Eglê Malheiros, poeta, professora, editora, roteirista, tradutora, militante e única mulher a participar do Grupo Sul, coletivo que marcou as artes catarinenses entre os anos 1940 e 1950, em todo seu percurso, completa 95 anos neste 3 de julho de 2023. Ela vive atualmente em Brasília com a filha Sônia Malheiros Miguel. É na capital federal que a família vai comemorar com Eglê os 95 anos.
Precursora em diversas áreas, como ter sido roteirista do primeiro longa-metragem filmado em Santa Catarina (O preço da ilusão, de 1958), ela construiu uma trajetória inspiradora que chega agora às telas através do telefilme documentário Eglê (Prêmio Catarinense de Cinema 2019/ANCINE/FSA), dirigido por Adriane Canan, com produção da Margot Filmes e coprodução da Lilás Filmes e Calendula Filmes. Duas sessões do filme vão acontecer no dia 12 de julho, no Museu da Escola Catarinense (MESC), em Florianópolis, dentro das homenagens pelo aniversário de Eglê Malheiros.
O documentário, que tem 82 minutos de duração, com uma equipe composta só por mulheres, percorre momentos da trajetória de Eglê e, de acordo com a diretora, busca dar visibilidade ao seu papel em diversos setores em quase um século de vivências. “Nossa escolha foi buscar todos os caminhos para que Eglê narrasse seus percursos em todo o filme. Entrevistas para televisão dos anos 1980, fitas cassete dos anos 1990, fotografias, documentos históricos, textos de todas as décadas, entrevistas atuais: é a partir dela que conhecemos sua história. E ela foi muito generosa conosco em todos os encontros. A generosidade e a coerência são traços muito fortes de dona Eglê. E aparecem muito no filme”, explica a diretora. Ela conta também que Eglê Malheiros deu opiniões sobre o documentário, foi assistindo trechos durante a montagem e repercutiu seu olhar sobre o processo com a equipe. O telefilme já está pré-licenciado pela Cine Brasil TV, um canal dedicado à produção audiovisual nacional independente.
Mais de três mil itens compõem o Acervo Eglê
Além do documentário, está em andamento o Projeto Acervo Eglê, conduzido pelas artistas visuais Gabi Bresola e Leila Pessoa, da equipe de tratamento arquivístico do documentário Eglê. “Durante o processo de pesquisa e tratamento dos arquivos para o filme, percebemos o tanto de material histórico incrível que Eglê Malheiros guardou. Desenvolvemos então o Projeto Acervo Eglê com a finalidade de triagem, higienização, catalogação, classificação, pequenos restauros de conservação preventiva, digitalização e acondicionamento do acervo de mais de três mil itens, entre manuscritos, originais, documentos e fotografias. O trabalho está em realização em parceria com o IDCH/FAED”, conta Gabi Bresola.
Além do tratamento arquivístico, que teve início em janeiro de 2023, o projeto prevê uma publicação em formato digital com textos e imagens, uma plataforma para acesso público e uma oficina que foi realizada no dia 24 de junho para produção de publicações de artista a partir do acervo. Os resultados da oficina e também itens do acervo estarão expostos no dia 12 de julho, no MESC, em um conjunto de homenagens que inclui a projeção do documentário. O projeto Acervo Eglê conta com recursos do Edital do Fundo Municipal de Cultura de Florianópolis (0623/21), é realizado pela Ombu produção e tem parceria cultural do IDCH/Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas, onde o acervo será acondicionado, FAED/UDESC e Instituto Meyer Filho.
MAIS SOBRE EGLÊ MALHEIROS
Eglê Malheiros nasceu em Tubarão, em 1928, mas logo em seguida a família mudou-se para Lages. É a primeira de quatro irmãos. Em 1932, seu pai, Odílio Cunha Malheiros, advogado, diretor do Jornal A Defesa, foi assassinado por motivações políticas, em Lages. No mesmo ano, a mãe de Eglê, Rita da Costa Ávila Malheiros, se transfere para Florianópolis com os quatro filhos pequenos. Eglê cresceu em Florianópolis e desde muito menina desenvolveu o gosto pela leitura, pelo conhecimento nas várias áreas, pela militância. Estudou em Porto Alegre, em Joinville e começou a lecionar ainda muito jovem. Ao retornar a Florianópolis, com 18 anos, cursou a Faculdade de Direito de Santa Catarina e foi a primeira mulher a se formar em Direito no estado. Também aos 18 anos, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), espaço no qual já militava anteriormente e no qual exerceu grande participação. Sua mãe, Rita, também era filiada ao PCB e chegou a ser candidata a deputada federal nas eleições de 1947.
Foi também neste período, no final dos anos 1940, que Eglê construiu, com outros companheiros de diversas áreas das artes, o Círculo de Arte Moderna, mais conhecido como Grupo Sul. Sua atuação foi muito potente: Eglê foi a única mulher a participar do Grupo Sul durante toda sua trajetória que envolve teatro, cinema, artes plásticas, a Revista Sul e as publicações das Edições Sul. Eglê Malheiros assina inúmeros textos nas edições da Revista Sul, onde também atuava em várias funções. Em 1952, pelas Edições Sul, publica seu primeiro livro de poemas intitulado “Manhã”. Com Salim Miguel, escritor com quem casou-se em 1952, teve cinco filhos e uma parceria para toda a vida, escreveu o argumento e o roteiro de “O preço da ilusão”, primeiro longa-metragem realizado em Santa Catarina e uma das produções do Grupo Sul.
Professora concursada do Instituto Estadual de Educação (na época, em 1948, então Instituto de Educação Dias Velho), lecionou História Geral, História do Brasil e História de Santa Catarina. Foi presa em Florianópolis por cerca de 50 dias em abril de 1964, logo após o golpe civil-militar, e impedida de continuar lecionando até 1979. Durante 1965 e 1979, a família de Eglê Malheiros e Salim Miguel viveu no Rio de Janeiro, onde Eglê, além de mãe e dona de casa, cuidando dos cinco filhos, trabalhou como tradutora, roteirista de cinema e na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da qual foi diretora-secretária. Foi, também, uma das editoras da revista Ficção (1976/79). Foi no Rio de Janeiro, nesta época, que fez Mestrado em Comunicação na UFRJ.
Em 1979, após a anistia, a família retorna a Florianópolis. Eglê retoma a atuação no magistério, no IEE, por mais dois anos, e se aposenta na sequência. Em 1986, é candidata a Deputada Constituinte.
Em sua produção literária publicada estão também o livro infantil “Desça, menino” (1985), “Vozes veladas” (1996) e “Os meus fantasmas” (2002). Além disso, Eglê possui inúmeras publicações em coletâneas e obras coletivas. Assinou uma coluna no Diário Catarinense durante diversos anos. Continuou participando ativamente da vida cultural, social e política em Santa Catarina, embora não mais filiada a nenhum partido, mas posicionando-se sempre na coerência por uma sociedade digna e de direitos para todos. Em sua residência, em Florianópolis, junto ao marido Salim Miguel, recebeu com generosidade muitas e muitas pessoas que pesquisavam a trajetória do Grupo Sul, a sua própria história e os temas aos quais sempre dedicou a vida. Os traços de generosidade e coerência política são registros muito fortes de todas as pessoas que falam sobre Eglê Malheiros.
Em meados dos anos 2010, mudou-se para Brasília com o marido, Salim, por necessidade de cuidados médicos. Salim faleceu em 2016, depois de 64 anos de casamento com Eglê. Atualmente Eglê Malheiros vive com a filha Sônia Malheiros em Brasília e conta também com todo o apoio e afeto dos demais filhos, Antônio Carlos Miguel, Veet Vivarta, Luis Felipe Miguel e Paulo Sérgio Miguel. Ela recebeu a equipe de gravação do documentário “Eglê” em 2018 e 2021, com muita alegria e a mesma coerência que marca seu percurso. Neste 3 de julho, aniversário de 95 anos, a família estará toda em Brasília festejando com Eglê: filha e filhos, netos, bisnetos, noras, genros.
SERVIÇO:
ANIVERSÁRIO DE EGLÊ MALHEIROS: 3 de julho
Homenagem aos 95 anos de Eglê Malheiros em Florianópolis
QUANDO: 12 de julho (quarta)
HORÁRIO: das 17 às 22 horas
ABERTURA DA EXPOSIÇÃO: às 17 horas (hall de entrada do MESC)
SESSÕES DO DOCUMENTÁRIO: às 18 e às 20 horas (cada sessão comporta 70 pessoas e a entrada será por ordem de chegada com distribuição de senhas)
LOCAL: MESC (MUSEU DA ESCOLA CATARINENSE) – Rua Saldanha Marinho, 196 – Centro, Florianópolis
CLASSIFICAÇÃO: LIVRE
Página do Projeto Acervo Eglê: https://www.
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