Ministério da Justiça reforça racismo contra índios do Sul

Comunidades indígenas no Rio Grande do Sul são alvo de discurso de ódio e ações violentas patrocinadas por parlamentares ruralistas e com a conivência do Ministério da Justiça. Foto: Cristina Ávila
Comunidades indígenas no Rio Grande do Sul são alvo de discurso de ódio e ações violentas patrocinadas por parlamentares ruralistas e com a conivência do Ministério da Justiça. Foto: Cristina Ávila

Por Cristina Ávila.

Um dossiê com nomes de senadores, deputados, prefeitos, autoridades de diversos escalões e policiais federais envolvidos em denúncias de crimes contra índios no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, espera há oito meses providências no Ministério da Justiça, mas é ignorado. Pior do que se omitir, o órgão do Executivo que tem a atribuição de proteção aos povos indígenas frequentemente recebe os acusados para montarem estratégias que facilitem o avanço do agronegócio sobre terras reivindicadas por populações tradicionais.

O Extra Classe acompanha, desde agosto do ano passado, o desdobramento das denúncias, que foram produzidas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), depois de viagens dos conselheiros a aldeias nos três estados da região Sul. Passado mais de um semestre sem nenhuma atenção do governo brasileiro, o documento que é constituído por 172 páginas foi  levado na sexta-feira, 5 de maio à Genebra, onde o Brasil foi sabatinado sobre situações de violações aos direitos humanos, no Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU), ao qual são submetidos todos os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), a cada quatro anos.

Desde que o dossiê foi protocolado, em 14 de setembro de 2016, sob o Ofício nº 10549/2016/SEI/CNDH/GM, o Ministério da Justiça já teve dois ministros, Alexandre de Moraes e Osmar Serraglio (PMDB/PR). Ambos foram indiferentes ao conteúdo do documento, que foi encaminhado com recomendações, como averiguação de denúncias, punição de culpados e regularizações fundiárias. Atualmente comandado por um deputado que integra a Frente Parlamentar da Agropecuária, o órgão do Executivo é provocado pelo CNDH a investigar denúncias que têm como principal foco de acusações a bancada ruralista do Congresso Nacional. Os crimes a serem investigados são principalmente de racismo, segregação, assassinatos, despejos e violências praticadas em megaoperações da Polícia Federal.

A perita Erika Yamada visitou aldeias na Região Sul e encaminhará relatório sobre violências à ONU. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

A perita do Mecanismo de Peritos da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Erika Yamada, brasileira responsável pelo encaminhamento de informações às Nações Unidas, observa que nos três estados do Sul há políticos, inclusive nas esferas estaduais e municipais, que por meio de discursos estimulam crimes e ódio. “Esses mesmos políticos estão no governo, liderando processos e instituições importantes, como é o caso do ministro da Justiça Osmar Serraglio, que é relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que pretende mudar o processo de demarcação das terras indígenas de processos técnicos para processos políticos, o que é visto pelas organizações indígenas como tentativa de impedir qualquer nova demarcação no país. O ministro já disse que terra não enche barriga de índio”, ressalta Erika.

Entre os deputados citados no relatório do CNDH está Luís Carlos Heinze (PP/RS). Ele é um dos frequentadores assíduos do Ministério da Justiça, onde estava nesta semana, quando o Brasil ainda não havia se recuperado do ataque à aldeia da etnia Gamela, no interior do Maranhão, onde um dos indígenas teve a mão decepada e crianças fugiram de uma chuva de balas. Ataque no molde padrão: as agressões partiram de proprietários rurais, incitados pelo ódio. Os discursos do deputado Heinze são extremos: “quilombolas, índios, gays, tudo o que não presta…”. Ele assume abertamente a sintonia da bancada ruralista com os mandatários que assumiram a gestão do país depois do golpe, e conta como se montam as estratégias de governo, junto ao Ministério da Justiça. O seu relato mais claro e contundente foi a uma rádio do agronegócio em Campinas, sobre a megaoperação policial realizada em 23 de novembro, nos municípios de Sananduva e Cacique Double. Oito índios foram presos:

“Estivemos com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e externamos que já haviam duas propriedades invadidas (…), os índios se achavam os donos do campinho (…) Acionamos o governador José Ivo Sartori (…) A Brigada Militar de Caxias comanda essa operação, e fizeram essa ação integrada (…) essa megaoperação da Brigada Militar e também da Polícia Federal, prendendo esses bandidos. Ação da juíza de Sananduva, o Ministério Público de Sananduva, da Polícia Federal e da Brigada Militar (…) No Brasil as coisas mudaram (…) O próprio ministro Alexandre de Moraes nos falou (…) vamos acionar a Polícia Federal e dar toda a liberdade para que possam agir (…) Desde abril temos batido nesse tema, quando o presidente Michel Temer assumiu interinamente (…) temos cobrado do ministro Alexandre de Moraes, já tivemos com ele cinco reuniões e, com a assessoria dele, outras tantas reuniões, na Advocacia Geral da União e na Casa Civil (…) que hoje [na época] coordena essa situação, a pedido do presidente Michel Temer”.

O relato de Luís Carlos Heinze coincide com o que Erika Yamada diz sobre as questões fundiárias. “A gente vê que a insegurança relacionada à demarcação das terras indígenas provoca ações violentas contra lideranças e comunidades, que ainda mais absurdamente acabam por criminalizar essas lideranças. O relatório da CPI da Funai (publicado no dia 3 de maio) comprova esse intuito de ameaçar e criminalizar lideranças que estão em defesa de seus direitos constitucionais”. Ela se refere à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados, que sugeriu na quarta-feira, 3, o indiciamento de aproximadamente 50 pessoas, desde organizações defensoras da causa indígena até o que os deputados consideraram “falsos índios”. Mais de cem projetos que excluem direitos indígenas tramitam no Congresso Nacional.

A perita esteve em aldeias no Sul. Além da função na ONU, ela é a relatora do dossiê protocolado no Ministério da Justiça, pois compôs o Grupo de Trabalho do CNDH como representante da Plataforma Dhesca, instituição que reúne organizações brasileiras especializadas em direitos humanos. Nesta sexta-feira, estará em Genebra no encontro dos países-membros das Nações Unidas. Na ocasião também serão apresentadas situações do sistema prisional brasileiro, repressão às manifestações populares, índices de violência, propostas de reformas que extinguem direitos sociais e outras violações aos direitos humanos.

O presidente do CNDH, Darci Frigo, ressalta que a impunidade é um dos principais motivos para o incitamento dos que são contrários aos direitos indígenas. Ele conta que o Conselho denunciou deputados à Câmara Federal. “A representação sequer foi analisada, considerada inepta. Ou seja, não apta a produzir efeitos jurídicos”.

O Extra Classe procurou o Ministério da Justiça e o deputado Luís Carlos Heinze para ouvir seus argumentos, mas não obteve respostas.

VIOLÊNCIA – Entre 2003 e 2015 foram assassinados 891 índios no Brasil. O estado do Mato Grosso do Sul lidera a lista de violência contra os povos indígenas, com 426 mortes, de acordo com o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (CIMI).

Fonte: Extra Classe.

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