A religião não pode servir para a prática da maldade. Por Jair de Souza

É um crime digno de Hitler, mas ainda assim existem pastores e seguidores de igrejas neopentecostais que procuram justificar essa monstruosidade com base no que está estipulado em textos sagrados.

Imagem: Captura de tela.

Por Jair de Souza.

Em razão do agravamento do conflito envolvendo o povo palestino e a grave ameaça de sua eliminação pelas gigantescas forças militares do Estado de Israel, somos obrigados a voltar a tratar de religião. Isto se deve ao fato de que, no Brasil, a base de sustentação numérica do apoio às políticas genocidas dos sionistas contra os palestinos continua sendo composta majoritariamente por seguidores de igrejas neopentecostais, os quais tentam justificar a horrenda matança de tanta gente simples com base em trechos do Velho Testamento.

Tenho a convicção de que todos os que cultuam alguma crença religiosa buscam que a mesma sirva como um instrumento para a prática e conquista do bem. Dentro de meu limitado conhecimento, acredito que em todas as religiões prevalece sempre o ideal de garantir que impere a bondade, a justiça e a solidariedade, independentemente da aceitação da existência de um único deus ou de vários deuses. Portanto, qualquer que seja o credo, para seus seguidores, ele sempre será visto como uma ferramenta para tornar o mundo melhor.

É inegável que a preocupação com a espiritualidade vem marcando a humanidade desde seus primórdios. Entre todos os povos historicamente conhecidos, sempre houve em seu seio uma boa parcela de gente imbuída de sentimentos religiosos.

Por ser uma manifestação exclusiva do ser humano (pelo menos em relação com os seres vivos de nosso planeta), todas as correntes religiosas formadas ao longo do tempo sempre estiveram marcadas por características ligadas aos interesses dos povos nos quais elas surgiram ou se desenvolveram. Por isso, não nos deveria surpreender que, com frequência, cada povo trate de moldar suas crenças e suas divindades em conformidade com suas próprias características.

Ao me dedicar ao estudo da história dos povos ameríndios, como no caso específico dos mexicas, isto me pareceu bastante evidenciado. Nas cerimônias e nas pregações religiosas desta nação ameríndia, os deuses por eles cultuados e os postulados defendidos eram apresentados de modo a simbolizar sua vinculação preferencial com o próprio povo mexica.

Em suas confrontações com outros povos, os mexicas procuravam justificar suas ações com base na força divina que sua religião lhe atribuía de maneira privilegiada. Seus deuses lhes davam amparo e, assim, suas atitudes estavam plenamente justificadas quando espoliavam a outras nações.

Até aqui, meu propósito é deixar claro que, embora as religiões estejam associadas à ideia do bem, cada etnia ou nação procura se apropriar das mesmas para que venham a servir aos interesses que lhes são caros.

Se este raciocínio é válido para os povos de nosso continente, igualmente será válido para aqueles retratados nos escritos bíblicos. É so observar como os judeus são referidos no Velho Testamento como o povo escolhido, e isto ficará evidente. Naqueles textos, há uma identificação direta entre a figura de Deus e o povo judeu. Um existe em função do outro.

Agora, vamos refletir como seres humanos pensantes, independentemente de ter ou não uma religião e, no primeiro suposto, qual seja ela. Vamos nos perguntar: Poderia um Deus que represente a essência do bem criar e designar com antecedência algum povo como seu escolhido em detrimento dos outros? Um deus que assim fosse poderia ser considerado um ser do bem, ou seria um racista da pior espécie? Eu não tenho nenhuma dúvida de responder a esta indagação com a segunda alternativa.

Por isso, sou dos que colocam a figura de Jesus no topo dos exemplos que merecem ser admirados e seguidos. E, ao dizer isto, estou me referindo ao Jesus que podemos detectar a partir dos relatos de sua vida, conforme aparecem nos Evangelhos. Como Jesus não deixou obras escritas que pudessem nos orientar teoricamente com mais precisão, penso que sua conduta em vida é o que realmente pode servir para nos guiar no rumo de um mundo mais justo e digno para toda a humanidade. Jesus é um dos mais belos exemplos de como se pode combinar a religião com a racionalidade.

Jesus jamais acatou preceitos bíblicos que se contrapunham a sua racionalidade tão somente porque estes estavam presentes nos textos. Há diversas passagens nos relatos de sua vida em que ele se opõe resolutamente a acatar certas disposições até então consideradas como válidas. A proibição do exercício da cura aos sábados, por exemplo, foi uma das irracionalidades que Jesus rejeitou.

Aos que insistem em fazer referência ao povo escolhido por Deus para possuir e habitar certas terras, eu pergunto: Jesus defendia a ideia de que havia um povo que, de nascimento, estava vinculado com Deus ou, diferentemente disto, considerava que os que fariam parte de seu povo seriam aqueles que viessem a assumir como suas as causas pelas quais ele lutava? Alguém pode alegar que não sabe qual é a resposta correta para esta questão?

Em meu entender, os que aspiram viver em sintonia com os ensinamentos de Jesus precisam necessariamente levar em conta o que o próprio Jesus expressava nos diferentes episódios que narram sua vida entre nós. Não existe uma só instância em que o encontremos fazendo uma apologia cega dos textos bíblicos. Em sua imensa sabedoria e humanidade, ele sempre aparece apelando para que façamos uso de nossa razão e de nosso coração. Não há um único caso em que ele defenda atos de violência contra outros tão somente por aquilo estar presente em algum dos escritos.

Sendo assim, convém que meditemos sobre qual seria o entendimento de Jesus em relação com o sangrento conflito em curso na atualidade envolvendo o Estado de Israel e o povo palestino. Ali, naquela região onde o próprio Jesus passou seus dias de vida, havia um povo humilde vivendo há milhares de anos, em modéstia mas com dignidade. De repente, aparecem outros pretendentes das terras provenientes da Europa e se dizem os proprietários de tudo, uma vez que Deus lhes havia prometido aquelas terras.

Não importa a evolução da história e os milhares de anos passados, os milhões de pessoas que lá estavam vivendo há muitas gerações deveriam ser expulsos para dar lugar aos recém-chegados, que viriam com uma “escritura” divina estabelecida nos inícios do tempo. Alguém consegue ter a coragem para acreditar que Jesus se colocaria do lado dos que vieram expulsar os que já habitavam o lugar?

Neste exato momento, o exército sionista de Israel bombardeou um hospital em Gaza e exterminou 500 pessoas que lá estavam.

Por favor, em nome de Jesus, usem sua racionalidade e deixem de defender as práticas assassinas e diabólicas que estão sendo cometidas contra um povo humilde e indefeso.

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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