Organizações estudam ingressar com ação contra o trigo transgênico

Liberado no Brasil sem estudos que comprovem segurança à saúde e ao meio ambiente, trigo geneticamente modificado é questionado juridicamente na Argentina e pode vir a ser proibido

Foto: Pixabay

Por Cida de Oliveira.

Organizações de defesa dos direitos humanos, da saúde, do meio ambiente e do consumidor avaliam os instrumentos jurídicos mais adequados para contestar a liberação do trigo transgênico HB4. No último dia 11, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a liberação comercial do trigo geneticamente modificado pela empresa argentina Bioceres, representada no Brasil pela Tropical Melhoramento Genético.

Ao contrário do que grande parte da mídia noticiou, a comissão vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações liberou o trigo, e não a importação da farinha. O detalhe, segundo críticos, é uma brecha para facilitar, na sequência, a liberação do plantio no Brasil.

Desenvolvido supostamente para resistir a períodos secos, o trigo na verdade tem como característica principal a resistência a altas dose do agrot´óxico glufosinato de amônio, um inseticida mais tóxico que o glifosato, que causa distúrbios hormonais e reprodutivos, entre outros, e que por isso já foi proibido nos países europeus.

Trigo transgênico, não

Enquanto por aqui aqui as organizações que compõem a Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida e o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) aguardam resposta ao ofício enviado ao Ministério Público Federal (MPF) no início de junho, há novidades na Argentina.

Na ultima sexta-feira (19), o juiz federal Santiago Carrillo determinou que o Ministério da Agricultura argentino publique imediatamente – e sem restrições – todas as informações levadas em consideração na autorização do trigo transgênico.  E deu 20 dias para o ministério implementar um mecanismo de participação popular que permita a qualquer pessoa fazer reclamações, fornecer informações ou fazer apresentações de qualquer tipo.

O magistrado fundamentou sua decisão no artigo 41 da Constituição do país, na Lei Geral do Meio Ambiente e no Acordo do Escazú, homologado pelo Congresso Nacional em setembro de 2020.

População fora das decisões

Apesar de ter rejeitado a suspensão do transgênico como primeira medida, Carillo não descarta essa possibilidade caso surjam novas informações neste processo de acesso à informação e à participação.

Para o magistrado, houve violação “clara e incontestável” por parte do Ministério da Agricultura e demais autoridades que intervieram na autorização do trigo HB4 ao restringir o acesso à informação pública e não implementar qualquer procedimento de participação cidadã, conforme exigido pela legislação nacional e pelo atual Acordo Escazú.

O acordo garante acesso a informação, participação pública e justiça em matéria ambiental na América Latina e no Caribe – tudo o que é fundamental em se tratando do primeiro trigo transgênico aprovado no mundo. Porém, tanto o Ministério da Agricultura e a Bioceres alegam cláusulas sigilosas para ocultar informações sobre o novo transgênico e seu processo de autorização e controle.

De acordo com a assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, aqui no Brasil – maior comprador do trigo produzido na Argentina – também houve uma série de irregularidades na aprovação. Faltou transparência, houve desinformação e alteração de informações disponibilizadas pela empresa representante da Bioceres, sem contar a ausência de participação de representantes de consumidores.

Trigo transgênico sob sigilo

“Todo processo tramitou sob sigilo. As organizações, tanto de pesquisa, como de monitoramento social, não puderam acompanhar os debates internos que estavam sendo travados dentro da CTNBio. Apenas uma audiência pública, e mesmo assim não houve a presença de representantes de consumidores”, disse Naiara à RBA. “Outra questão: não se elaborou ou tornaram públicas quais são as medidas mitigatórias, de proteção, para evitar a contaminação, e como será a rotulagem.”

A advogada salientou que pelo fato de o país vizinho não ser signatário do protocolo de Cartagena – o Brasil é –, a análise de risco realizada pela Argentina é insuficiente se comparada ao que é exigido no Brasil e pelo protocolo.

Coautor do Atlas do Agronegócio, o agrônomo Gabriel Fernandes teme que a principal fonte de calorias, consumido diariamente, muitas vezes até mais que o arroz e o milho, possa carregar impactos negativos à saúde e ao meio ambiente com a sua modificação genética feita em meio a tamanho sigilo.

“Não existe histórico de uso seguro. É uma semente nova, a primeira aprovação no mundo. Em audiência pública vimos que não foram feitos estudos de médio e longo prazo do consumo do produto, e nem foi avaliado direito o seu potencial alergênico”, disse.

Testes escondem a realidade

O fato de a Bioceres ter desenvolvido o trigo transgênico resistente ao agrotóxico glufosinato de amônio e não ter estudado os efeitos da planta com os seus resíduos também foi destacado pelo agrônomo. “Não corresponde à situação real, no campo, onde o trigo será cultivado e receberá grandes doses do agrotóxico. Então, esses estudos não significam muita coisa do ponto de vista alimentar.”

O agrônomo disse também que na Argentina houve muito sigilo envolvendo a tramitação do processo de liberação, com dificuldades de acompanhamento e acesso à informação. “A CTNBio não nomeou entre seus especialistas um da área de consumidor. Estamos falando de produto para consumo. E ignorou todas as nossas manifestações ao longo do último ano, tanto do setor de moagem como de produção de alimentos, até porque não existe demanda para esse produto no país.”

Por essas e outras razões, segundo Fernandes, é que o Ministério Público e a Defensoria da Infância e da Juventude da Argentina já se manifestaram contrários à liberação e estão pedindo a suspensão do plantio no país vizinho.

Fonte: CTNBioPrint da pauta da reunião que aprovou o trigo – e não a farinha. Medida pode abrir brecha para o plantio

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