Relevância e distribuição da indústria no Brasil. Por José Álvaro Cardoso.

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Por José Álvaro Cardoso.

Apesar do processo de desindustrialização vivido pelo Brasil desde meados da década de 1980, com um breve período de retomada entre os anos 2000 e início da década de 2010, o país é ainda um dos mais industrializados da América Latina. É pertinente então aprofundarmos esse debate, e entender de maneira consistente o atual estado da arte da indústria brasileira, elemento decisivo para um projeto estrutural de desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, a Pesquisa Industrial Anual – Produto, PIA-Produto, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um importante instrumento de investigação sobre a indústria brasileira. Essa pesquisa investiga informações referentes a produtos e serviços produzidos pela indústria nacional, tendo por base uma nomenclatura preestabelecida, a Lista de Produtos da Indústria, ou Prodlist-Indústria. Os resultados dessa pesquisa são fundamentais para entender a composição da produção industrial no país e para a análise dos fluxos de produção interna e do comércio externo de produtos industriais.

A PIA-Produto divulga as quantidades produzidas e vendidas e os valores de produção e de vendas dos produtos e serviços industriais gerados no país, trazendo com destaque para os 100 itens mais importantes, segundo sua posição nacional em receita líquida de vendas e nas Unidades da Federação.

A PIA-Produto é bastante abrangente. A de 2021 (última divulgada) pesquisou cerca de 3.400 produtos e serviços industriais nas 32,8 mil empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas e em suas 39,3 mil unidades locais industriais. Essas empresas geraram R$ 4,4 trilhões em receitas líquidas de venda (RLV) em 2021. A receita líquida de vendas, utilizado pelo IBGE como critério, compreende o valor total gerado pela empresa ao realizar suas vendas ou prestar os seus serviços, excluindo os custos. Ou seja, é o resultado das operações comerciais após a subtração dos impostos sobre vendas, os descontos dados ao comprador, os abatimentos e as devoluções.

Uma olhada panorâmica nos dados da PIA-Produto 2021, do IBGE, nos leva a algumas constatações importantes, que sintetizam os resultados da pesquisa, como assinalado pelo IBGE:

1.Os dez principais produtos concentraram 22,4% da receita líquida de vendas em 2021, participação superior à verificada em 2020 (20,9%). No topo do ranking o minério de ferro manteve-se como o produto de maior receita (R$ 242,1 bilhões) e participação geral (5,6%) na indústria brasileira, após ter ultrapassado os óleos brutos de petróleo em 2020.

2.Entre 2020 e 2021, destaca-se a perda de participação da Indústria alimentícia, que passou de 19,3% para 16,9% da RLV. Apesar disso, a atividade manteve a primeira posição do ranking.

3.Quatro dos cinco produtos industriais com os maiores ganhos nas suas participações na RLV pertencem à metalurgia.

4. Em dez anos, com a desconcentração das atividades industriais no país, o Sudeste foi a única região a perder participação na RLV, caindo de 58,9% para 54,2%. As regiões que, em dez anos, mais ganharam participação na receita industrial foram Norte (6,1% para 8,3%) e Centro-Oeste (de 5,5% para 7,1%). Mesmo com a perda em uma década, o Sudeste concentra, sozinho, mais da metade das atividades industriais do país.

Pelo conceito de receita líquida disponível, o minério de ferro continuou como o produto líder no país em 2021, com 5,6%, ou 0,8 ponto percentual acima do ano anterior. O minério de ferro gerou receita de R$ 242,1 bilhões, auxiliado pelo aumento no preço internacional e pela cotação do dólar, que impulsionou as exportações. O item “óleos brutos de petróleo” manteve a segunda posição no ranking, obtendo receita líquida de R$ 180,0 bilhões e participação de 4,1%.

Óleo diesel, na terceira posição, somou R$ 113,1 bilhões com 2,6% de participação na RLV, enquanto as carnes atingiram R$ 79,8 bilhões, com 1,8% de participação, conforme a tabela. Os dez produtos com as maiores receitas, alcançaram 22,4% da receita líquida de vendas totais em 2021, superior aos 20,9% do ano anterior. Segundo a pesquisa, entre os 100 principais produtos, os que mais ganharam posições frente ao ano anterior foram aqueles impactados pelos preços internacionais.

Em 2021, as dez maiores participações agregadas na receita líquida de vendas da indústria foram: produtos alimentícios (16,9%), produtos químicos (10,8%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (9,8%), metalurgia (8,5%), veículos automotores, reboques e carrocerias (8,0%), extração de minerais metálicos (7,0%), extração de petróleo e gás natural (4,7%), máquinas e equipamentos (4,5%), produtos de borracha e de material plástico (3,7%) e celulose, papel e produtos de papel (3,2%). As dez principais atividades concentram 77,1% da RLV da indústria em 2021, ante 74,7% da pesquisa do ano anterior.

Considerando um período de dez anos, a pesquisa detectou, em 2021, uma redução na concentração das atividades industriais no país, com a participação do Sudeste caindo 4,7 p.p., enquanto a do Nordeste permaneceu estável, a do Norte aumentou 2,2 p.p., a do Sul sobe 0,8 p.p., e a do Centro-Oeste cresceu 1,6 p.p. Segundo o IBGE, o fato ocorreu em função do deslocamento de algumas plantas industriais para o Centro-Oeste, sobretudo a indústria alimentícia, e o aumento da participação da região Norte, em decorrência da elevação de preços da indústria extrativa. De qualquer forma, a região Sudeste concentra ainda mais da metade da produção industrial do país.

No quadro abaixo, vemos a participação da receita líquida de vendas por região, a partir dos três principais produtos. Temos assim uma pista da especialização da produção regional em todo o país. Chama a atenção o baixo valor agregado da produção, nos principais produtos, praticamente em todo o país. Destaque também para o peso do óleo diesel no valor da produção industrial, em praticamente todo o país.

A Região Norte foi responsável, em 2021, por 8,3% da RLV do país. Seus principais produtos têm origem na extração de minerais metálicos e na fabricação de eletroeletrônicos na Zona Franca de Manaus. Nos últimos anos vem crescendo a produção de carne na região.

O Nordeste respondeu por 9,7% da receita industrial brasileira, com destaques para óleo diesel (3,4%), óleos combustíveis (3,1%) e lingotes, blocos, tarugos ou placas de aços ao carbono (2,8%), que somados equivalem a 9,3% do total da receita.

A Região Sudeste concentra 54,2% das vendas industriais do país. Possui as maiores bacias petrolíferas do país, as principais refinarias de petróleo e o quadrilátero ferrífero de Minas Gerais.

A Região Sul respondeu por 20,6% das vendas nacionais em 2021. Os destaques foram as vendas de óleo diesel (3,2%), de carnes e miudezas de aves congeladas (3,1%) e de tortas, bagaços e farelos da extração do óleo de soja (2,6%).

A Região Centro-Oeste teve 7,1% do total da receita industrial do país em 2021. O destaque foi a agroindústria, com tortas, bagaços e farelos da extração do óleo de soja (9,6%), carnes de bovinos frescas ou refrigeradas (8,8%) e álcool etílico (etanol) não desnaturado para fins carburantes (7,8%) responderam por 26,2% das vendas da região.

A comparação da produção industrial brasileira, com o que se produz nos países ricos, é importante, porque essas informações possibilitam a compreensão sobre o perfil da indústria no Brasil e a forma de inserção do país na economia internacional. Ajudam a compreender também, por suposto, a própria dinâmica política e social do país, já que essas esferas interagem e se influenciam mutuamente. Vale a comparação com os Estados Unidos, já que essa é a maior potência econômica e tem uma estratégia de desenvolvimento nacional. Os EUA são um dos países mais industrializados do mundo, o que pode parecer estranho para alguns, já que há uma ideia corrente de que, nas últimas décadas, a opção do país foi importar o máximo de industrializados da China, se concentrando apenas no mais estratégico (incluída a indústria da guerra, que é crucial para a economia norte-ameriana). Essa é uma verdade, mas em parte. Em torno de 24% do PIB norte-americano advém do setor industrial, que também emprega aproximadamente, 20% da força de trabalho.

Ademais, o país dispõe de grande diversificação industrial, o que garante que praticamente todos os produtos existentes possam ser confeccionados pelas indústrias nacionais, desde os mais simples, até aviões de caça, de última geração. Como o país investe bastante em tecnologia, a indústria tem grande produtividade, com a utilização de muitos robôs no processo produtivo e com uma força de trabalho relativamente qualificada. Segundo um relatório da União Europeia (UE), a maior parte dos investimentos por empresas em P&D ainda é realizado nos Estados Unidos: 37% dos investimentos em 2018 (equivalente a R$ 3,15 trilhões ao câmbio da época).

De acordo com o relatório, os países da UE responderam por 27% do total, e Japão (14%). A China só tinha 10%. Detalhe importante, que ilustra o que é o subdesenvolvimento: no top 100 da pesquisa da UE não há nenhuma companhia latino-americana. A companhia mais bem posicionada no subcontinente, na referida pesquisa, foi a Embraer, em 323º lugar. O Brasil foi o país da região mais bem colocado no ranking, com outras seis empresas: Vale (387º), Petrobras (449º), Totvs (1010º), Weg (1283º), CPFL Energia (1699º) e Brasken (1768º).

Cerca de metade da produção industrial dos EUA se localiza na área metalúrgica. A indústria química tem grande importância também, com destaque para a extração e refino de petróleo. A indústria têxtil tem também grande destaque, com ampla mecanização do processo e uma força de trabalho qualificada. São importantes também os setores de Eletrônica, Biotecnologia e Aeroespacial. No Vale do Silício (costa do Pacífico) estão as indústrias ligadas à microeletrônica e componentes para computadores. Também na Costa do Pacífico, há muitas indústrias de automóveis, embarcações e autopeças.

Enquanto o Brasil se concentra em baixo valor agregado, como vimos, nos EUA os principais produtos fabricados são: veículos, eletroeletrônicos, aviões, aço, produtos químicos, alimentos processados, tecidos, computadores, smartphones, equipamentos elétricos, máquinas, navios e autopeças. A diferença se encontra também nos principais produtos industriais exportados. Nas exportações brasileiras, os 10 principais produtos são:

1 – Soja
2 – Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos
3 – Minério de ferro e seus concentrados
4 – Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos
5 – Carne bovina fresca, refrigerada ou congelada
6 – Celulose
7 – Carnes de aves e suas miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas
8 – Farelos de soja e outros alimentos para animais (excluídos cereais não moídos), farinhas de carnes e outros animais
9 – Produtos para a Indústria da Transformação
10 – Açúcares e melaços

No caso dos EUA os principais produtos são: insumos industriais, aeronaves, autopeças, produtos de informática, automóveis, equipamentos de telecomunicação, equipamentos hospitalares, equipamentos para aeronaves, máquinas (principalmente para agricultura, mineração e construção), instrumentos científicos e semicondutores. É uma pauta de produção com muito maior valor agregado.

Uma das características dos governos neoliberais, especialmente nos países atrasados, é a implantação de políticas que conduzem à especialização em produção de commodities, renunciando à possibilidade de agregar valor aos produtos. Por outro lado, os grandes grupos monopolistas que controlam a economia brasileira, e parcelas significativas dos capitais de origem nacional, não gostam de desenvolvimento econômico, que melhore a distribuição de renda e eleve a soberania do país. Não gostam também de fortalecimento da indústria nacional, que está previsto nas ações da Nova Indústria Brasil -NIB. O que realmente entusiasma esses grupos são programas do tipo que está sendo implantado na Argentina, que visa desmantelar a indústria nacional e colocar os direitos sociais e trabalhistas, de volta ao Século XIX.

José Álvaro Cardoso é economista e coordenador do DIEESE/SC.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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