Resistência e Existência. Por Gilliam Nauman Iqbal.

Última sexta-feira do Ramadã

Por Gilliam Nauman Iqbal.*

A narrativa sionista confisca não apenas a territorialidade e a história dos palestinos, mas sua cultura, saberes, e até mesmo a espiritualidade desse povo. Não diferente, sequestram a importância de espaços sagrados, como é o caso de Jerusalém, sustentando a ideia de que a cidade é a mais sagrada do judaísmo e minimizando a importância da sacralidade territorial para os muçulmanos palestinos e desconsiderando também, que o cristianismo compõe parte da população.

Politicamente, Jerusalém se materializa na disputa entre os donos desta terra e o colonizador ilegítimo. A complexidade desta disputa, é analisada por várias perspectivas, tanto do ponto de vista histórico-nacional, religioso e político, sustentado de forma sólida do lado palestino e os contrapontos das inconsistentes retóricas sionistas. Na trajetória da disputa, fica claro que ter o controle da cidade de Jerusalém, é apenas mais um instrumento de perseguição aos palestinos, haja vista que, nas tantas propostas de partilha, anteriores a 1947, o território permanecia sob controle internacional.

A partir de 1940, o mundo atravessou um período de transformações políticas, principalmente após EUA e URSS darem início a disputa pelo controle dos espaços econômico, ideológico-político, diplomático e militar. A briga pelo crescimento das áreas de influência e a ampliação da produção armamentista, deixaram o mundo mais uma vez em constante alerta. Nesse contexto, a ONU aprovou a criação do Estado de Israel através da Resolução 181, em novembro de 1947. A Organização das Nações Unidas, sustentada na ideia de reparação histórica, devido aos atos antissemitas da Alemanha nazista, sentenciou os palestinos à violações que nenhum órgão intergovernamental será capaz de reparar, muito embora a ONU também tenha externado a pretensão de um estado Palestino que jamais se concretizou.

Em 1948, início da guerra Árabe-Israelense, os árabes (precisamente a Jordânia) passaram a rejeitar a proposta prevista na resolução 181, de internacionalização de Jerusalém, como resposta à decisão da ONU em criar o Estado de Israel.

Embora em desvantagem populacional (havia cerca de 700 mil judeus em território palestino) em relação aos árabes, o apoio político dos EUA e lobby sionista extremamente ativo na ONU, foram fatores que influenciaram na decisão da partilha da Palestina, cujo resultado foi a injusta divisão que presenteou com 56% do território para os judeus e 44% para os palestinos. Ficou determinado ainda que, Jerusalém ficaria sob tutela da ONU, o que foi rejeitado pela comunidade árabe. O Estado de Israel foi fundado em 14 de maio de 1948 e o Mandato Britânico da Palestina fechou seu ciclo, dando continuidade ao projeto imperialista em uma versão mais cruel ainda.

Após a deliberalidade da resolução 181, sobre o destino de Jerusalém e a criação do Estado judeu, a Liga Árabe (formada por Arábia Saudita, Iêmen do Norte, Síria, Líbano, Iraque, Transjordânia e Egito) deflagrou o primeiro conflito. A guerra árabe-israelense teve seu momento mais violento quando do cerco jordaniano à Jerusalém Ocidental, cuja grande parte era de composição judaica, e nesse contexto, deu-se a maior dispersão de palestinos Lydda e Ramle, o êxodo palestino é lembrado pelos árabes como AL NAKBA (catástrofe).

Em janeiro de 1949 chega ao fim a primeira guerra árabe-israelense, com a vitória do Estado de Israel. O resultado desse pós-guerra foram diferentes composições territoriais e geopolíticas, como a incorporação da Faixa de Gaza pelo Egito, a anexação de Jerusalém Oriental e Cisjordânia pela Jordânia.

Ainda tivemos outros três conflitos no Oriente Médio, nos quais todos, Israel saiu vencedor e com sua influência e poder geopolítico fortalecidos: a Guerra de Suez em 1956, protagonizado por Israel, França, Reino Unido e Egito, a Guerra dos Seis Dias em 1957, em que Israel, Síria, Egito, Jordânia e Iraque fizeram parte e a Guerra do Yom Kippur em 1973, na qual a coalizão árabe liderada por Síria e Egito enfrentou o estado sionista.

Para os palestinos, Jerusalém simboliza a centralidade da sua identidade nacional, identidade esta, atingida, usurpada e externada no sentimento de perda da soberania de sua pátria e no degredo. Esses elementos de unidade e identidade de um povo não encontra legitimidade na retórica sionista, que se vale do escudo do antissemitismo para justificar todas as violações praticadas há mais de 70 anos. Paulatinamente Jerusalém, que é a principal cidade da Palestina, foi sendo roubada, e com ela, parte da história do povo palestino e o espaço de encontro pacifico estre as espiritualidades que cruzam aquele solo. Após o fim do império Turco-Otomano, Jerusalém foi sede do imperialismo britânico no Oriente. Em 1949, passou a ter sua porção oriental controlada pela família hachemita da Jordânia e o lado ocidental, sob o controle de Israel, e a partir de 1967, passou ao controle total dos israelenses, até a sua anexação pelos sionistas em 1980.

Retomar Jerusalém, significa para o povo palestino a afirmação de que, os sacrifícios impostos a este povo e a resistência formada a partir da opressão e do genocídio do imperialismo sionista, serão o basileu da vitória, pelo reestabelecimento de sua soberania e autodeterminação, e de que a sacralidade deste lugar deve ser resgatada no convívio cooperativo da espiritualidade islâmica, cristã e judaica coexistente entre os palestinos.

O Dia Internacional de Jerusalém deve ser marcado pela reflexão e pela resistência, não apenas do Povo Palestino, mas de todos os povos oprimidos pelas ações imperialistas e ideiais supremacistas que buscam o apagamento de culturas, de minorias, de histórias e de ancestralidades, praticando segregação, genocídio, apartheid e as mais diversas formas criminosas de atentar contra a existência humana. Que seja ousado, aos olhos do imperialismo branco, sionista, eurocêntrico e norte-americano, ser Jerusalém a eterna e indivisível capital da Palestina. Que toda última sexta-feira do nosso sagrado Ramadan, seja marcado pela esperança de retomar Al Quds.

*Gilliam Nauman Iqbal é estudante de Fotojornalismo e graduada em História pela Universidade Estadual do Maranhão, Especialista em Povos e Comunidades Tradicionais, membro da coordenação nacional dos Comitês Islâmicos de Solidariedade, presidente do Instituto de Estudos e Solidariedade para a Palestina – Razan Al- Najjar, parte da coordenação de comunicação e marketing do Instituto Brasil Palestina – IBRASPAL, ativista política pelas causas internacionalista, pró Palestina.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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