Fepal.- Um dos massacres mais cruéis cometidos por Israel contra o povo palestino neste século acaba de completar 20 anos.
Entre os dias 3 e 11 de abril de 2002, o campo de refugiados de Jenin, na cidade palestina de mesmo nome, um dos mais pobres da Cisjordânia ocupada, foi praticamente dizimado pelo exército israelense.
Pelo menos 200 pessoas foram assassinadas, a maioria civis. O cenário foi de total destruição. De 80% a 90% das casas ficaram inabitáveis, segundo estimativa dos organismos internacionais.
E para “comemorar” a data, Israel lançou neste último final de semana um novo ataque à região.
Em 2002, Jenin contava com 14.500 moradores. Umas mil pessoas fugiram para outras cidades às vésperas da operação, e outras tantas nos dias seguintes. Cerca de 4 mil permaneceram em suas casas em condições catastróficas: sem água, comida ou eletricidade, sem poder ir ao hospital e numa atmosfera infernal de tiros, de bombardeios e explosões, dia e noite.
Os verdadeiros números do assalto jamais puderam ser contabilizados, pois Israel, sob controle do genocida Ariel Sharon, o “Açougueiro de Beirute”, fez de tudo para impedir o acesso de órgãos independentes, grupos humanitários e da imprensa à região.
Até mesmo ajuda médica foi negada às vítimas. Ambulâncias da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho foram proibidos de entrar no campo.
Houve tiroteio intenso, obuses foram lançados de tanques e mísseis de helicópteros. Bulldozers enormes destruíram residências inicialmente, e o pouco que restou foi sendo dinamitado nos dias subsequentes.
Os combatentes palestinos resistiram armados de fuzis e explosivos, num conflito absurdamente desigual e desproporcional.
O ataque foi tão violento que chocou até gente de dentro do próprio governo Sharon. O ministro das Relações Exteriores à época, Shimon Peres, declarou ao jornal israelense Haaretz que temia a reação internacional à operação que ele mesmo classificou como “um massacre”.
Toda essa história é contada em detalhes no forte documentário “Jenin, Jenin” (2002), do diretor palestino Mohammed Bakri.
O filme completo, com legendas em inglês, está disponível no Youtube (veja abaixo).
Homenagem aos mártires de Jenin
O historiador Tufy Kairuz, professor do IFC – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense e colaborador da FEPAL, dedicou o preâmbulo de sua dissertação de mestrado aos mártires de Jenin.
A tese foi defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2002, dias após o massacre.
Esta semana, ao lembrar-se da data e de todo o seu significado, Kairuz compartilhou conosco o texto – uma homenagem ao jovem Tariq Hindawi, “abandonado para sangrar até morrer” durante os ataques – que reproduzimos abaixo:
“Halhoul, Margem Ocidental (Palestina Ocupada)
Apesar da matança de palestinos perpetrada nos últimos 50 anos, a história de Tariq Hindawi, 22 anos, abandonado para sangrar até morrer, chocou mesmo os mais endurecidos dentre os corações palestinos. A trajetória desse jovem demonstrou que a barbárie humana decididamente desconhece limites. Tariq tinha apenas 1 ano quando os falangistas libaneses, treinados e armados pelos sionistas sob o comando do então ministro da defesa Ariel Sharon, invadiram os campos de refugiados de Sabra e Chatila em Beirute Ocidental, em setembro de 1982.
No massacre que se seguiu, 4 mil palestinos, totalmente inocentes, perderam a vida e outras centenas foram consideradas mortas ou levadas pelas tropas sionistas para destinos desconhecidos e desapareceram. Dúzias de crianças foram massacradas na carnagem de 1982, mas a família Hindawi foi uma das poucas que conseguiu fugir dos campos durante a matança com Tariq, que era então pequeno demais para compreender os acontecimentos.
Não foi fácil escapar dos campos com as tropas sionistas bloqueando a passagem das famílias palestinas. Então, “após 20 anos, Sharon, sempre ele, reabre minhas feridas e assassina meu filho amado… não existe justiça nesse mundo” afirmou o pai de Tariq para os jornalistas.
Tariq e sua família retornaram à Palestina após a assinatura dos tratados em Oslo com a esperança de ter deixado o passado assustador para trás. O jovem tornou-se um oficial da polícia da Autoridade Palestina e sua família ficou orgulhosa. No seu retorno, Tariq viveu na Faixa de Gaza, mas seu trabalho o fez mudar para a Margem Ocidental, especificamente para o vilarejo de Halhoul.
Na semana passada a vila foi atacada pelas forças sionistas e o jovem Tariq morto. Testemunhas oculares relataram que Tariq foi baleado no peito e que os soldados o amarraram na frente do jipe que corria pelas ruas do lugarejo não obstante o palestino sangrar abundantemente. Ao final da “brincadeira” Tariq faleceu. As ambulâncias e os moradores de Halhoul foram mais uma vez bloqueados pelo mesmo exército de vinte anos atrás que se recusou a permitir qualquer tipo de assistência ao jovem já morto. Os habitantes locais acrescentaram que os soldados não permitiram que ninguém se aproximasse da vítima.
O governo belga anunciou que não poderá julgar os acusados do genocídio palestino porque eles gozam de imunidade diplomática. Isso significa que Tariq não apenas não terá mais justiça como sobrevivente de um massacre no passado, mas também torna cada vez mais remota a chance dele ter justiça um dia, como vítima da mais recente barbárie.
Dedico o meu modesto trabalho ao jovem Tariq Hindawi e ao povo palestino.
Nessa hora dramática para o povo palestino, a minha homenagem a Abu Jandal, shahid al Allah, herói do campo de refugiados de Jenin, que resistiu por 14 dias aos tanques, helicópteros e tropas da entidade sionista com apenas com um fuzil. Abu Jandal, de acordo com testemunhas oculares, depois de sua heroica resistência foi preso, algemado, vendado e executado.”