Despejo indígena em SC: “autoridades, faço um apelo, você que é pai, que é mãe, não tirem nossa casa”, diz liderança

Priscila Lopes Tavares, liderança Dení, falou ao JTT Indigenista de ontem.

Por Claudia Weinman e Julia Saggioratto, para Desacato. info.

Participaram do JTT Indigenista de ontem, quarta-feira, dia 24 de março, as lideranças do povo Dení, do Amazonas, que vivem nas margens de um mangue na cidade de Joinville, Santa Catarina. Valdemir Lopes Tavares, Priscila Lopes Tavares e a Irmã Catarina Lourdes Christ do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Pastoral Indigenista de Joinville, contextualizaram a situação das famílias que foram surpreendidas pela Polícia Militar a mando da prefeitura de Joinville, na terça-feira, dia 23 de março, em meio a pandemia e sem mandado judicial. Um cenário de violência contra as crianças, mulheres e comunidade em geral que foi atacada com spray de pimenta, conforme mostra o vídeo a seguir.

Valdemir Lopes Tavares, liderança Dení, falou sobre a situação da comunidade. “O que queremos é terra para morar, criar nossos filhos, como brasileiros, e não passar por tanta humilhação que estamos passando. Somos discriminados, expulsos como um ninguém. O Prefeito não abriu mão. Vamos ter que lutar pela terra, até perder nossa própria vida. Tanto lutamos pelo Brasil, por ter uma terra, e estamos abandonados, não temos alguém de dentro do governo que nos ajude. É uma tristeza, nove filhos que irão parar na rua, dormir embaixo da ponte, talvez morrer queimado como o índio que morreu em Brasília. Não temos para onde ir”.

Valdemir falou ainda sobre a falta de acolhimento da assistência social de Joinville. “O dia que vieram visitar nós, foi para nos colocar fora da nossa casa. Pensava que eles trariam algo para nós e tacaram gás de pimenta, nos machucaram em palavras, que índio tem que morar na mata, que não tem poder algum. Cadê o direito que diz que todos temos direito à moradia? Estamos sendo expulsos da nossa casa com o coração cheio de dor. Não sabemos como dormir à noite, passamos a noite em claro pensando: Aonde vamos morar”, desabafou.

Priscila Lopes Tavares falou da realidade do povo Dení e a vinda para Santa Catarina em busca de uma vida melhor. “Querem botar a gente em um abrigo, nós somos do Brasil, faço parte dessa terra, o que estão fazendo com a gente? Só queremos a nossa moradia, só isso, não estamos roubando nada. Só me deixem com teto para morar. Autoridades, faço um apelo, você que é pai, que é uma mãe, me ajude a ter meu teto, não deixem quebrar a única coisa que a gente tem. Viemos para cá com esperança de uma vida melhor”.

Priscila mencionou a ação da Polícia Militar que entrou de surpresa na comunidade, na terça-feira. “A Polícia Militar veio, entrou, as crianças estavam dentro da casa, distraíram a gente, entraram ao lado da casa, jogaram spray de pimenta, as crianças saíram vomitando, minha sobrinha sofre de asma, ficou com falta de ar. Isso é revoltante, somos seres humanos, somos mãe, pessoas trabalhadoras”.

Solidariedade Coletiva

A Irmã Catarina Lourdes Christ do CIMI e também da Pastoral Indigenista de Joinville conversou com a reportagem do JTT Indigenista na noite de ontem. “Estamos aqui apoiando e falando desde uma periferia de Joinville, na ponta do mangue, junto aos indígenas migrantes do Amazonas que foram acolhidos pela pequena comunidade e assistidos pela Pastoral da Criança. Estamos aqui em razão do apelo que nos foi feito. Acompanhamos esse grupo indígena desde junho do ano passado, atendendo o que necessitavam, desde o alimento da vida, necessidades básicas, acompanhando o sofrimento deles. Vieram de uma região distante, sofreram bastante, estavam com esperança, foram chegando aos poucos, com muita vontade de viver aqui, de ter seu bem-estar e satisfação da vida, cheio de paz. Não encontraram isso. Agora, veio essa notícia que a casa seria demolida e uma ação de surpresa. A pergunta que fazemos é onde estava o serviço social da prefeitura para acompanhar, dar assistência, uma presença, ouvi-los de perto, onde está o diálogo? Foi chocante”.

Uma nota foi divulgada pelo Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Braz, contestando essa ação da Polícia Militar e da Prefeitura de Joinville, além do pedido de medida de urgência para conter o despejo coletivo da população indígena no município de Joinville.

A CNBB Regional Sul 4 que é uma representação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em Santa Catarina e é composta por bispos de dez dioceses catarinenses — Chapecó, Joaçaba, Caçador, Rio do Sul, Blumenau, Joinville, Lages, Criciúma, Tubarão e a Arquidiocese de Florianópolis, além de diversas Pastorais, Organismos e Movimentos que estão integradas ao regional, também publicou uma nota divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário, em repúdio a ação truculenta.

A Funai foi acionada e decidiu não se envolver por alegar desconhecimento da existência da comunidade indígena naquele local. Em material divulgado em áudio por apoiadores da comunidade, o juiz de direito, João Marcos Buch, se expressa salientando que diligenciou junto ao prefeito Adriano Silva, em favor das famílias indígenas que estão sob ameaça de despejo forçado no bairro Fátima. O Centro de Direitos Humanos solicitou o apoio ao magistrado que atua em favor de causas humanitárias.

A comunidade segue organizada e resistente.

Assista o depoimento das lideranças Dení, no JTT de ontem.

Saiba mais:

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Centro dos Direitos Humanos emite nota sobre ataque da Polícia Militar e Prefeitura de Joinville contra indígenas

 

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