Como falar em direitos humanos na era pós-Bolsonaro? Por Vitória Ricardo

No Brasil marcado pela disputa ideológica e devastação dos direitos humanos, é preciso lutar para que a defesa da dignidade se torne uma política de Estado.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Por Vitória Ricardo, para Desacato.info

Os direitos humanos seguem sendo um assunto delicado no Brasil. Em primeiro lugar pelos ataques frequentes ao tema e utilização equivocada de suas estruturas, mas principalmente pelo distanciamento entre seu conceito e a comunidade. Esses desafios foram o tema central de entrevista coletiva com o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, no último dia 6 de junho. Ele conversou com mídias independentes em encontro virtual promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e falou sobre a necessidade de “transformar a política de direitos humanos numa política de Estado e não apenas uma política de governo”. Para ele, é preciso inserir essa pauta “em toda e qualquer política pública”.

Contudo, além do desafio político-institucional, o ministro menciona o desafio ideológico em torno da pauta dos direitos humanos. A história do Brasil, desde a transição incompleta da ditadura para a democracia até os ataques golpistas do último 8 de janeiro, chamam atenção para a facilidade de manipular o discurso dos direitos humanos no país. Diante dessa perspectiva, há um desafio histórico, “de conquistar corações e mentes e fazer o discurso sobre direitos humanos ser parte substancial e fundamental do nosso modo de vida no Brasil”, declarou o ministro Silvio Almeida.

Quando a extrema-direita recorreu aos direitos humanos

Entre os principais assuntos abordados na entrevista com o ministro está a instrumentalização dos direitos humanos no Brasil. Para Silvio Almeida, essa perspectiva abre espaço para uma manipulação ideológica do tema. Como exemplo disso, ele cita bombardeios e invasões pelo mundo em nome da proteção dos direitos humanos, mas relembra, principalmente, como a extrema-direita se utilizou disso para defender golpistas que atacaram a Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro.

Na ocasião, parlamentares clamaram por condições dignas no cárcere, assistência jurídica gratuita e outras demandas para os criminosos. Eles são os mesmos que pedem por intervenção militar e normalizam a tortura, a letalidade policial e a exploração do trabalho. Porém, no momento em que a opressão se volta contra eles, os direitos humanos passam a servir.

“Eu fico muito feliz em saber que a pauta dos direitos humanos é uma pauta importante para pessoas que nunca respeitaram os direitos humanos, o que mostra que é importante que nós estejamos sempre em defesa dos direitos humanos, porque uma hora nós podemos precisar deles”, declarou o ministro.

Ele não esconde sua visão sobre aqueles que participaram dos atos contra a democracia e, de forma oportunista, recorreram aos direitos humanos. “Todo golpista é um violador de direitos humanos e, portanto, ele precisa ser contido. Golpistas violam direitos humanos, só se pode dar golpe de estado violando direitos humanos e, portanto, os golpistas têm que ser tratados na dureza, na letra fria daquilo que determina a Constituição Federal. Ou seja, eles têm que ser tratados de acordo com as regras de direitos humanos que eles tentaram violar”, reforça Silvio Almeida.

‘As pessoas no geral têm ódio dos direitos humanos’

Diante da aversão que existe pelos direitos humanos no Brasil e também da distorção de sua verdadeira natureza, que cresceu sobretudo durante o governo Bolsonaro, é preciso trabalhar ainda mais forte para esclarecer o tema. O titular do MDHC, Silvio Almeida, falou sobre como grande parte da população brasileira “não entende os direitos humanos de forma geral”.

“As pessoas no geral têm ódio dos direitos humanos. Conseguiu-se criar no Brasil um clima em que falar de direitos humanos é diretamente associar a um bloqueio, uma espécie de barreira ao pleno exercício das liberdades, que é o discurso que o neoliberalismo tem feito. E do outro lado tem um discurso que associa a defesa dos direitos humanos com a defesa do crime”, analisa o ministro.

Para reverter essa visão e ampliar o entendimento sobre os direitos humanos, é necessário levar o debate para lugares onde ele geralmente não chega. Isso significa não apenas atingir a parcela que viola os direitos humanos constantemente, mas também aquela que desacredita dessa estrutura. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania assume que “essa é uma das questões mais complexas”, e pondera que não seja uma tarefa apenas do seu Ministério.

“Precisamos ter uma estratégia de comunicação e educação com direitos humanos, que seja uma estratégia nacional. Tem que ter estratégia, tem que ter planejamento, tem que ter projeto, projeto de país. E nós estamos trabalhando nisso”, anuncia Silvio Almeida.

Ele comenta sobre a nomeação da professora Letícia Cesarino, que será responsável pela reformulação do Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos. De acordo com o ministro, esta é uma das iniciativas que visa o processo de “reorientação ideológica do Brasil”, com a intenção de vencer uma apatia e indiferença ao debate político, alcançando todas as parcelas da população brasileira.

Temores no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

Em meio às dificuldades e contradições enfrentadas em uma sociedade que reproduz desigualdades, Silvio Almeida falou, ainda, sobre outros temores enquanto ministro dos Direitos Humanos. Uma de suas principais apreensões reside justamente na dificuldade de trabalhar ao lado do atual Congresso eleito pelos brasileiros.

“O maior temor é que nós não consigamos compreender e também fazer o esforço e a luta política necessária para mudar a sociedade, uma sociedade que elege um Congresso, na sua maioria, de pessoas reacionárias e algumas delas, muitas, não têm o menor compromisso com o povo brasileiro”, observa.

O ministro reconhece a necessidade de lidar com o parlamento, apesar de sua composição majoritariamente divergente dos ideais defendidos pelo governo atual. Comprometido com a implementação dos projetos prioritários de sua pasta, bem como em auxiliar o presidente Lula nos objetivos governamentais, o ministro salientou a importância do diálogo e da “luta política”. Para ele, há uma “permanente disputa”, inclusive entre aliados que pensam de forma contraditória, para “reorientar ideologicamente a sociedade” e “mudar os rumos da vida social”.

Diante disso, o ministro reforça que a luta deve continuar, e que os direitos humanos devem ser um farol orientador para promover a igualdade, a justiça e a dignidade de todas as pessoas. “Nós defendemos os direitos humanos para que um dia não seja mais necessário defendê-los. Nós só falamos de direitos humanos porque os direitos humanos são atacados e violados a todo momento. Então, você cria essa categoria para defender o mínimo de dignidade para que todas as pessoas possam viver dentro de um sistema político e econômico, que é um sistema de devastação e destruição das possibilidades da vida”, pontua o ministro Silvio Almeida.

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