Como o caso dos quilombolas expõe brechas da vacinação

A Coronavac, vacina produzida por laboratório chinês e com parceria do Instituto Butantan
Foto: Reprodução/ GovernoSP

Por Aline Pellegrini.

A vacinação contra a covid-19 no Brasil começou no domingo (17) em São Paulo e dois dias depois já era realizada em todos os estados do país. O início do processo, porém, vem acompanhado de incertezas. Além de doses insuficientes, não há um cronograma nacional para cada fase de imunização de grupos prioritários. Nem mesmo as populações mais vulneráveis, portanto, sabem quando serão vacinadas.

O caso dos quilombolas ilustra a descoordenação nas prioridades. A líder Regina Aparecida Pereira, moradora do quilombo Cafundó, que fica no interior paulista, foi convidada a participar do evento que deu início à vacinação no domingo (17), mas acabou desconvidada de última hora. No dia seguinte, ao telefonar para a Secretaria de Saúde do governo João Doria (PSDB), foi informada de que não fazia mais parte do grupo prioritário.

Isso ocorreu porque o governo paulista tinha um plano de prioridades diferente do plano nacional. Com a compra da Coronavac – desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com uma laboratório chinês – pelo Ministério da Saúde, o estado passou a fazer parte do plano nacional. Na ordem paulista, os quilombolas estavam na lista de primeiros a serem vacinados. Na ordem nacional, não.

O impasse levou Doria, na terça-feira (19), a prometer que os quilombolas serão incluídos novamente na primeira leva de vacinados. Isso ocorrerá, porém, apenas em São Paulo, onde há 51 localidades quilombolas, criando um descompasso com outros estados, onde essas populações não estão na frente da fila. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem ao todo quase 6.000 localidades quilombolas.

O governo federal havia se comprometido a atualizar o plano nacional de vacinação no dia 15 de janeiro, mas não apresentou um novo documento. Diante disso, na segunda-feira (18), Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a atualização seja de fato feita. O documento atual é de dezembro de 2020.

O plano nacional de vacinação dividiu em quatro fases a ordem prioritária de imunização da população, mas essa ordem ainda pode ser alterada. Segundo o governo federal, é provável que a vacinação só alcance a totalidade da população em 2022.

As fases iniciais

FASE 1: Profissionais da saúde e pessoas acima de 80 anos, pessoas de 75 a 79 anos e indígenas com idade acima de 18 anos.

FASE 2: Pessoas de 60 a 74 anos.

FASE 3: Pessoas acima dos 18 anos com comorbidades, entre as quais hipertensão, diabetes mellitus, doença pulmonar crônica, doença renal, doenças cardiovasculares, indivíduos transplantados, anemia falciforme, câncer e obesidade grave.

FASE 4: Professores do nível básico ao superior, profissionais de segurança e funcionários do sistema prisional.

Atrasos na entrega de insumos para a fabricação das duas vacinas aprovadas para serem utilizadas no país, a Coronavac e a vacina Oxford/AstraZeneca, também acabam prejudicando a definição de um cronograma.

Isso alterou as programações municipais, como a da cidade de São Paulo. A vacinação de idosos com mais de 75 anos que não vivem em instituições de longa permanência estava prevista para acontecer a partir de 8 de fevereiro, mas a estimativa agora é de que eles recebam a primeira dose somente a partir de 23 de março.

O número reduzido de vacinas também alterou o tempo esperado entre cada dose da Coronavac, que deve ser aplicada duas vezes em cada pessoa. No plano inicial paulista, o tempo entre cada dose seria de 21 dias. O plano nacional, no entanto, recomenda um intervalo maior, de 28 dias.

A questão da produção das vacinas

A Coronavac já teve 6 milhões de doses importadas da China, mas o Instituto Butantan, responsável pela fabricação do imunizante no Brasil, já produziu 4,8 milhões que estão prontas para uso. A estimativa é produzir um milhão de doses por dia, mas a chegada dos insumos, matéria-prima para a confecção das vacinas vindos da China, está atrasada.

Já o governo federal tem um acordo para compra da vacina de Oxford/AstraZeneca, mas as tentativas de importação têm sido frustradas. Também tem um acordo para fabricação desse imunizante em território nacional, por meio da Fiocruz, ligada ao Ministério da Saúde.

Na terça-feira (19), a fundação afirmou que só vai conseguir entregar as primeiras doses da vacina Oxford/AstraZeneca em março, com um mês de atraso, já que a remessa de insumos para a produção dos fármacos vindos da China também atrasou.

O problema da falta de unidade

Discrepâncias nas vacinações nas diferentes regiões do país são prejudiciais para a população, segundo Carla Domingues, epidemiologista que coordenou o Plano Nacional de Imunizações de 2011 a 2019.

“Primeiro, a população não consegue entender que tem um plano nacional e um estadual. Quando tem uma política de vacinação ela sempre é coordenada pelo Ministério da Saúde, e todo mundo sabe, da população do Sul ao Norte, que vai receber a vacina da mesma forma”, afirmou em entrevista ao Nexo em dezembro.

Em nota divulgada em dezembro, entidades nacionais dos secretários estaduais (Conass) e municipais (Conasems) de saúde defendiam que o Ministério da Saúde realizasse a coordenação nacional das estratégias de vacinação contra a covid-19.

“A falta da coordenação nacional, a eventual adoção de diferentes cronogramas e grupos prioritários para a vacinação nos diversos estados são preocupantes, pois gerariam iniquidade entre os cidadãos das unidades da federação, além de dificultar as ações nacionais de comunicação e a organização da farmacovigilância, que será fundamental com uma nova vacina”, dizia a nota.

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