos encontros

Em sua próxima sessão de debates, programada para o dia 21.03, a FES-FPA discutirá o “Direito à Terra e ao Território na agenda democrática do desenvolvimento rural”.

Em abril, está programado o debate “Agricultura Familiar, Agroecologia e Alimentação saudável (18.04); em maio, “As mulheres na agenda democrática do Brasil Rural” (23.05); e em junho “A agenda democrática do desenvolvimento no semiárido” (20.06.2016). Os encontros acontecem na sede da FPA.

Fonte: Carta Maior

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