Reforma mantém pensão antecipada para família de militares expulsos

Imagem: GETTY IMAGES.

Por Laís Alegretti e Matheus Magenta.

Ao defender a reforma das regras de pensão e aposentadoria, o governo Bolsonaro bateu na tecla de que toda a população daria sua cota de sacrifício para o ajuste das contas públicas — aposentando mais tarde ou recebendo um valor menor, por exemplo.

Mas a reforma dos militares, prestes a ser aprovada no Congresso, conseguiu preservar benefícios que até oficiais da reserva e da ativa ouvidos pela reportagem consideram privilégios injustificáveis.

É o caso da pensão paga antecipadamente às famílias dos militares que são expulsos das Forças Armadas por terem cometido crimes.

Hoje, a família de um militar demitido após cometer um crime passa a receber, em média, R$ 4.100 por mês depois da saída dele do quadro das Forças Armadas. Por ano, ao menos 595 famílias ganham, em média, R$ 53 mil.

O cálculo, feito pelo Ministério da Defesa a pedido da BBC News Brasil, considera os casos de demissão ou licenciamento de militar condenados à pena restritiva de liberdade individual superior a dois anos, conforme decisão do Superior Tribunal Militar (STM).

Segundo a regra atual, a pensão antecipada tem o mesmo valor do salário do militar. Com a chamada “morte ficta” (ou morte presumida), os dependentes recebem o benefício integral como se o militar tivesse morrido, independente da idade dele no momento do crime.

A reforma das pensões militares, enviada ao Congresso em março, não acaba com esse benefício, mas prevê que, nos próximos casos de expulsão, o valor dela passe a ser proporcional ao tempo de serviço.

Na Marinha, 312 pessoas recebem hoje esse tipo de pensão e, na Aeronáutica, 270. O Exército não informou o número total de pensionistas nessa categoria e disse apenas que 13 pensões dessa categoria foram concedidas desde 2015.

É exatamente no Exército, no entanto, que está a maior parte dos militares, com um efetivo de 225,7 mil pessoas. Isso é cerca de três vezes o efetivo de cada uma das outras duas forças: a Marinha tem 78,1 mil integrantes e a Aeronáutica, 68,1 mil.

Aposentadoria como ‘punição’

Sob a condição de anonimato, militares da ativa e da reserva reconheceram que não é fácil justificar a existência do benefício, especialmente em um momento de aperto nos gastos do governo. A mesma avaliação é feita, nos bastidores, por integrantes da equipe econômica do governo.

Embora os integrantes das Forças Armadas rejeitem comparações com o sistema previdenciário dos civis, nesse ponto é comum fazer a relação do benefício aos militares expulsos com a aposentadoria compulsória como punição no Judiciário.

A reforma da Previdência acabou com a possibilidade de aposentadoria compulsória como punição para juízes e membros do Ministério Público. O relator da proposta dos civis, Samuel Moreira (PSDB-SP), classificou a regra como “esdrúxula”. O texto foi promulgado em novembro.

No caso da reforma dos militares, que ainda está em análise pelos parlamentares, o relator da proposta na Câmara, deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), defendeu o pagamento de pensão à família do militar expulso por crime.

“Cabe esclarecer que não é o militar que tem direito à pensão, mas sim os beneficiários previstos em lei. As situações devem ser avaliadas de forma independente: o fato de o militar cometer algum crime e ser expulso das Forças Armadas não implica desconsiderar o montante das contribuições já realizadas”, afirmou, em resposta encaminhada à reportagem por meio da assessoria de imprensa.

O Ministério da Defesa defende que essas pensões devem ser tratadas da mesma forma que aquelas pagas após a morte de um militar. Por meio da assessoria de imprensa, destacou também que esses benefícios não são pagos de forma automática, mas após decisão do STM.

“A instituição dessas pensões especiais cumpre decisão judicial. Então, não há porque diferenciar a pensão por decisão judicial imposta pelo Superior Tribunal Militar daquela instituída quando da morte do militar.”

O Regulamento Disciplinar do Exército, que é um decreto de 2002, prevê o “licenciamento e exclusão a bem da disciplina”. Isso pode acontecer quando “houver condenação transitada em julgado por crime doloso, comum ou militar”, segundo o texto.

O que mais pode mudar na Previdência dos militares

As novas regras podem virar lei ainda neste ano. Depois de ter sido aprovado pela Câmara, o projeto depende do aval do Senado, onde o relatório deve ser votado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional na próxima terça-feira (3). A expectativa é que, logo em seguida, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), coloque o texto em votação no plenário do Senado. Se não houver mudanças, segue para sanção de Bolsonaro.

A proposta em tramitação prevê também que, para ir para a inatividade, o tempo mínimo de serviço subirá dos atuais 30 anos para 35 anos, com pelo menos 25 anos de atividade militar, para homens e mulheres que ingressarem nas Forças Armadas.

Eles terão direito à integralidade (ou seja, remuneração igual ao último salário) e paridade (reajuste igual ao aplicado para os servidores ativos) — benefícios que já foram retirados dos servidores civis.

Outra mudança é que as contribuições referentes às pensões subirão dos atuais 7,5% da remuneração bruta para 9,5% em 2020 e 10,5% em 2021.

Por outro lado, o mesmo texto reestrutura a carreira e prevê aumentos de remuneração maiores para militares no topo da carreira do que para os de patentes mais baixas.

Críticos da proposta dizem que ela não reduz privilégios dos militares e reclamam desse aumento de salários em um momento de corte de gastos. A justificativa das Forças Armadas é que a categoria não recebe reajuste há anos, tendo ficado muito atrás dos ganhos de outras carreiras federais, como juízes, procuradores e auditores fiscais.

O Ministério da Defesa foi responsável pela elaboração da proposta da própria reforma.

O impacto nas contas públicas será de uma economia de R$ 10,45 bilhões ao longo de uma década, segundo cálculos do governo. O valor é resultado da diferença entre a previsão de aumento de gastos de R$ 86,65 bilhões em dez anos devido à reestruturação e a redução de despesas em R$ 97,3 bilhões com inativos e pensionistas.

A reforma para os servidores civis e os trabalhadores vinculados ao INSS, que já foi aprovada e promulgada, representará uma economia de cerca de R$ 800 bilhões em uma década.

Para o economista Pedro Nery, o projeto dos militares é “razoável” na parte que trata da previdência dos militares, por elevar alíquotas e aumentar o tempo de serviço exigido. Ele destaca, no entanto, que não foi o melhor momento para tratar da reestruturação salarial.

“A questão da reestruturação salarial (dos soldos) foi intempestiva e poderia quem sabe ser feita em outro momento. Ainda que haja defasagem com outras carreiras, o momento é ruim e o impacto é alto. Há pouco espaço fiscal e muita carência na área social.”

Em relação à morte ficta, Nery diz que faz sentido manter um benefício assim, visto que nos outros regimes de Previdência (dos servidores civis e dos trabalhadores da iniciativa privada) há compensação entre regimes.

“Quem sai de um pode se aposentar em outro”, diz o economista. “No caso do militar, como não há contribuição direta, não se fala em compensação. A morte ficta tem a mesma lógica: poder levar para fora do ‘regime’ um proporcional de acordo com seu tempo.”

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