Gilmar Mendes decide que Bolsa Família pode ficar fora do teto de gastos

Decisão reduz dependência do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na aprovação da PEC da Transição pelo Congresso Nacional

Por Marcos Mortari, para Infomoney.

O ministro do STF, Gilmar Mendes (Divulgação)

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, na noite de domingo (18), que os recursos destinados ao pagamento de benefícios para garantir renda mínima aos brasileiros (caso do Bolsa Família, que será retomado no lugar do Auxílio Brasil pelo novo governo) podem ser garantidos a partir da abertura de crédito extraordinário e que as despesas estão fora das limitações impostas pelo teto de gastos.

O magistrado atendeu parcialmente a pedido apresentado pela Rede Sustentabilidade, partido que integra a base do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com a medida, diminui a dependência da próxima gestão na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pelo Congresso Nacional, faltando poucos dias para o início do recesso parlamentar.

“Ante o exposto, defiro parcialmente as medidas formuladas pelo peticionante para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 107-A, II, do ADCT, assentar que, no ano de 2023, o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o limite estabelecido no seu caput deverá ser destinado exclusivamente ao programa social de combate à pobreza e à extrema pobreza, nos termos do parágrafo único do art. 6º, da CF, ou outro que o substitua, determinando que seja mantido o valor de R$ 600,00, e, desde já, autorizando, caso seja necessário, a utilização suplementar de crédito extraordinário (art. 167, § 3º, da CF)”, despachou.

A ideia seria utilizar os recursos liberados a partir da PEC dos Precatórios ? regra aprovada no ano passado que aplicava sobre os pagamentos do governo federal por decisões judiciais transitadas em julgado em um exercício a mesma regra do teto de gastos, empurrando o passivo remanescente para os anos subsequentes ? para bancar o benefício em 2023.

A decisão, na prática, garante a manutenção de programa de transferência de renda no valor de R$ 600,00 mensais às famílias beneficiárias no ano que vem. Tal posição foi promessa de campanha dos principais candidatos à Presidência da República nas últimas eleições. Lula prometeu, ainda, conceder um adicional de R$ 150,00 mensais a famílias com crianças de até seis anos, de modo a atacar o problema da fome e da pobreza mais acentuado neste grupo.

Pela decisão, a verba necessária para pagar a diferença entre os R$ 405,00 mensais previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023 encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional e os R$ 600,00 prometidos pelos candidatos pode ser viabilizada por crédito extraordinário, mecanismo que poderia ser acionado por Medida Provisória por Lula após tomar posse.

O despacho ocorre no momento em que a equipe de Lula enfrentava dificuldades para destravar a PEC da Transição na Câmara dos Deputados, diante da pressão do “centrão” por espaços relevantes no novo governo antes de votar a matéria. Uma queda de braço ganhou força nos últimos dias entre o presidente eleito e Arthur Lira (PP-AL), presidente da casa legislativa, que tentará a recondução ao posto fevereiro do ano que vem.

As dificuldades levaram aliados de Lula a especular sobre a possibilidade de planos alternativos à PEC para destravar os recursos necessários para garantir o Bolsa Família “turbinado” e outras promessas de campanha, como a recomposição orçamentária de políticas públicas consideradas fundamentais pelo petista e apoiadores.

O uso de Medida Provisória para liberar créditos extraordinários para bancar os benefícios logo no início do novo governo chegou a ser discutido por aliados de Lula, mas havia preocupação com o risco jurídico da iniciativa. A Constituição Federal restringe a liberação de créditos extraordinários para casos de “despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública” ? critérios que parlamentares entendiam como difíceis de serem enquadrados no caso.

Também havia uma avaliação de que um acordo político com o Congresso Nacional poderia evitar o desconforto provocado por saídas não negociadas, como a de uma MPV ou por eventual decisão do Poder Judiciário.

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