A África está se tornando mais liberal em relação ao aborto?

O debate sobre o aborto na África está indo na direção oposta à dos EUA. A legislação em países como Benim está se tornando mais liberal. Mas procedimento ainda esbarra na resistência religiosa em certas regiões.

Escritório da coalizão de apoio a mulheres no Quênia. Foto: Tony Karumba/AFP/Getty Images

Por António Cascais, para DW Brasil

Após a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de derrubar a lei de aborto do país, a questão do direito à interrupção da gravidez voltou à agenda mundial, inclusive no continente africano.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, disse que o veredicto nos EUAfoi um retrocesso, mas ao mesmo tempo o direito ao aborto foi fortalecido em muitas regiões do mundo nos últimos 40 anos.

Para ele, é mais importante do que nunca proteger esse direito: “Todas as mulheres deveriam ter o direito de tomar decisões sobre seus corpos. Ponto”. O chefe da OMS descreveu o aborto seguro como assistência à saúde: “Salva vidas. Restrições a esse direito levam mulheres e meninas a fazerem abortos inseguros, o que leva a complicações, ou mesmo à morte”, disse Tedros.

Os padrões legais e médicos definidos pela OMS, que visam melhorar o acesso ao aborto seguro, são apoiados por inúmeras organizações não governamentais que operam na África. Uma das organizações mais ativas no campo dos direitos ao aborto é o Center for Reproductive Rights (CRR), com sede em Nova York, que visa promover os direitos reprodutivos, como o aborto.

O CRR atua como consultor para legisladores na África e apoia organizações de mulheres e famílias na África com dinheiro, informações, proteção legal e aconselhamento jurídico. O objetivo declarado desta e de organizações semelhantes é que, especialmente nos países mais pobres e populosos da África, as mulheres tenham acesso fácil e legal a abortos seguros.

Resistência cultural e religiosa em certas regiões

Os esforços estão trazendo cada vez os efeitos e resultados desejados em muitos países africanos: por exemplo, no Benim. Lá, em 2021, após longos e controversos debates, o Parlamento suspendeu muitas das restrições ao direito das mulheres ao aborto. Até o ano passado, os abortos lá só eram permitidos se a vida da gestante estivesse em perigo ou se a gravidez resultasse de estupro ou incesto.

Propaganda sobre o aborto na África do Sul
África do Sul permite aborto sob certas condiçõesFoto: Luca Sola/AFP

O Benim juntou-se assim à lista de países africanos que permitem que as mulheres façam abortos de forma legal e seguro sob certas condições. No continente africano, Tunísia, África do Sul, Cabo Verde e Moçambique têm legislação liberal semelhante.

Outro país que está tateando em direção à liberalização é Serra Leoa. Um projeto de lei destinado a legalizar parcialmente o aborto foi recentemente apresentado pelo presidente Julius Maada Bio e está sendo discutido no Parlamento de Freetown.

Gráfico com mapas de países africanos  sobre o direito ao aborto

Além das iniciativas nacionais, também há projetos em nível local e regional em outros países africanos que prometem às mulheres acesso a abortos seguros. A metrópole econômica nigeriana Lagos, por exemplo, planeja oferecer abortos em hospitais públicos. A cidade de 15 milhões de habitantes poderia, assim, tornar-se pioneira em uma lei liberal de aborto em um país com enormes disparidades econômicas, culturais e sociais, no qual há uma forte resistência cultural e religiosa ao aborto em regiões individuais.

Aborto ainda é tabu

Em muitas sociedades africanas, a questão do aborto ainda é um tabu. As opiniões sobre o assunto divergem, como foi o caso quando a DW colocou a questão do direito ao aborto em discussão em um programa para jovens africanos. Muitos jovens críticos da liberalização das leis de aborto em Serra Leoa participaram do debate.

O que a cruzada antiaborto ignora

“Os direitos humanos já se aplicam a crianças ainda não nascidas no útero. Essas crianças inocentes estão clamando por homens e mulheres corajosos para defenderem seus direitos com coragem”, disse Pender Aghogho, um usuário de mídia social da DW.

E outro usuário, Simony Kuban, concordou: “Nossas meninas estão fazendo abortos, mesmo que não seja legal. Então eu rejeito esta proposta do presidente de Serra Leoa”. A proposta de Julius Bio, disse Kuban, é “má e bárbara”.

Proteger a gestante, mesmo em situação legal difícil

Em muitos países africanos, o acesso ao aborto seguro continua muito restrito. O aborto ainda é ilegal em oito países, de acordo com o Centro de Direitos Reprodutivos. Em Madagascar, por exemplo, trabalhadores médicos que secretamente realizam abortos em mulheres podem pegar até 10 anos de prisão. No entanto, de acordo com o CRR, quase 75 mil abortos são realizados em Madagascar a cada ano.

“Tentamos salvar a vida de mulheres grávidas, mesmo em países onde o aborto é ilegal”, diz Jean Kalibushi Bizimana, consultor de obstetrícia e ginecologia da organização de ajuda Médicos Sem Fronteiras, em entrevista à DW. Ele acrescenta que sua organização está fazendo todo o necessário para garantir a confidencialidade e a segurança das mulheres. “Se a vida e a saúde das mulheres estiverem em perigo, não hesitamos em realizar abortos no local – apesar das leis restritivas do respectivo país”. Este é um princípio com o qual todos os médicos do mundo devem se sentir comprometidos, diz Bizimana.

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