Carta aberta do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Florianópolis

Carta lida pelo Conselho Municipal de Políticas Culturais de Florianópolis na abertura da décima Conferência Municipal de Cultura, ocorrida nos dias 23, 24 e 25 de outubro.

Imagem: Pintura “O Palhaço Triste Stanczyk” de Jan Matejko – 1862.|

DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS DE FLORIANÓPOLIS.

Boa noite a todas as pessoas e autoridades presentes. Agradecemos a disposição de estarem aqui hoje, nesta solenidade tão importante para a cultura de Florianópolis.

Gostaríamos de começar citando o Plano Municipal da Cultura de Florianópolis:

O acesso à arte e à cultura, à memória e ao conhecimento é um direito constitucional e condição fundamental para o exercício pleno da cidadania, para a formação da subjetividade e dos valores sociais conforme descritos nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

Neste ano, o Plano Municipal de Cultura de Florianópolis completa 10 anos, porém, não há muito o que comemorar, pelo contrário. Grande parte das demandas que trazemos aqui, vêm sendo apontadas desde a sua implementação e a Conferência Municipal de Cultura é o momento ideal para organizarmos e publicizarmos as deficiências das políticas públicas de maneira direta e objetiva.

O Plano Municipal de Cultura é um instrumento legal que tem validade por dez anos. Ele foi concluído em 2013, sendo aprovado pela Câmara dos Vereadores em 2015. Portanto, nesta data deveríamos estar fazendo sua primeira revisão.

Aproveitamos esta oportunidade para trazer algumas das metas do Plano Municipal de Cultura, que são muitas, e a maioria, até hoje não foi sequer mensurada, pois não há um Sistema Integrado de Informação implementado no município, assim como determina o Sistema Nacional de Cultura.É importante, entendermos que essas metas são interconectadas. Assim, falamos sobre: a institucionalização da cultura no município; a gestão da Cultura com a participação da sociedade; os espaços e equipamentos culturais; o desenvolvimento da Economia da Cultura e os mecanismos de financiamento público; a valorização do patrimônio cultural e promoção da diversidade cultural; e, finalmente, e estímulo à formação cultural.

O Conselho Municipal de Política Cultural é um órgão deliberativo, consultivo, normativo e fiscalizador das políticas públicas da cultura da cidade. Essa premissa não vem sendo cumprida integralmente pela Prefeitura de Florianópolis e seu órgão gestor, a Fundação de Cultura Franklin Cascaes. O Conselho representa as partes afetadas pela gestão e o que ele delibera, deveria estar sendo cumprido, porém, por muitas vezes, ele não é consultado e quando se manifesta, por vezes é ignorado.

Em relação à estrutura do Conselho Municipal de Política Cultural, estamos sem sede há vários anos, apesar das diversas solicitações feitas para a gestão atual epassada da Prefeitura. Não sabemos se é do conhecimento de todas as pessoas aqui presentes, mas o Conselho é um órgão paritário, ou seja, têm a mesma quantidade de representações dos setores da sociedade civil e dos órgãos públicos. No entanto, salvo raras exceções, as representações que de fato trabalham pelo e no Conselho são as representações da Sociedade Civil. A maioria esmagadora das representações dos órgãos públicos apenas assinam a lista de presença nas reuniões, não participam de grupos de trabalho, não se envolvem nos assuntos do Conselho e, consequentemente, nos assuntos da Cultura. Tal situação também já foi levada à ciência da Prefeitura Municipal, mas nada foi feito. É preciso que o poder público indique servidores que de fato estejam dispostos a se envolver com a cultura da cidade, para que suas presenças tenham alguma efetividade. A participação de servidores públicos também concede legitimidade, transparência e responsabilidade ao trabalho desse Conselho, trabalho este assegurado por lei.

O Plano Municipal de Cultura tem como meta a realização de concurso público para pessoas especialistas na área de cultura. A lei do Plano diz que os concursos deveriam ocorrer até 2023, mas até agora isso não se efetivou. A falta de profissionais especializados em quantidade coerente e suficiente para com os trabalhos a serem realizados pelo poder executivo produz efeitos nocivos para a cultura. Há muito trabalho para pouca gente. E, embora reconheçamos o empenho da maioria dos funcionários que trabalham na Fundação Franklin Cascaes, é necessário evidenciar que o atual corpo de servidores da Fundação não possui capacitação específica na área cultural, o que acarreta em compreensões falhas e, consequentemente, ações equivocadas.

Ao ignorar o setor cultural, a Prefeitura vai contra as Leis da Cultura federais e municipais. O modo como foi implementada a Lei Aldir Blanc há poucos anos atrás é exemplo disso. O Conselho trabalhou intensamente no regramento e no edital dessa Lei, mas quando foi publicado, o edital não parecia com nada do que foi discutido e acordado entre Conselho e Prefeitura Municipal. O mesmo acontece agora com a implementação da Lei Paulo Gustavo. As demandas levantadas nas oitivas, elemento obrigatório para a efetivação da Lei, não foram atendidas, tampouco foram ouvidas as pessoas que representaram o Conselho na Comissão. Pedimos por um edital de produção cultural e recebemos prêmio por trajetória cultural. Os critérios de seleção são incoerentes com o setor e há equívocos fundamentais em relação à Lei Paulo Gustavo, como a retenção de impostos, por exemplo.

Também, não podemos deixar de mencionar o descaso que a Prefeitura tem com sua Fundação de Cultura. As Comissões deveriam ser composta por diversos órgãos do executivo, mas a maioria deles não participa das reuniões, sendo frequentemente provocado sem sucesso pela Presidência da Fundação.

Para que tenhamos políticas públicas condizentes com a cultura da cidade é necessário que haja o mapeamento do setor cultural, por meio de um sistema de indicadores. Foram inúmeros os ofícios pedindo celeridade na implementação do Sistema Municipal de Indicadores e Informações Culturais. Segundo o Plano Municipal de Cultura, esse sistema deveria ter sido implementado até 2017, e até hoje, ele não existe. O Sistema de indicadores e Informações Culturais é fundamental para que as políticas públicas sejam coerentes com o setor cultural de nossa cidade. Sem ele, as políticas são feitas de maneira cega. É preciso dizer que a maioria dos setores culturais que integram o Conselho realizam seus próprios indicadores para tentar mitigar a falta de informação sobre a cultura da cidade, mas até esses são ignorados pela nossa Prefeitura e a Fundação.

Em relação aos equipamentos culturais da cidade, sabemos que os prédios do patrimônio cultural de Florianópolis necessitam de reformas, como o teatro da UBRO e a Biblioteca Municipal Professor Barreiros Filho. Os equipamentos culturais, na sua quase totalidade não possuem estrutura para um bom funcionamento e atendimento da população. O norte da Ilha, em especial o bairro dos Ingleses, é desprovido de equipamento cultural, como foi apontado nas Pré Conferências. Nem a sala de Reuniões da Fundação Cascaes é provida de acesso à internet, numa cidade que se intitula polo de tecnologia no país. Outro fator importante é a inexistência de acessibilidade nos equipamentos públicos. As dificuldades de acesso não se restringem à questão motora. A deficiência visual é sistematicamente ignorada pelo poder público até no que concerne aos editais públicos.

Em relação ao Sistema Municipal de Apoio, Fomento e Financiamento à Cultura, há uma infinidade de metas que não foram cumpridas. O Fundo Municipal de Cultura, implementado em 2010, teve apenas 4 edições nesses 13 anos de existência. O primeiro teve verba de 1,2 milhões de reais, ao longo das edições, a verba foi diminuindo. No último Edital do Fundo publicado, de 2021, o valor foi de 1 milhão de reais. Menos do que o primeiro. Além disso, em diversas edições, o texto do edital estava escrito de forma hermética, em muitas ocasiões, com informações contraditórias. As inscrições são burocráticas e, em 2021, ainda pedia inscrição física, indo na contramão da maioria esmagadora dos editais de cultura do nosso país. O pagamento aos contemplados do edital de 2021 só se deu em fevereiro de 2023, e já estamos em outubro sem ter notícias dos Editais de 2022 e 2023. Vejam bem, senhoras e senhores.

MÉDIA POR ANO 16 projetos contemplados R$ 310 mil aplicados R$ 20 mil por projeto.

É preciso salientar também que nas últimas conferências, grande parte das setoriais levantam a necessidade de haver editais voltados para suas áreas, considerando as especificidades de cada setor, mas isso nunca é concretizado.

A Lei Municipal de Incentivo à Cultura carece de organização, controle e fiscalização. Os instrumentos de inscrição são extremamente precários; não há, e nunca houve, qualquer tipo de divulgação e sensibilização à Lei junto ao empresariado local; as pessoas que trabalharam na última COMISSÃO DE AVALIAÇÃO DE INCENTIVO À CULTURA ainda não foram pagas pelos serviços prestados. Esse objeto valioso de incentivo a cultura está jogado às traças.

O Plano Municipal de Cultura também prevê 3% da dotação orçamentária anual destinada à cultura até 2023. Pelo que pudemos apurar, a porcentagem nunca passou de 0,6% desde que o Plano foi instituído. A Comissão Orçamentária do Conselho calcula uma dotação de 0,7% para 2024, ou seja, menos da metade previsto e um número muito inferior às dotações de outras capitais brasileiras.

Sobre a valorização do patrimônio cultural e promoção da diversidade cultural, é preciso mencionar que a cidade de Florianópolis perdeu diversos eventos culturais tradicionais, como o Festival Isnard Azevedo, a Bienal de Dança, a Festa das Nações, o Festival de Boi de Mamão e o Concurso de fantasias de carnaval.

O Plano de Cultura prevê que haja ações de formação continuada para gestores, administradores, técnicos e produtores culturais. Normalmente essas ações são realizadas pelo Conselho, sem apoio da Fundação. É necessário que agentes culturais participem de formações em política cultural tanto para conhecerem seus direitos, como para atuarem de maneira satisfatória junto à Prefeitura.

Para concluir, é importante expressar que o descaso com a cultura não parte exatamente da Fundação Franklin Cascaes, mas das gestões da Prefeitura que não têm verdadeiro compromisso ou interesse em promover o setor cultural, ignorando expressamente que este setor é importante gerador de trabalho e renda. Estudos comprovam que o setor cultural gera 3 vezes mais renda do que as montadoras, e que as atividades da economia criativa movimentam mais de 3% do PIB brasileiro.

Neste momento que iniciamos a 10° Conferência Municipal de Cultura de nossa cidade, nosso empenho é na correção da rota das ações dos órgãos públicos dirigidas para o setor cultural. Nosso objetivo é criar as condições necessárias para o florescimento do setor cultural de Florianópolis, de maneira a permitir a garantia constitucional do direito à cultura de todas as pessoas que aqui vivem, bem como consolidar a democracia em nosso país!

Desejamos uma ótima conferência a todos!

 

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