Vivi drogado e nunca fui preso. Por Raul Fitipaldi.

Nunca provei um baseado, nem cocaína, nem nada. Mas fui preso por outras razões. Por pensar; olha que droga.

 

Imagem: Clínica Recanto

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Praticamente nasci drogado. Nenhum dos médicos que encheram meu corpo de drogas inúteis, que quase terminaram com minha incipiente infância, foi preso. Os efeitos residuais de todas as porcarias que consumi pela asma deixaram marcas na minha saúde para sempre. Drogas orais, injetáveis, miraculosas ou experimentais, não só não me curaram, me fizeram mais dano. Ninguém protestou, ninguém julgou e ninguém condenou. Apenas ficou o lastro que me tornou dependente durante décadas.

Quando chegou a juventude completei esse cenário de danos e prejuízos com o cigarro “social” permitido, com o álcool “social” permitido, com todas as intoxicações que os negócios permitem: agrotóxicos, contaminação do ar, estresse. Ninguém dos poluidores foi preso.

Aos 45 anos mandei pro lixo todas essas porcarias moralmente legais. Nunca provei um baseado, nem cocaína, nem nada. Mas fui preso por outras razões. Por pensar; olha que droga.

Pensei nisso tudo quando vi que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aprovou a proposta de emenda à Constituição que inclui a criminalização da posse e do porte de drogas, em qualquer quantidade, (PEC 45/2023). Pois é, os integrantes da CCJ que, certamente, nunca beberam até cair de porre, que nunca fumaram um cigarro de tabaco ou de maconha, acataram o relatório do senador Efraim Filho (União-PB), que é favorável à PEC.

O tal senador afirma que “a PEC explicita aquilo que já está implícito na Constituição, que considera tráfico de drogas como crime hediondo. O relator afirmou que a sociedade sofrerá consequências na saúde e na segurança pública caso o STF considere inconstitucional o trecho da Lei de Drogas (Lei 11.343, de 2006) que criminaliza o porte e a posse de drogas para consumo pessoal”.

Acrescenta: “A descriminalização leva à liberação do consumo, mas a droga continua ilícita. Você não vai encontrar ela no mercado, você não vai encontrar ela em farmácia. Só existe o tráfico para poder adquirir. Portanto, descriminalizar é fortalecer o tráfico.”

Como muito bem afirma o senador Fabiano Contarato, professor de direito e delegado da polícia civil, que votou contra essa PEC: “Um pobre preto no local de bolsão de pobreza e vilipendiado dos seus direitos elementares, flagrado com cigarro de maconha, a “circunstância fática” ali vai ser a cor da pele e o local do crime, e a ele vai ser atribuído tráfico de entorpecente… Agora no bairro nobre, com a mesma quantidade, pelas “circunstâncias fáticas”, vai ser tratado como usuário”.

Essa é a realidade que oculta esse senado que, da mesma forma que a câmara baixa, cuida dos interesses dos clientes e amigos, nacionais e transnacionais. E deve ter amigos em alguma outra área mais pesada, pois, até pelos filmes da Netflix, sabemos que o preço da droga, quando está proibida, aumenta no mercado sempre bilionário do tráfico.

Como portador de drogas morais durante mais da metade da minha vida, afirmo: Fumar Philip Morris pode; beber Chivas Regal pode. Já, fumar um baseadinho para festejar um aniversário é ilegal, especialmente se você for pobre, da periferia, negro e desempregado. E que fique claro, pensar diferente pode dar cana, sobre todo se é para defender direitos em Santa Catarina.

*Com informes da Agência Senado.

#Desacato17Anos       #AManhãComDignidade

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