Poder público deve requisitar equipamentos e insumos para reforçar o SUS

Foto: Marcello Casal/ Agência Brasil

Por Pedro Serrano.

No plano jurídico, a existência de uma pandemia inscreve-se como uma situação de emergência ou calamidade pública de caráter extraordinário, para a qual a ordem jurídica pode e deve oferecer respostas. O constitucionalismo democrático prevê que, em situação es de emergência como a atual, o Estado tenha seus poderes ampliados, podendo, inclusive, suspender parcialmente direitos para atender as exigências do momento de crise.

Para atender a emergência sanitária que se impõe com a pandemia, o Estado pode avocar poderes de suspensão de direitos e de obstáculos procedimentais, no plano institucional, como a abertura de licitações para a compra de equipamentos médicos.

Isso não representa medida de exceção clássica, ou seja, uma ação arbitrária de persecução de inimigos, de suspensão de direitos por motivos políticos e de disputa de poder. A exceção, como se sabe, caracteriza-se pela anomia, pela falta de norma, pela ausência de legalidade. Trata-se de uma legalidade extraordinária ou um regime jurídico especial, que se estabelece para reger uma situação excepcional.

E importante observar, entretanto, que poderes excepcionais são vinculados ao estritamente necessário a solução da emergência. Se o governante os extrapolar, cometera? um delito. Mas, se deixar de exercer esses poderes, omitindo-se, também comete ilícito que, a depender da situação, pode até ser caracterizado como crime de responsabilidade ou de lesa-humanidade.

A pandemia no Brasil, sob va?rios aspectos, mas sobretudo do ponto de vista do sistema de sau?de, reflete nossa profunda desigualdade social. Como tem sido estimado pelos especialistas, entre 10% e 20% dos pacientes infectados pelo novo coronavi?rus precisam ser internados em um leito de UTI. De acordo com a Associac?a?o de Medicina Intensivista Brasileira, o i?ndice de leitos no Pai?s e? pro?ximo de 2 para cada 10 mil habitantes, dentro da recomendac?a?o da OMS. A distribuic?a?o desigual entre as redes pu?blica e privada e entre os diferentes estados torna, no entanto, a situac?a?o preocupante. Segundo dados da entidade, apenas 44% dos leitos de unidades de terapia intensiva do Brasil esta?o no SUS, responsa?vel pela assiste?ncia de tre?s quartos da populac?a?o. Somente 25% da populac?a?o tem conve?nio me?dico e, portanto, acesso a? rede privada.

Diante desse cena?rio, a legalidade extraordina?ria e?, sem du?vida, um dos reme?dios mais poderosos para conter o avanc?o da doenc?a. Ela confere ao poder pu?blico a oportunidade de requisitar instalac?o?es, equipamentos e profissionais da iniciativa privada para resolver ou minorar os problemas decorrentes da pandemia, podendo indenizar seu uso quando cessar a situac?a?o de emerge?ncia. Na realidade, na?o se trata de uma prerrogativa facultativa do poder pu?blico fazer ou na?o uso desse poder de requisic?a?o administrativa, mas de seu dever. Pai?ses como Ita?lia, Espanha e Irlanda fizeram uma “estatizac?a?o proviso?ria” dos seus recursos de sau?de e mesmo de atividades industriais de produc?a?o de medicac?a?o e equipamentos necessa?rios a? prestac?a?o de servic?os de sau?de na pandemia. Deveri?amos nos preparar para esse tipo de medida e surpreende que na?o haja por parte dos estados, munici?pios e da Unia?o um planejamento nessa direc?a?o.

Vale ressaltar que a requisic?a?o administrativa esta? prevista no inciso XXV do artigo 5o da Constituic?a?o, em leis federais e tambe?m nos decretos de calamidade pu?blica federal, estaduais e municipais recentemente aprovados. Logo, tem ampla previsa?o na?o so? na Constituic?a?o como tambe?m na legislac?a?o infraconstitucional

Ale?m de fazer valer o princi?pio da igualdade na manutenc?a?o da sau?de e das vidas da populac?a?o, ha? outra dimensa?o da legalidade extraordina?ria que precisa ser destacada e que diz respeito a? conduta do governo federal, em especial do presidente da Repu?blica. Ainda que o ministro e o corpo te?cnico do Ministe?rio da Sau?de atuem de forma relativamente eficiente na conduc?a?o da pandemia, nota-se nas atitudes de Bolsonaro um quase boicote a?s medidas sanita?rias institui?das, entre elas, a mais essencial, o isolamento social.

Quando um presidente da Repu?blica assume posturas contra?rias ao que deter- mina o pro?prio ministro da Sau?de, ele se omite em um dever que deveria cumprir. Ao propor o chamado isolamento vertical como forma de manter a atividade econo?mica, Bolsonaro age de forma irresponsa?vel, fronteiric?a com o cometimento de um crime grave. O mau exemplo talvez seja o caso mais grave que se tem de ilicitude cometida nesta pandemia e que, se na?o for corrigido, deve sofrer responsabilizac?a?o, na?o so? no plano poli?tico-administrativo, mas tambe?m caracterizado como crime de responsabilidade, ou ate? mesmo crime contra a humanidade e outros delitos pre- vistos no nosso direito penal comum.

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