Em declaração conjunta à ONU, organizações denunciam as graves consequências do garimpo à alimentação e à saúde indígena

As denúncias foram realizadas pelo Cimi, Survival International e Right Livelihood Award Foundation durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Por Adi Spezia, Assessoria de Comunicação do Cimi.

Em declaração conjunta em “Diálogo Interativo” sobre o Direito à Alimentação da Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Survival International e a Right Livelihood Award Foundation denunciaram as graves consequências do garimpo à alimentação e à saúde indígena, com a destruição e contaminação dos meios de subsistência.

A advogada Fédora Bernard deu voz às denúncias no evento, que contou com a presença do Relator Especial sobre Direito à Alimentação, Michael Fakhri, durante o 52º período ordinário de sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH 52), realizado entre 27 de fevereiro e 4 de abril deste ano, em Genebra, Suíça.

“Há uma forte conexão entre extrativismo global, mudança climática e crescentes desigualdades, com reflexos no direito à alimentação”

A advogada da Right Livelihood Award Foundation, Fédora Bernard durante a declaração conjunta no CDH52. Foto: Right Livelihood Award Foundation

A advogada da Right Livelihood Award Foundation, Fédora Bernard durante a declaração conjunta no CDH52. Foto: Right Livelihood Award Foundation

As organizações agradeceram ao relator especial por seu relatório, no qual reconhece a forte conexão entre extrativismo global, mudança climática e crescentes desigualdades, com reflexos no direito à alimentação.

“Essa conexão não poderia ser mais clara no Brasil, especificamente no território Yanomami, onde anos de invasões de garimpeiros ilegais, somados ao desmantelamento da proteção e estruturas de saúde por parte do governo anterior, têm gerado uma crise humanitária”, destacou Fédora Bernard, diretora jurídica da Right Livelihood Award Foundation.

“A invasões de garimpeiros, o desmantelamento da proteção e estruturas de saúde têm gerado uma crise humanitária”

Estrada e maquinários ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami registrados pelo Greenpeace Brasil, em dezembro de 2022. Foto: Greenpeace Brasil

Estrada e maquinários ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami registrados pelo Greenpeace Brasil, em dezembro de 2022. Foto: Greenpeace Brasil

O direito humano à alimentação está expresso na Constituição Federal brasileira, no artigo 6º, ao destacar: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição”.

No entendimento das organizações, a soberania alimentar dos povos indígenas no Brasil só poderá ser garantida com os territórios de ocupação tradicional sob sua posse. Ou seja, a alimentação dos povos originários passa pela demarcação dos territórios, como uma condição fundamental para a produção de alimentos saudáveis e da própria dieta e cultura alimentar tradicional, com impactos nos modos de vida e no Bem Viver.

“Alimentação dos povos originários passa pela demarcação dos territórios, como uma condição fundamental para a produção de alimentos saudáveis”

Colheita de arroz na roça comunitária da aldeia Sororó. Segundo Rede de Apoio, indígenas que vivem em outras aldeias da terra indígena passam dificuldades durante pandemia. Foto: Kaipi Suruí

Colheita de arroz na roça comunitária da aldeia Sororó. Segundo Rede de Apoio, indígenas que vivem em outras aldeias da terra indígena passam dificuldades durante pandemia. Foto: Kaipi Suruí

“Embora apreciemos os esforços do novo governo para retirar os garimpeiros e proteger a Amazônia, a mineração de ouro causou danos irreversíveis”, alerta Fédora Bernard. A crise humanitária causada pela exploração do garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami, um dos exemplos mais graves desses danos, não foi exposta apenas agora. Organizações indígenas e aliados vêm denunciando e documentando sistematicamente o que estava acontecendo há pelo menos cinco anos.

“Fontes importantes de subsistência foram destruídas ou estão fortemente contaminados com mercúrio – com graves consequências sobre o direito à alimentação e à saúde da população”, chama a atenção Fédora Bernard.

“Fontes importantes de subsistência foram destruídas ou estão fortemente contaminados com mercúrio”

O avanço do garimpo sobre as terras indígenas, em especial nos últimos quatro anos, intensificou as invasões e o desmatamento, levando a fome, doenças e morte aos territórios indígenas. Segundo o dossiê Terra Rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira, o garimpo no Brasil é responsável por graves e massivas violações aos direitos humanos dos povos indígenas, “em especial dos Kayapó, Munduruku e Yanomami, como o direito à vida, ao território, à autodeterminação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à segurança alimentar e nutricional, à saúde e muitos outros”.

Na declaração conjunta, o Cimi, a Survival International e a Right Livelihood Award Foundation ainda denunciam que “crianças Yanomami estão morrendo de desnutrição a uma taxa 191 vezes maior do que a média nacional, e milhares estão contaminadas por doenças infecciosas como a malária”.

“O garimpo em terras indígenas intensificou as invasões e o desmatamento, levando a fome, doenças e morte aos territórios”

Garimpos ilegais próximos à comunidade Ye’kwana, na terra indígena dos Yanomami, a mais cobiçada em número de pedidos de pesquisa mineral. Foto: Rogério Assis/ISA

Os dados estão em consonância com o exposto pelo líder Yanomami Dário Kopenawa durante o “Debate Geral” que busca acompanhar e implementar a Declaração e Programa de Ação de Viena, também durante o CDH52. quando denunciou o invasão do garimpo, estrupo, doenças e a morte de 570 crianças indígenas, entre 2019 e 2022, na Terra Indígena Yanomami.

No entanto, a retirada dos garimpeiros não será suficiente para solucionar esta crise. A “reestruturação o Distrito Sanitário Especial Indígena [DSEI] Yanomami deve ser uma prioridade, para garantir os cuidados de saúde a curto e longo prazo”, apontam as organizações.

“A retirada dos garimpeiros não será suficiente para solucionar esta crise”

Além disso, “as autoridades brasileiras devem, urgentemente, estabelecer um programa permanente de monitoramento e proteção do Território Yanomami, em plena consulta às comunidades envolvidas, para garantir que os invasores e genocídios possam nunca mais será uma realidade”, lista a declaração conjunta.

Na oportunidade, Fédora Bernard questionou o Conselho de Direitos Humanos e o Relator Especial sobre Direito à Alimentação das Nações Unidas, Michael Fakhri: “Que papel pode o Conselho desempenhar para garantir a responsabilização pelas graves violações dos direitos humanos do qual a administração anterior do Brasil foi cúmplice?”

“As autoridades brasileiras devem, urgentemente, estabelecer um programa permanente de monitoramento e proteção dos territórios”

Graciene Munduruku em meio a um dos roçados tradicionais do Planalto, muitos dos quais em áreas de rica terra preta. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Graciene Munduruku em meio a um dos roçados tradicionais do Planalto, muitos dos quais em áreas de rica terra preta. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Semana dos Povos Indígenas 2023

Na Semana dos Povos Indígenas deste ano, o Cimi também busca trazer luz à temática da soberania alimentar dos povos indígenas. Com o tema “Territórios Livres”, e o lema “Povos Sem Fome”, o material especial da “Semana dos Povos Indígenas 2023”, acompanha a Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deste ano, que tem como tema “Fraternidade e Fome”.

Após quatro anos de imensos desafios, vivenciamos o retorno do Brasil ao vergonhoso “Mapa da Fome” da ONU e à insegurança alimentar.

“Para muitos povos indígenas, esse cenário de aumento da insegurança alimentar e da fome intensificou-se”

Capa do folder/cartaz da Semana dos Povos Indígenas 2023. Desta vez, o tema é “Territórios Livres”, e o lema “Povos sem Fome”. Arte: Verônica Holanda/Cimi

Segundo dados do levantamento feito pela ONU, o percentual de pessoas em insegurança alimentar moderada e leve no Brasil chegou a 28,9% entre os anos de 2019 e 2021, média superior a global, que é de 28,1%. Ou seja, o percentual de brasileiras e brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial.

“Para muitos povos indígenas, esse cenário de aumento da insegurança alimentar e da fome intensificou-se, sobretudo, para aqueles que estão em luta pela demarcação de suas terras, vivendo em acampamentos, retomadas e à beira de estradas”, destaca o material do Cimi.

“O percentual de brasileiras e brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial”

O professor Kaiowá da aldeia Te'y Kuê, Lídio Cavanhas Ramires, vem há anos fomentando práticas agroecológicas na sua comunidade. Foto: Lídia Farias

O professor Kaiowá da aldeia Te’y Kuê, Lídio Cavanhas Ramires, vem há anos fomentando práticas agroecológicas na sua comunidade. Foto: Lídia Farias / Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Confira o discurso na íntegra, ou baixe aqui:

Senhor presidente,

Right Livelihood, Survival International e Cimi agradecem ao Relator Especial por seu relatório que reconhece a forte conexão entre extrativismo global, mudança climática e crescentes desigualdades, com reflexos no direito à alimentação.

Essa conexão não poderia ser mais clara no Brasil, especificamente no território Yanomami, onde anos de invasões de garimpeiros ilegais somados ao desmantelamento da proteção e estruturas de saúde por parte do governo anterior, tem gerado uma crise humanitária.

Embora apreciemos os esforços do novo governo para retirar os garimpeiros e proteger a Amazônia, a mineração de ouro causou danos irreversíveis. Fontes importantes de subsistência foram destruídos ou estão fortemente contaminados com mercúrio – com graves consequências sobre o direito à alimentação e à saúde da população. Atualmente, crianças Yanomami estão morrendo de desnutrição, a uma taxa 191 vezes maior do que a média nacional, e milhares estão contaminadas por doenças infecciosas como a malária.

A retirada dos garimpeiros não será suficiente para solucionar esta crise. Reestruturação o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami deve ser uma prioridade, para garantir os cuidados de saúde a curto e longo prazo. Além disso, as autoridades brasileiras devem, urgentemente, estabelecer um programa permanente de monitoramento e proteção do Território Yanomami, em plena consulta às comunidades envolvidas, para garantir que os invasores e genocídios possam nunca mais será uma realidade.

Senhor Relator Especial,

Que papel pode o Conselho desempenhar para garantir a responsabilização pelas graves violações dos direitos humanos do qual a administração anterior do Brasil foi cúmplice?

Obrigada!

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