A arte de demonizar inimigos do imperialismo e endeusar seus aliados. Por Jair de Souza

Com o fim da União Soviética, Hollywood se viu obrigado a encontrar outros inimigos mortais sobre os quais pudesse direcionar suas baterias ideológicas

Bush e o Dalai Lama: Foto: Chris Greenberg

Por Jair de Souza.

Desde que a indústria do entretenimento cinematográfico surgiu nos Estados Unidos e Hollywood passou a simbolizar sua sede, sua utilização com propósitos de disputa geopolítica tem sido uma constante.

Muito além da efetividade exercida pelas obras literárias e pelas divulgações informativas através de suas várias ramificações (imprensa escrita, rádio e televisão) a formatação ideológica alcançada por meio das produções cinematográficas hollywoodianas é, comprovadamente, superior. Muito de sua eficácia se deve, provavelmente, por ser recebida por seus espectadores como material de entretenimento não engajado. Ou seja, ao não se apresentar como uma peça de disputa ideológica que busca fazer a cabeça das pessoas, ela consegue desarmar mais facilmente o esquema de resistência de quem a recebe.

Creio que todos os que já atingiram a casa dos 50 devem se lembrar que, desde nossa mais tenra idade, de maneira inadvertida e inconsciente, éramos alvos das mensagens subliminares que visavam sedimentar em nossa mente uma sólida identificação com os valores culturais e com os objetivos políticos e econômicos dos Estados Unidos e de seus parceiros no comando da hegemonia capitalista mundial.

Assim, há muito tempo temos sido expostos a um grande número de filmes nos quais os expoentes mais notórios dos interesses do grande capital são retratados de modo a levar-nos a ter-lhes simpatia e afeição. Por outro lado, aqueles grupos de pessoas que são vistos como ameaça ou obstáculo aos objetivos estratégicos dos Estados Unidos e do mundo capitalista aparecem costumeiramente com características e comportamentos que nos induzem a nutrir uma antipatia generalizada em relação aos mesmos.

Os filmes sobre o faroeste estadunidense (Western) se predispunham, invariavelmente, a motivar-nos a ver os colonos ingleses que por ali aportaram como intrépidos desbravadores que tinham se disposto a enfrentar as agruras da selva para trazer um pouco de civilização para esta terra inóspita e povoada por seres tão desprezíveis como os ameríndios que aqui viviam. Tudo isto a despeito de que todos os estudos históricos sérios nos obrigariam a considerar o processo de colonização da América do norte como um dos mais horrendos e despiedados morticínios já executados contra povos subjugados ao longo da história, nada ficando a dever em termos de crueldade e insensibilidade aos monstruosos crimes do nazismo durante o Holocausto e o atualíssimo genocídio que os sionistas israelenses estão praticando contra o povo palestino.

Não obstante grande parte do atual território dos Estados Unidos ter sido obtido por meio de guerras de agressão contra o México, nas produções hollywoodianas, os mexicanos passaram a protagonizar os papeis de verdadeiros responsáveis pelos sérios problemas de criminalidade que assolavam as cidades estadunidenses. Os sempre mal-encarados e indolentes mexicanos estavam por todo lado, sempre em busca de criar problemas para os pacatos, honestos e trabalhadores cidadãos de pura cepa anglo-saxônica.

Com o advento da Guerra Fria, os filmes estadunidenses se esmeraram para que aprendêssemos a odiar os russos e toda sua falta de sentimentos. Sim, sem sombras de dúvidas, nesses filmes, os russos sempre eram apresentados como não confiáveis, inescrupulosos e instigadores do ódio entre aqueles que “só queriam a paz e o amor”. Claro que estes últimos só podiam ser referenciados por nossos bravos, bondosos e abnegados estadunidenses.

No entanto, com o fim da União Soviética, Hollywood se viu obrigado a encontrar outros inimigos mortais sobre os quais pudesse direcionar suas baterias ideológicas. Neste embalo, ganhou força o processo de demonização dos árabes e o embelezamento da atuação do colonialismo sionista do Estado de Israel. Não por casualidade, os árabes se tornaram o grupo étnico mais vilipendiado na história da cinematografia mundial.

Mas, se por um lado, o empenho em demonizar as figuras que não são favoráveis a seus objetivos está constantemente presente, por outro, há também outras situações em que o propósito passa a ser fazer o endeusamento de grupos estrangeiros que atuam em oposição aos líderes dos países que não aceitam se submeter às diretivas estadunidenses. E é por isso que, em várias ocasiões, seres dos mais horripilantes são pintados de forma a aparecer nesses filmes como anjos de bondade. Foi assim que, no momento oportuno, os terroristas de Al Qaeda entraram em cena no papel de dedicados lutadores pela liberdade (os conhecidos “freedom fighters”). Claro, valia tudo para inviabilizar o inimigo. Ou seja, punha-se em prática a conhecida máxima de que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”.

E é dentro desta última perspectiva que ganhou espaço na cinematografia hollywoodiana a “grandeza e profundidade” da filosofia dalailamiana no Tibete.

Com relação especificamente ao caso do Tibete, trazemos em associação com este texto um excelente vídeo documentário de Ahí Les Va protagonizado por Mirko Casale.

Abaixo sua versão com legendas em português:

 

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

 

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