Família Decora

Tenho fascínio por programas de decoração. Eles dizem muito do modo de vida capitalista, do leque de coisas inumeráveis nas gigantescas lojas de departamento, dos objetos de desejo da vida cotidiana. Muito da crise de 2008 nos Estados Unidos foi alavancada pelas hipotecas de casas e pelo incessante crédito para colocar coisas dentro delas.  

Este tipo de programa não falta na tevê fechada: Irmãos à Obra; Irmãos à Obra: Compra a Venda; Ame-a ou Deixe-a Vancouver, VIP Manhattan. São os meus favoritos, além do Decora, a versão brasileira disponível no GNT. Em todos, é de impressionar a volúpia com que – escolhidas as casas para reforma – se colocam abaixo paredes, divisórias, tetos. Móveis velhos, outros nem tanto, são desgarrados das moradias e tombam mortos em containers de demolição. Cozinhas, conjuntos de quarto, lareiras chiques nos anos 1980 e 90 são, aos olhos das sensibilidades de hoje, de uma breguice ultrajante. O gosto do século 21 ocidental é por cozinha em conceito aberto, bancadas de quartzo, granito ou mármore, rodabanca moderna, pias de fazenda, eletrodomésticos gigantes em inox, lareira a gás, pias duplas no banheiro, piso aquecido (em Vancouver!).

Mas o que eu mais gosto nestes programas são as famílias. Perfeitas! Pais amam filhos, filhos amam pais, maridos e esposas se adoram, todos querem receber visitas, cozinhar para elas, ter a sala cheia de gente. Impressionante. A família se mobiliza, aumenta a hipoteca, para que a mulher, ao final do programa, quase chore diante de uma bancada com tampo de mármore, alisada como se fosse um gatinho mimado. O marido que gosta de fazer pizza pode se emocionar com uma surpresa da esposa: um forno a lenha artesanal! Mesmo quem assume não gostar de cozinhar quase vai às lágrimas com um fogão de cinco bocas e uma geladeira dupla. Casais sem filhos ou com filhos crescidos procuram casas com três quartos, três banheiros e duas garagens para receber os amigos. 200 metros quadrados para 2 pessoas. Surreal. Espantosas essas famílias tão felizes e tão sequiosas por espaço.

Uma exceção é o VIP Manhattan. Nele, as famílias nem sempre aparecem. Conhecido como o empreiteiro das estrelas, Stephen Fanuka herdou o negócio do pai e reforma as casas e apartamentos mais exclusivos de Manhattan, muitos deles na frente do Central Park. Coisinhas com pequena metragem que podem valer 10, 15, 20 milhões de dólares e nas quais uma reforma do Fanuka pode custar 1 milhão, 1 milhão e meio. Como diz o mestre Flávio Vilaça, boa localização no espaço urbano é tudo. As melhores também compram o que há de mais valioso, o tempo.

Do VIP Manhattan, cito uma reforma na qual o dono do apartamento queria construir um solário no teto de um edifício de 17 andares! Transportar os painéis de vidro prédio acima exigiu guindastes e ruas próximas interditadas. Quem seria esse feliz proprietário de uma casa de vidro sob o sol do inverno? Não sabemos. Dele vê-se apenas a milionária habitação com o melhor que muitos maços de dólares podem comprar. A série às vezes mostra Stephen Fanuka ao final do episódio alisando os novos móveis, belos e perfeitos. Ele também pode ser um ricaço. Mas, naqueles gestos de pura contemplação da obra concluída, percebe-se igualmente o homem que aprendeu a ser marceneiro aos 12 anos, abrindo cada episódio do programa com um abraço no pai e uma declaração: – Eu te amo mais do que tudo neste mundo!

Perfeita, perfeita Família Decora!
E aí está um episódio:

Míriam Santini de AbreuMíriam Santini de Abreu é jornalista em Florianópolis.

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