Fake news e medo de perseguição aproximam fiéis de Bolsonaro

Bolsonaro e Michelle na Marcha para Jesus, em maio, em Manaus. Foto: Allan Santos/PR

Por Vinicius do Valle.*

pesquisa Ipec divulgada na última segunda-feira, dia 29 de agosto, trouxe um quadro de estabilidade em relação à pesquisa anterior do mesmo instituto: Lula com 44% dos votos totais, e Bolsonaro com 32%. Quando olhamos os dados com uma lupa, entretanto, podemos ver movimentações importantes entre os mais diferentes segmentos estratificados na pesquisa. Chama atenção, entre esses dados, o grupo dos evangélicos. Nele, o atual presidente Jair Bolsonaro oscilou positivamente de 47% para 48% dos votos, enquanto Lula caiu de 30% para 26%.

A pesquisa retrata um movimento que vem sendo acompanhado por algum tempo: o crescimento da campanha bolsonarista entre os evangélicos. Há razões para isso, já levantadas em artigos recentes publicados por este observatório. Elas envolvem, entre outros, a conexão do atual presidente com os principais pastores das grandes igrejas do país, a defesa bolsonarista de pautas caras para esse universo, tais como a chamada “pauta da família”, a defesa do casamento heteronormativo, a proibição do aborto, etc. Envolve também o preconceito e a dificuldade de setores de outros campos políticos, especialmente da esquerda, em estabelecer um diálogo verdadeiro com esse segmento religioso.

A despeito desses relevantes motivos, há também razões menos nobres envolvidas no ganho de terreno eleitoral pelo atual presidente no segmento. Refiro-me, aqui, a um conjunto de narrativas que circulam em vídeos e alimentam boatos que tomaram conta de muitos espaços religiosos nas últimas semanas. Em um desses vídeos, Lula aparece subindo uma ladeira, sendo recebido por uma mãe-de-santo. Um áudio montado aparece por trás do filme, com uma voz imitando o ex-presidente “vendendo sua alma”. A peça é mais uma arma da estratégia chamada “guerra religiosa”, que busca rivalizar crenças e espalhar o medo de perseguição entre os evangélicos. Soma-se, neste movimento, o discurso de pastores dizendo que, se Lula ganhar a eleição, as igrejas evangélicas serão proibidas no país.

É claro que não podemos atribuir o aumento de intenção de votos de Bolsonaro entre evangélicos somente a vídeos e boatos que circulam entre esses religiosos. O jogo eleitoral é mais complexo do que isso. Acontece que, com a ampla adesão dos principais pastores do país à campanha bolsonarista e o forte engajamento desses atores, tem se criado um ambiente político nas igrejas em que Lula é visto como um inimigo do segmento. Essa noção é tão difundida que tem se tornado, inclusive, uma daquelas máximas que ninguém sabe a origem e que pouco se discute. E mesmo entre aqueles que desconfiam há um pensamento insurgente que vai na seguinte linha: “com tanto engajamento dos evangélicos contra o PT, é claro que o partido nos vê como inimigos e pode trazer represálias a nós caso tome o poder”.

O tema da perseguição religiosa é muito presente no segmento evangélico. Há poucas décadas, esse grupo religioso era significantemente minoritário na sociedade Brasileira. Sobram relatos, entre evangélicos mais velhos, de eventos em que sofreram preconceito por professar uma fé divergente do catolicismo, amplamente majoritário no país de então. Em muitas igrejas, essa perseguição é constantemente relembrada. Além disso, é comum em pregações de diferentes denominações, a apresentação de casos de países ditatoriais em que o cristianismo é perseguido pelo Estado – ironicamente, um desses países é a Arábia Saudita, um dos principais aliados da política externa bolsonarista. O tema da perseguição religiosa ao “povo de Deus“, inclusive, faz parte de diferentes livros da Bíblia, e é um dos elementos que reforça o sentimento de pertencimento e união do grupo.

A campanha lulista tem diante de si o desafio de quebrar essa imagem dentro desse segmento. A falta de penetração entre as principais denominações e entre os principais pastores do país tem cobrado um preço. Caso a situação não se altere, é possível que vejamos a campanha bolsonarista avançar mais ainda nesse segmento. Há, no entanto, um teto para o bolsonarismo: a última pesquisa Datafolha mostra que, entre os evangélicos mais pobres, Lula empata com Bolsonaro. Entre amplos espectros da população, a necessidade de comer se sobressai a qualquer outra pauta.

* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico, e atua na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e em outras instituições, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos, além de realizar pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).

Artigo publicado originalmente no Observatório EvangélicoOs textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.

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