Governo Milei demite 20 mil servidores e aprofunda desastre social na Argentina

Funcionários desligados vão tentar comparecer aos postos de trabalho na próxima quarta-feira

Foto: Rodolfo Aguiar

Por Alfonso de Villalobos, Tiempo Argentino.

Na próxima quarta-feira (3), logo pela manhã, milhares de funcionários do Estado argentino despedidos vão tentar regressar ao trabalho de forma coordenada. É a medida que a Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) decidiu fazer em face a um número ainda indeterminado de trabalhadores cujos contratos não foram renovados a partir de primeiro de abril.

O presidente, Javier Milei, vangloriou-se aos empresários reunidos na conferência AmCham sobre a demissão de 70 mil trabalhadores em março. Desse total, disse o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, pretende-se despedir entre 20 e 30%, ou seja, entre 15 mil e 21 mil.

De acordo com uma pesquisa da ATE, na noite de sexta-feira, dia 29, havia sete mil trabalhadores que foram formalmente notificados de alguma forma do seu desligamento (através de e-mail ou telegramas). Somando as notificações informais, o número sobe para dez mil.

Entre eles, por exemplo, está Lucas Berengua, técnico do Serviço Meteorológico Nacional que trabalha nesta modalidade contratual há 21 anos e foi recebido pelos colegas com canções e abraços. Ou os 1,3 mil despedidos da Anses (previdência social) que trabalham nas Unidades de Cuidados Integrais (UDAI) de todo o país, muitos dos quais terão de fechar as portas devido á demissão de todo o seu pessoal, incluindo os permanentes.

Um caso emblemático é o da UDAI de Sauzalito, no coração do impenetrável Chaco, que deixa milhares de beneficiários vulneráveis ??fora do alcance da segurança social, obrigando-os a viajar até 200 km para ter acesso à assistência do Estado. O mesmo se pode dizer dos mil trabalhadores despedidos do Instituto de Agricultura Familiar, cujas tarefas de apoio e assessoria à economia popular serão interrompidas.

Por trás das demissões no Estado estão violações dos direitos dos cidadãos e dos serviços prestados aos cidadãos e ao setor privado. A maior exposição da população e do sistema produtivo às crescentes intempéries, à precariedade no atendimento às pessoas com deficiência, ou aos problemas familiares, à adolescência e à infância, à deterioração das estatísticas públicas como insumo fundamental para a tomada de decisões sobre políticas públicas. Ou, por exemplo, o desmantelamento virtual do Cenard meses antes do início dos Jogos Olímpicos, são apenas alguns exemplos.

Incerteza e horizonte sombrio

O número de demitidos, porém, ainda é indeterminado. Muitos deles descobrirão na quarta-feira, quando tentarem ingressar em seus empregos e forem impedidos, talvez, por um dispositivo de repressão policial.

O alívio circunstancial que os demais contratados, aqueles que poderão ingressar, poderão sentir será de curta duração. O Presidente Milei e o Chefe da Casa Civil, Nicolás Posse, já assinaram o decreto 286/24 pelo qual estabelecem que os contratos só podem ser renovados por mais três meses.

Se, como esperado, for publicado nas próximas horas no Diário Oficial, uma nova onda de demissões poderá ocorrer em junho. Além disso, o Ministro da Economia, Luis Caputo, já anunciou a sua intenção de acabar com a estabilidade laboral de que gozam os trabalhadores permanentes. Ele terá que reunir a maioria em ambas as Casas do Congresso para conseguir isso.

Em diálogo com Tiempo, o secretário-geral da ATE, Rodolfo Aguiar, explica que “a forma como o governo está a implementar o layoff é múltipla e variada. Eles estão dispostos de forma clandestina e sombria. Não existe padrão de antiguidade ou qualquer tipo. Demitimos pessoas com mais de 20 anos no posto. Há aqueles que se juntaram ao governo Menem. “Também vamos definir uma estratégia jurídica”.

Aguiar detalha que “como primeira medida ratificamos um dia nacional de luta porque isso tem grande impacto nas províncias. Os centros de referência para o desenvolvimento social estão espalhados por todo o território nacional. Na agricultura temos 1.080 demissões, das quais apenas cem são em Buenos Aires. O mesmo aconteceu com o encerramento das delegações provinciais da Enacom. “Há uma acentuada retirada da presença do Estado nacional nas províncias”.

Tragédia individual e social

Para Aguiar, é “uma tragédia social porque a tragédia individual da demissão, de natureza massificada, torna-se uma tragédia social. “A violação de um direito como a estabilidade do emprego público, ao mesmo tempo, viola outros direitos do povo como os serviços essenciais que deixarão de ser prestados ou que serão limitados e condicionados.”

“Vamos ter um Estado impedido de prevenir a sua população das catástrofes que possa sofrer, garantir o direito à segurança alimentar, à saúde e à educação. O impacto que terá sobre o Estado será difícil de medir na sua verdadeira magnitude. A sociedade vai sentir isso rapidamente.

Aguiar observa que o dia de luta ocorre sob o formato de rendimentos massivos porque “uma greve era contraditória porque estamos apelando à presença nos sectores de trabalho. Consideramos o presidente responsável por atos de violência que devem ser lamentados. Na quarta-feira realizaremos um plenário federal de delegados onde será definido um aprofundamento das ações.”

Milei anunciou na rede social X que a medida constitui um crime que “não será permitido passar”.

Na linha de Aguiar, Daniel Catalano, secretário-geral da ATE Capital, pediu aos demitidos que retornem aos cargos na próxima quarta-feira. “Pedimos a todos que se apresentem ao trabalho no dia 3 de abril, mesmo a quem recebeu o telegrama. Qualquer medida de força requer os trabalhadores”, disse ele à Rádio El Destape.

A estratégia do sindicato com representação maioritária, UPCN, como afirmou neste momento o seu secretário-geral e deputado da CGT, Andrés Rodríguez, é evitar uma greve e negociar parcialmente. Em declarações à rádio, ele observou esta semana que “não há nenhuma proposta de greve geral no horizonte. “Não entendo por que insistem tanto.”

O dirigente reconheceu que “não temos o número exato de demissões que estão por vir. Em algumas organizações encontramos a possibilidade de diálogo. Em outros a situação é totalmente anárquica: cada funcionário determina demitir um percentual do pessoal contratado. Por isso, explicou, “nos lugares onde não podemos conviver, vamos gerar medidas contundentes”.

Dentro da ATE há um debate sobre qual a melhor estratégia para enfrentar a onda de demissões. Um dos líderes da oposição, o delegado geral da Diretoria Interna do Hospital Garrahan, Alejandro Lipcovich, explica a este meio que as demissões em massa devem ser enfrentadas com “greves, mobilizações e ocupações de edifícios”.

Depois de observar que Rodríguez, da UPCN, se pronunciou a favor de uma reforma trabalhista, garante que dentro da ATE “não houve preparação para lutar contra algo que foi anunciado há muito tempo”. Lipcovich defende uma assembleia geral dos trabalhadores do Estado para resolver um plano de luta progressivo e faseado.

Aguiar, secretário-geral da ATE Nacional, reconheceu que podem ocorrer demissões porque “estamos enfrentando a maior fraude trabalhista da história argentina. Os governos anteriores também são responsáveis ??pelo que está acontecendo. Não conseguiram acabar com a insegurança laboral que consolidava um sistema que não corresponde à Constituição nacional”.

As demissões de funcionários do Estado nacional e o ajustamento nas transferências para as províncias são um coquetel perfeito para que ocorra um surto de demissões nas administrações provinciais e municipais. Aguiar avisa: “Fizemos quase mil despedimentos durante a gestão de Jorge Macri. Quando essas políticas são viabilizadas a partir da ordem nacional, são imediatamente replicadas pela maioria dos governadores e prefeitos. Será o próximo capítulo.”

O plenário de secretários-gerais de uma das mais representativas federações de professores universitários, a Conadu Historica (ConaduH), marcou uma greve de 48 horas para os dias 10 e 11 de abril.

A medida rejeita o aumento salarial de 12% oferecido pelo governo nacional para o mês de março, quando a inflação, desde o último aumento salarial, acumula perto de 60%.

Ela afetará, em menor ou maior medida, as 57 universidades nacionais, a começar pela de Buenos Aires, onde a ConaduH tem forte representação através da Associação Sindical Docente da UBA (AGD-UBA).

A greve servirá também para tornar visível a situação geral enfrentada pelas universidades nacionais, cujo orçamento o governo deixou congelado nos valores de 2023 com uma inflação interanual que ultrapassa os 250%.

Por isso, as mesmas autoridades universitárias denunciam que têm recursos para pagar os salários apenas até ao mês de maio. Antes da greve, uma jornada conjunta de protesto entre a Universidade e a Ciência será realizada nesta quinta-feira na Faculdade de Medicina da UBA.

As autoridades da UBA aderiram à campanha de sensibilização para a crise universitária com a divulgação de um vídeo com o título “Vamos cuidar do que funciona” no qual reivindicam o papel da UBA e a contribuição dos profissionais na resolução do necessidades da população em geral.

Uma das chaves é a atitude que o movimento estudantil tomará ao defender o seu direito de acesso ao ensino superior.

 

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