A Ku Klux Klan era uma associação patronal

Gravura da década de 1860 que mostra dois membros do Ku Klux Klan vestindo capuz e segurando armas. Foto: Archive Photos / Getty Images

Por Chad Pearson.

A Guerra Civil revolucionou as relações de trabalho no sul dos Estados Unidos. Pessoas escravizadas fugiram das plantações, pegaram em armas contra seus brutais exploradores e forjaram novos horizontes políticos. O futuro parecia promissor.

Para os proprietários de plantações, no entanto, essa transformação foi um pesadelo – os trabalhadores que mantiveram em cativeiro realizaram uma “greve geral,” como W. E. B. Du Bois lembrou, deixando-os financeiramente vulneráveis e intensamente agitados. Este grupo racista e revanchista não se limitou a lamentar as suas derrotas — eles se organizaram.

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Ao longo dos anos da Reconstrução, a maior parte da classe dominante dos donos de plantação sulistas resistiu ferozmente ao florescimento da liberdade entre os pretos. Leis restritivas, as políticas pró-latifundiários de plantações do presidente Andrew Johnson, motins racistas em Memphis e Nova Orleans, e, acima de tudo, o terrorismo generalizado da Ku Klux Klan demonstraram brutalmente os limites da emancipação. Liderada pelos ex-proprietários de escravos, a Klan usou várias formas de violência para impedir que os negros votassem ou frequentassem escolas, intimidar “carpetbaggers” [oportunistas, aventureiros] do norte e assegurar, de acordo com um documento sem data da Klan, que pessoas libertas “continuassem no seu trabalho apropriado.”

Ramos da Klan, distribuídos desigualmente em muitas partes do sul do país, prometeram abordar os problemas trabalhistas mais prementes dos donos de plantações. Depois de aprender sobre a organização, Nathan Bedford Forrest – ex-comerciante de escravos, líder do massacre na batalha de Fort Pillow em 1864, e o primeiro Grand Wizard [líder] da Klan — expressou sua aprovação acerca dos segredos, atividades e objetivos da organização: “Isso é uma coisa boa; isso é uma coisa muito boa. Podemos usar isso para manter os negros no lugar deles.”

Não foi uma tarefa fácil “mante-los em seu lugar”  — os negros abandonavam avidamente as fazendas e plantações, causando uma escassez generalizada de força de trabalho. Alfred Richardson, um negro da Geórgia, observou que os donos de plantações permaneceram profundamente frustrados porque eram incapazes “de fazer a colheita.” No entanto, a KKK provou ser um dos melhores instrumentos para os patrões no sul imporem violentamente sua vontade.

Os problemas trabalhistas dos donos da plantações

Durante décadas, os historiadores debateram a melhor forma de caracterizar a KKK, uma organização terrorista supremacista branca criada por veteranos confederados que surgiu pela primeira vez em Pulaski, Tennessee, em 1866, antes de se espalhar pelo sul dos EUA. Centenas de milhares de latifundiários passaram a fazer parte, embora obter um número exato de membros efetivos é praticamente impossível devido ao hiper-sigilo da organização.

No entanto, muitas informações são conhecidas: os membros da Klan eram intimamente ligados ao Partido Democrata e usaram a violência — chicoteamentos, enforcamentos, afogamentos, violência sexual, campanhas de expulsão – contra negros “insubordinados” e republicanos de todas as cores. Membros da Klan usavam também formas de repressão “mais leves”, incluindo a queima de livros e denúncias de professores vindos do norte do país. Às vezes eles se mobilizavam para impedir que os negros tivessem acesso à educação formal. De acordo com Z. B. Hargrove, da Geórgia, os membros da Klan ocasionalmente chicoteavam pessoas libertas “por parecerem inteligentes.”

O racismo unia os membros brancos da Klan independentemente das diferenças de classe, mas nem todos tinham o mesmo papel na organização. A liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações, advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados do sul e com uma tendência a queda da posição social.

Esses homens estavam enfurecidos com a sua posição econômica em declínio e a ascensão de homens negros em posições com poder político.  O líder da Klan na Carolina do Norte, Randolph Abbott Shotwell, reclamou que homens negros recém-empoderados ajudaram o governo federal a derrubar “os direitos dos mestres” e a “prejudicar” uma grande proporção dos “melhores e mais hábeis homens da raça naturalmente dominada.”

Elites ressentidas como Shotwell e Forrest estavam determinadas a restabelecer o seu poder. Evidências abundantes sugerem que a Klan da era da Reconstrução funcionava como uma associação de patrões com objetivos que, de alguma forma, se assemelhavam aos objetivos de outras organizações empresariais anti-sindicato.

Afroestadunidenses que haviam sido escravizados participando de uma eleição em Nova Orleans, 1867. Foto: Wikimedia Commons

Os líderes da Klan exigiam que as massas negras desempenhassem apenas uma função: trabalhar de formas cansativas e brutalmente intensas que se assemelhavam à vida nas plantações pré-Guerra Civil. A organização buscava impedir que os negros abandonassem os locais de trabalho, participassem de reuniões políticas, fossem atrás de educação formal, tivessem acesso a armas de fogo ou participassem de organizações destinadas a desafiar seus exploradores. Como um observador da Geórgia disse a um comitê de investigação do Congresso em 1871, “eu acho que seu propósito é controlar o governo do Estado e controlar o trabalho dos negros, o mesmo que eles faziam sob a escravidão”.

A liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações, advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados do sul e com uma tendência a queda da posição social.

Enquanto os membros da Klan insistiam que as massas negras gastassem todas as suas horas de vigília plantando e colhendo, muitos se recusaram a acreditar que esses mesmos trabalhadores mereciam os benefícios financeiros de seus esforços. De acordo com Relatório de 1871 do Tennessee, frequentemente “o empregador cria alguma desculpa e falha com o trabalhador, que é forçado a deixar sua colheita e abandonar seu salário pelo terror da Ku Klux Klan, que, em todos os casos, simpatiza com os empregadores brancos”. Esse casos assemelhavam-se mais à escravidão do que o sistema de trabalho livre prometido pela emancipação.

A Klan como uma associação de patrões

Poucos estudiosos rotulam a Klan como uma associação de patrões e a maioria dos historiadores ignoram a Reconstrução no sul dos EUA. O importante livro de Clarence Bonnett em 1922, Associações patronais nos Estados Unidos: um estudo de associações típicas [Employers’ Associations in the United States: A Study of Typical Associations], não cita a Klan, se focando exclusivamente nas organizações do final do século XIX no norte do país que buscavam conter o crescentemente e rebelde movimento sindical.

No entanto, a definição de Bonnett é flexível, permitindo-nos aplicá-la às ações das organizações milicianas da Reconstrução: “Uma associação de empregadores é um grupo que é composto ou fomentado pelos empregadores e que promove o interesse dos empregadores em questões trabalhistas. O grupo é, portanto, ou (1) uma organização formal ou informal dos empregadores, ou (2) uma coleção de indivíduos cujo agrupamento é fomentado pelos empregadores.”

É claro que os membros da Klan da época da Reconstrução e as associações de patrões da era Progressista enquadraram suas respectivas questões trabalhistas de forma bastante diferente. Enquanto os membros das organizações de patrões do norte e das “alianças de cidadãos” defendiam a liberdade que os trabalhadores industriais supostamente gozavam (ou seja, não se juntarem aos sindicatos), os membros da Klan não tinham nenhum interesse em tentar ganhar legitimidade entre as massas negras.

Isto não quer dizer que as associações patronais do norte aceitavam explosões de rebeldia dos trabalhadores. Eles também usavam técnicas coercitivas, incluindo guardas privados e sequestros, espancamentos e enforcamentos, e se beneficiavam das rápidas intervenções da polícia e da Guarda Nacional. No entanto, retoricamente, as associações de empregadores da era Progressista empregavam muitas vezes a linguagem lincolnesca de “trabalho livre”, sinalizando para as massas de trabalhadores “livres” que eles estariam melhores trabalhando diligentemente e cooperando com seus chefes. Aqueles que optaram por caminhos mais conflituosos muitas vezes foram despedidos e denunciados – métodos coercivos, sem dúvida, mas muito diferente do que o que os antigos escravos experimentaram.

Os membros da Klan falavam a linguagem sem verniz do domínio racial e de classe — e seguiram com extrema brutalidade. Se medirmos o número de mortes e espancamentos, a Klan foi muito mais violenta do que a maioria das associações patronais sediadas no norte. O historiador Stephen Budiansky calculou que as milícias brancas mataram mais de três mil pessoas durante o período da Reconstrução.

Os membros da Klan eram, no entanto, estratégicos, empregando ameaças, sequestros e chicoteamentos para alcançar os principais objetivos das classes dominantes do sul do país. Isso significava manter as pessoas libertas longe do voto, dissolver reuniões políticas, e assassinar os homens e mulheres mais irremediavelmente rebeldes. O historiador Douglas Egerton enfatizou  que “os justiceiros brancos não atacavam as pessoas negras apenas por serem negras”. Em vez disso, eles usavam intimidação e violência contra os homens e mulheres que consideravam indisciplinados, não confiáveis, desrespeitosos e insolentes.

Ações macabras como chicoteamentos e enforcamentos públicos serviram às necessidades da administração, ajudando a disciplinar um número incontável de trabalhadores. O dono de plantações de algodão Robert Philip Howell, do Mississippi, por exemplo, expressou sua admiração pela Klan, porque seus membros ajudaram a resolver seus problemas com “negros livres” em 1868: “se não fosse por seu medo mortal da Ku Klux, eu não acho que poderíamos ter lidado com eles tão bem quanto fizemos.”

Nem o fato de que os brancos pobres e da classe trabalhadora participam nas filiais da Klan significa que não devemos considerar a KKK como uma organização patronal – ter o controle sobre os trabalhadores quase sempre envolveu a coordenação de grupos participantes de diversas classes. Afinal de contas, a maioria das associações patronais do norte não teria conseguido quebrar greves e derrubar sindicatos sem as mobilizações de fura-greves durante os conflitos industriais.

A Klan era uma associação de patrões particularmente perversa, particularmente racista – mas ainda assim era uma associação de patrões. E foi brutalmente eficaz.

O medo cerceou a classe trabalhadora agrícola. Embora as pessoas pretas não fossem mais “propriedade” no sul do país, a ameaça da violência organizada pela Klan crescia enormemente. Muitos erros, incluindo formas sutis e abertas de insubordinação, poderiam levar a encontros indesejados com homens encapuzados, seguido por ameaças, espancamentos e até mesmo a morte. Os membros da Klan eram os executores ferozes das ações patronais, garantindo que as massas mantivessem a cabeça baixa e trabalhassem eficientemente.

Algumas pessoas libertas se juntaram a organizações de resistência como as Union Leagues [Ligas da União]. Essas organizações aliadas aos Republicanos eram ativas em Estados como o Alabama, onde seus membros realizavam reuniões, mobilizavam eleitores e muitas vezes se armavam — atividades muito além das funções tidas como “apropriadas” em seus locais de trabalho.

Em resposta, os membros da Klan conspiraram uns com os outros para invadirem as casas dos participantes das Ligas, chicoteando os moradores, roubando suas armas e exigindo que eles ficassem longe das mesas de votação. Pouparam vidas apenas quando os seus alvos prometeram abandonar as Ligas. Só no Alabama, os membros da Klan assassinaram cerca de quinze participantes entre 1868 e 1871.

“Contrarrevolução da propriedade”

Assegurar que os negros continuassem presos (literalmente) às fazendas, plantações e outros locais de trabalho, enquanto recebiam pouca compensação, foi um dos objetivos centrais das elites sulistas — as mesmas pessoas que se beneficiavam da escravidão antes da Guerra Civil. Enquanto os brancos de todas as classes se juntaram aos ramos da Klan – e participaram com vontade dos ataques contra professores do norte, administradores do Freedom Bureau [Escritório da Liberdade] e membros da Union League — eram as elites que tomavam as decisões

Esta foi uma “contrarrevolução da propriedade”, como notoriamente pontuou W. E. B. Du Bois. Ele escreveu que os reformadores da era da Reconstrução não conseguiram proporcionar uma verdadeira liberdade aos ex-escravos parcialmente “porque a junta militar por trás do trabalho não funcionou com sucesso frente a Ku Klux Klan”. Tal como as associações patronais com sede no norte, a KKK lutou pelos interesses dos membros mais poderosos da sociedade – disseminando a violência e o terror em nome dos patrões no campo.

Devemos apreciar os enormes avanços emancipatórios da Guerra Civil sem perder de vista os caminhos que a classe dominante do sul do país lutou para se agarrar ao poder. Eles fizeram isso, em parte, mantendo papéis de liderança na Klan e apoiando ativamente as numerosas organizações de justiceiros racistas que exigiam a subordinação dos trabalhadores.

Destacando os seus interesses fundamentais de classe, podemos compreender melhor as razões dos seus atos estratégicos de terror. Estes homens perderam talvez o conflito mais significativo pela democracia na história dos EUA — mas não cessaram de lutar contra as forças da libertação.

CHAD PEARSON é professor de história no Collin College. Ele está terminando um livro chamado Capital’s Terrorists: Klansmen, Lawmen, and Employers in the Long Nineteenth Century [Os Terroristas do Capita.

Tradução: Marco Túlio.

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