Mudanças na previdência social rural

Repudiamos a Medida Provisória 871 para efetivar, da “noite para o dia”, mudanças no sistema previdenciário e que atacam os direitos dos trabalhadores

Imagem: Divulgação.

A CONTRAF-BRASIL manifesta publicamente seu posicionamento sobre a recente Medida Provisória n°871, editada pelo Governo Bolsonaro, no último dia 18 de janeiro, direcionada a significativas mudanças no Regime Geral da Previdência Social, afetando diretamente os agricultores e agricultoras familiares, denominados “segurados especiais”.

Repudiamos veementemente as medidas que foram tomadas, que visam alterações nas regras de concessão de diversos benefícios e aquelas que visam profundas alterações nos procedimentos para concessão e acesso dos benefícios rurais. E, de forma mais veemente, repudiamos o uso do instrumento da Medida Provisória para efetivar, da “noite para o dia”, mudanças no sistema previdenciário.

Sob o argumento de combate à corrupção, à fraude e ao desperdício de recursos públicos, o governo Bolsonaro, de forma autoritária e abusiva, ataca os segmentos mais frágeis da sociedade, para as quais a Constituição de 1988, representou, na Previdência e na Assistência Social, um fundamental processo de inclusão social e um importante resgate de uma dívida social histórica.

A Contraf Brasil entende que essa Medida Provisória é desnecessária, visto que o Governo alega uma economia da qual poderia ser alcançada a partir de uma lei que realmente cobrasse os valores dos verdadeiros sonegadores.

Para esclarecer, enquanto o Governo Temer cancelou os benefícios de 686.224 de pessoas, provocando consequências drásticas nas condições de vida das famílias mais pobres, o Governo continua a fazer vistas grossas dos desvios, sonegações e dívidas, das grandes empresas, multinacionais, bancos e financiadoras, entre outros, que acumularam nos últimos 20 anos mais de R$ 3 trilhões, dos quais não entraram nos cofres da Previdência. Esse valor atualizado passaria dos R$ 6 trilhões.

Vale ressaltar, que a análise realizada também pelo Tribunal de Contas da União (TCU), estimou que o Brasil perde cerca de R$ 56 bilhões por ano em fraudes e sonegações. A CPI constatou que esse número chega a R$ 115 bilhões.

A CPI da Previdência, que ocorreu entre abril e outubro de 2017, onde foram realizadas 31 audiências públicas e ouvidos 144 especialistas entre auditores, professores, juristas, sindicalistas, empresários, senadores e deputados, mostrou que a Reforma da Previdência, da forma apresentada, só interessa ao setor financeiro, aos bancos e às empresas de previdência privada. O trabalhador só perde com a reforma, em curso, e que deve ser colocada para aprovação no plenário este ano, com o Governo Bolsonaro.

Portanto, denunciamos o caráter abusivo dessa Medida Provisória porque o chamado Programa Especial para Análise de Benefício, imposto pela MP, com o pagamento de bônus a serem pagos aos peritos para o cancelamento de benefícios caracterizados como fraudulentos ou indevidos, prioriza os BPC – Benefícios de Prestação Continuada, os benefícios motivados por doença ou invalidez e as aposentadorias consideradas irregulares, com a punição sem provas e com prazos extremamente curtos para a defesa. As pessoas idosas, as portadoras de deficiência, doentes, inválidas, os agricultores e, especialmente, as agricultoras aposentadas por idade serão, certamente, as mais afetadas e prejudicadas. A previsão do Governo de reduzir, com tais cortes, os gastos previdenciários em R$ 9,8 bilhões por ano, demonstra que o ataque será violento e agressivo.

Denunciamos o caráter abusivo desta Medida Provisória porque as mudanças propostas nas regras de concessão de alguns benefícios (salário maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão) tem, simplesmente, o objetivo de reduzir a possibilidade do acesso.

Repudiamos o caráter abusivo desta Medida Provisória porque, de forma intempestiva, promove mudanças radicais em regras e procedimentos para acesso aos benefícios previdenciários devidos aos segurados especiais (agricultores e agricultoras familiares). Procedimentos historicamente consolidados que contribuem, de forma decisiva, na garantia de acesso aos direitos previdenciários e que, igualmente, contribuem no controle social e na lisura dos procedimentos para a concessão dos benefícios, foram totalmente excluídos das regras previdenciárias.

A primeira mudança é o fim da comprovação da atividade rural, mediante com conjunto diferenciado de documentos, como forma de comprovar a carência para acesso aos benefícios previdenciários pela agricultura familiar. A partir de janeiro de 2020, o acesso a qualquer benefício somente será garantido mediante a inscrição no Cadastro de Segurado Especial no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, a ser atualizado anualmente.

A segunda e, provavelmente, principal mudança diz respeito à total exclusão dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar e dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais como mediador de acesso aos direitos da sua categoria. A MP exclui os Sindicatos como fornecedor de Declaração de Atividade Rural, mesmo no período de transição (2019) até a implementação do Cadastro de Segurado Especial, sendo substituída por uma auto declaração do agricultor ou agricultora, confirmada por documentos que comprovam a atividade, incluindo-se a DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf, desde que esta não tenha sido fornecida pelo Sindicato ou Associação. A MP proíbe que os Sindicatos encaminhem o Cadastro de Segurado Especial, a qual somente poderá ser efetivada por um órgão público.

Ao excluir totalmente os Sindicatos dos procedimentos de acesso aos benefícios previdenciários pelos agricultores e agricultoras familiares, o Governo Bolsonaro ataca e criminaliza os sindicatos, declarando-os como entidades que, por princípio, são corruptas, fraudulentas e criminosas, desrespeitando o princípio constitucional da função social de representação garantido ao sindicalismo. E, mais ainda: o Governo Bolsonaro, deliberadamente, demonstra seu objetivo de prejudicar os agricultores e agricultoras familiares, dificultando o seu acesso aos direitos previdenciários.

A CONTRAF-BRASIL declara-se radicalmente contra todo e qualquer tipo de irregularidade e fraude que prejudiquem o sistema da Previdência Social. Mas, também se declara radicalmente contra todo e qualquer ataque sumário e autoritário aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, e contra a exclusão sem provas dos mais frágeis e contra o desrespeito às organizações sociais que legitimamente defendem a agricultura familiar. Enquanto isso, as empresas que publicamente sonegaram e praticaram apropriação indébita das contribuições previdenciárias, assim como os altos benefícios, inclusive de outros sistemas, continuam intocáveis.

Já estamos orientando nossos sindicatos para que, esclareçam os agricultores e agricultoras da sua base, sobre as reais intenções desta Medida Provisória e das intenções do atual Governo. O vínculo que essa medida representa, com a proposta da Reforma da Previdência, que estão em andamento.

Nos uniremos às demais organizações que atuam no campo e com a agricultura familiar para lutarmos contra esta Medida Provisória. Faremos todos esforços visando a negociação e a pressão junto os deputados e senadores para que, no Congresso Nacional, rejeitem esta medida. E, sobretudo, estaremos presentes junto às nossas bases, conscientizando as famílias, divulgando este criminoso ataque exatamente àqueles que produzem o alimento e, se necessário, buscando mobilizar e lutar pelos nossos direitos.

 

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