Militantes contra o golpe de 1964 explicam semelhanças com o momento atual do Brasil

abaixo a ditaduraPor Rafael Tatemoto.

A fragilidade e a inconsistência dos argumentos que embasaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT) levaram muitos a classificar o processo como um golpe. Nos primeiros dias de governo não-eleito, Michel Temer (PMDB) já dá mostras de qual será sua agenda.

O Brasil de Fato conversou com quatro pessoas que, de alguma forma, resistiram ao governo dos militares, instalado no país em 1964. Um sindicalista, um ex-integrante da luta armada e dois jornalistas relatam porque consideram o impeachment de Dilma um golpe e comparam o atual momento do Brasil com a Ditadura dos quartéis.

Confira abaixo.

Anton Fon Filho, 69 anos, advogado e ex-integrante da Aliança Libertadora Nacional

Eu tinha 16 anos quando o Golpe de 64 veio. Logo em seguida, em setembro do mesmo ano, com 17 anos, entrei no Partido Comunista Brasileiro: antes disso não havia militado. Depois, integrei a Ação Libertadora Nacional, participando de seu Grupo Tático Armado. Fui preso em dezembro de 1969, e fiquei até dezembro de 1979.

As ditaduras são momentos de absoluta agressividade repressiva e de absoluto desrespeito aos direitos humanos. Elas têm objetivos muito bem determinados. O da Ditadura Militar brasileira foi favorecer os interesses do capital financeiro norte-americano.

Esses sinais indicam uma proximidade entre o que se passou naquele período e o que se passa agora. Em primeiro lugar, por conta da repressão. Nós estamos vendo como, imediatamente após a aprovação pelo Senado, a Polícia Militar dirigida pelos governos fascistas do PSDB se lançaram contra manifestações pacíficas. E também como o próprio governo vem lançando políticas, não só somente para violar os direitos dos trabalhadores, do povo mais pobre, mas também para favorecer os interesses das grandes empresas estrangeiras, principalmente petrolíferas.

Esse golpe [atual], em resumo, rompe o pacto que foi firmado em 1988. O que está sendo colocado agora exige de todos nós que, imediatamente, nos vejamos diante da necessidade de fazer uma luta pela restauração democrática, através de uma Assembleia Nacional Constituinte, livre, soberana e exclusiva para se firmar um novo pacto.

Chico Malfitani, 65 anos, jornalista, publicitário e fundador da Gaviões da Fiel

Minha luta contra a Ditadura começou como estudante, depois como fundador da Gaviões – criada em 1969, no auge da Ditadura – e como jornalista, na revista Veja, dirigida por Mino Carta, entre 1974 e 1979. Como jornalista, tentei ao máximo denunciar a Ditadura Militar, em uma época que havia censura prévia dentro da redação. Na Veja, a gente escrevia as reportagens e tinha um sujeito, agente da Polícia Federal, em uma mesa com dois carimbos: “vetado” e “aprovado”. Ele decidia o que os leitores podiam ler ou não.

Como repórter da Globo, em 80 e 81, também. Dentro do espaço que tínhamos na época, fizemos a cobertura das primeiras greves de metalúrgicos, do surgimento de Lula. Foi na Globo que percebi que, como jornalista, ao invés de estar ajudando para mudar esse sistema de concentração de renda injusto no Brasil, eu estava ajudando a manter.

A mídia, como estamos vendo hoje, é absolutamente parcial. O jornalismo é muito mais agente de manutenção do que da mudança. Quando eu trabalhei no Jornal Nacional, tudo de ruim acontecia fora do Brasil. Aqui, era a versão oficial de Brasília, otimista. A opinião pública estava anestesiada. Os problemas não eram revelados. Isso está se repetindo: a partir do governo Temer, o Brasil vai voltar a ser lindo e maravilhoso.

A Ditadura foi o período mais obscuro da história do país. Houve uma concentração de renda brutal – o país cresceu, mas para os ricos -, sem liberdade de expressão e de opinião.

[O impeachment contra Dilma] é uma repetição de 64 de uma maneira muito mais sofisticada e planejada. Houve um golpe em diversas frentes: jurídica, midiática e policial. Você vê a justiça investigando apenas um lado. A mídia é responsável por isso: a Globo teve um papel importantíssimo. E o pior, com a entrega das nossas riquezas do Pré-sal, a única coisa que falta ser tomada pelos estrangeiros e que poderia garantir um futuro para o país. É um programa de governo que vai mudar as conquistas trabalhistas, vai privatizar tudo. Esse programa jamais ganharia uma eleição, por isso teve golpe.

As manifestações que os jornalistas celebravam – “o povo acordou” – serão criminalizadas: “são os vândalos”. Temos um longo período pela frente. Primeiro, é preciso somar e acumular forças. Trabalhar para que a população entenda o que será tomada dela.

Sebastião Neto, 65 anos, metalúrgico e sindicalista, membro da Oposição Sindical em São Paulo

A vida inteira fui da Oposição Metalúrgica. Fui preso em 1969, com 18 anos de idade. Passei sete anos na clandestinidade.

No nosso caso particular, nós enfrentamos uma aliança entre o empresariado, a Ditadura e os pelegos, nomeados como interventores – que nos entregavam para a polícia ou o patrão. No mundo do trabalho, você estava arriscando sua família e seu emprego. Não se deixava de fazer o enfrentamento, mas não podia se expor muito. Estávamos dentro da fábrica, tentando organizar sem perder o emprego, tentando não ser identificado. Do AI-5 até 1978, nós desaparecemos de cena. Nós tivemos quatro mortes na categoria: Olavo Hansen, em 1970; Luiz Hirata, em 71; Manoel Fiel Filho; em 76 e Santo Dias, em 79. Os três primeiros mortos sob tortura e o último na porta da fábrica Sylvânia, em greve.

[O que ocorreu no Congresso] é um golpe. As pessoas votam e uma maioria parlamentar derruba. Por outro lado, não dá para se passar de vítima. Houve a aplicação de um programa [em 2015] que não era coerente com o que havia sido anunciado. As pessoas não saíram as ruas para defender o governo porque não se sentiam representadas. Isso não nos traz nenhuma satisfação, é um desastre total. Você vota e não vale seu voto, vale o voto de 300 picaretas, que decidem que não pode ser mais governo. É um drama enorme para a esquerda. Do ponto de vista político, há o risco de minha geração ver 40, 50 anos de militância indo pro brejo. Para os trabalhadores, só podemos esperar dias piores. Não temos nenhuma ilusão: é o primeiro tempo contra a Alemanha, já está 5 x 0 para os caras. É uma situação muito difícil de recomposição. Eu gostaria de ter palavras de incentivo, mas nós voltamos para o que fizemos a vida inteira: militar e resistir. Vamos passar um bom tempo na resistência. Nós temos que reconquistar o povo.

Rose Nogueira, 70 anos, jornalista e integrante do Grupo Tortura Nunca Mais

Eu tinha muito pouco engajamento. O que eu fiz foi emprestar meu apartamento para algumas reuniões, não muitas. Meu marido e eu fomos presos. Eu tinha um bebê de 33 dias. Fiquei presa nove meses. Me deram injeção à força para cortar o leite.

Faz parte dos direitos humanos – está nos escritos de São Tomás de Aquino, na Carta dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, na Declaração da ONU – o direito de resistência à tirania. Alguém questiona a Resistência Francesa? Existiu uma Resistência Brasileira, muito bonita e forte e que ajudou na conquista e na construção da democracia. As Diretas Já foram resistência de massa. O que nós fizemos foi resistir à tirania, cada um à sua maneira. Todas as formas de resistência à tirania são legítimas.

A resistência à Ditadura cresceu e se tornou de massas. A história é um processo, não um evento.

Eu vejo [o processo contra Dilma] como golpe. É um golpe de Estado por forças reacionárias e conservadoras. Quando a gente vê que grande parte dos senadores são investigados ou processados por corrupção, que moral é essa? Meu sentimento foi de profunda tristeza e decepção.

Acabei de ver um notícia de que o governo atual vai suspender a Farmácia Popular, além de outros programas. O que é isso? É penalizar os mais vulneráveis. Tem um componente muito cruel, no momento em que o mundo está abandonando o neoliberalismo, ele está sendo imposto no Brasil de forma arbitrária

[A violência policial contra as manifestações] me lembra a mesma repressão [da Ditadura]. Achei um horror, descabida, exagerada. Depois da manifestação de domingo (4), inteiramente pacífica, a polícia apareceu para reprimir, atirando a esmo. Parece coisa orquestrada. Depois ficamos sabendo da prisão dos jovens. A acusação está no condicional: “iriam praticar crimes”. Que crimes? O juiz, no dia seguinte, disse que as prisões foram irregulares e mandou soltar. No tempo da ditadura era isso. Eu fui acusada em três artigos da Lei de Segurança Nacional, somando dava 36 anos de prisão. Fomos absolvidos depois de dois anos, mas já tinham destruído nossas vidas.

Edição: José Eduardo Bernardes

Fonte: Brasil de Fato.

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