Um convite para a travessia… Por Verônica de Souza Santos.

Por Verônica de Souza Santos, para Desacato.info.

Confesso que procurei diversas inspirações para a escrita desse texto e elas não me faltaram! Quando veio o convite para integrar o grupo de colunistas de Desacato, eu estava submersa a um turbilhão de notícias e fatos que mexeram demais comigo… Morte de George Floyd, assassinato de João Pedro, de Miguel e tantos outros ataques ao povo negro no Brasil e no mundo. Tantas dores e o mais difícil disso tudo era me manter firme para dar conta das inúmeras atividades que são de minha responsabilidade.

Eu sou Verônica de Souza Santos, mãe de João Victor e Flor de Maria, movimentos do meu ser, potências que me movimentam.

Leia mais: Mesa redonda “Mulheres Pretas em Movimento: Diálogos de Diáspora e Sororidade”.

Ser mãe é minha primeira função, projeto e condição. Sou filha de Domingos e de Ana Maria, quem cujo ventre eu escolhi para acessar esse mundo. Sou professora de língua portuguesa, funcionária pública federal. Desde sempre tive esse prazer/amor pela docência; todavia só recentemente comecei a entender a real funcionalidade de minha escolha. Apenas há pouco tempo entendi minha missão que é o de acender o sol das pessoas. E esta foi uma das molas propulsoras para ocupar este espaço e convidar vocês para esta travessia.

Uma jornada que requer grande responsabilidade porque tudo o que eu escrever aqui será ferramenta para conquistar a confiança de cada um que me lê. E é nessa vibração que eu preciso exercer aquilo a que me proponho em cada linha escrita: honestidade intelectual!

Sou uma mulher preta, periférica, nordestina, candomblecista! Ocupar esses lugares não é uma tarefa leve. Ainda mais para quem, além disso tudo, desenha um projeto de tese. A partir de todos esses atravessamentos, convido-os para várias provocações reflexivas. Penso que é este meu objetivo aqui: dialogar sobre várias questões a partir de um olhar que vislumbra outros caminhos.

É nessa rota que, como uma aláfia do percurso, uma referência musical mundial lança uma canção. Beyoncé, após o episódio da morte de George Floyd, lança Black Parade (Desfile Negro) e traz inúmeros signos de que falarei em outros momentos e que alicerçam os debates a que tenho me proposto.

O primeiro deles que conduz essa carreata de pensamento está nos primeiros versos da música: I’m goin’ back to the South/ I’m goin’ back, back, back, back / Where my roots ain’t watered down / Growin’, growin’ like a Baobab tree / Of life on fertile ground, ancestors put me on game. Em livre tradução, equivaleria a Estou voltando para o Sul / Estou voltando, voltando, voltando, voltando / Onde minhas raízes não foram diluídas / Crescendo, crescendo como uma árvore Baobá / Da vida em solo fértil, ancestrais me colocaram no jogo.

E com isso, faço uma convocação: rompamos com as estratégias coloniais e os paradigmas hegemônicos estabelecidos. É hora de sulear o conhecimento!

Desde lugar de estudiosa da língua, o incômodo causado pelas palavras me acompanha e nortear é uma palavra incômoda. O Norte sempre foi observado como referência por aqueles que caracterizadamente se aproximam/identificam com ele. Estas pessoas que historicamente dominam/direcionam/definem tudo o que é validado como hegemonicamente correto e necessário e aí especificamente me refiro ao conhecimento. Porque quem faz isso o faz anulando indivíduos, povos e sua história. Essa forma de manutenção e domínio ocasionou ao meu povo séculos de escravidão e dessa mesma maneira tentam nos manter até hoje. É hora de fazer outro percurso. Um percurso que nos resgata, nos localiza e nos redireciona se entendermos quais metas precisamos atingir. Quem são os protagonistas da história do Brasil? Que espaços eles ocupam? Aliás, por que uma estrutura tão desigual genocida e equivocada num país em que 56% da população é negra e com aproximadamente 358 mil indígenas? Parafraseando Abdias do Nascimento, esse é um país de indígenas, construído com o sangue negro, para benefício dos brancos. E nem os donos desse território nem seus construtores tiveram qualquer benefício básico que assegurasse suas cidadanias.

Solicito, gentilmente, que não me julguem e caso não se disponham a me acompanhar, parem por aqui, mas se aceitarem continuar, entendam que construiremos, juntes, este percurso. E será um processo constante de tessituras do fazer intelectual, forjando narrativas que centralizem mulheres e homens negros, indígenas, LGBTs. Por isso, estou aqui e o convido. Se leitor, participante desses grupos supracitados, emancipemos nosso debate de maneira a garantir a audição de nossas vozes. Se leitor partícipe de um grupo hegemonicamente centralizado, mais do que lexicalizar o seu discurso de aliado, exerça-o de maneira verdadeira e contundente. Pare de nos perguntar como fazer e pratique o desapego do privilégio. Ocupar o fronte de batalha como um verdadeiro combatente é tarefa rara entre os seus, cara gente branca! Encontre as alternativas que podem levá-los a provar um desconforto com o lugar de algoz, com o lugar de racista. E, sim, não estou aqui para dizer nada em absoluto que massageie o seu ego, que legitime sua teoria como exclusiva. Até porque para emancipar é necessário apresentar novos caminhos.

As mãos que escrevem estas linhas são mãos negras, que por muito tempo tremeram ao lembrar a voz aterrorizante da branquitude, que exigia uma leitura e uma escrita eurocentrada e norteada, mas que crava o prego do jugo racial que salientava o incômodo de ter suas perversidades reveladas.

Hoje escrevo não somente para desconfortar, mas para acordar a casa grande de seus sonos injustos, como bem disse Conceição Evaristo. Hoje escrevo para me curar e não sucumbir. E a cura é processual. Um processo que pode ser doloroso. Por vezes, extremamente doloroso. Porque revisitar os traumas dói, mas isso é necessário se os ressignificamos.

Lembremos aqui de Racionais MC’s, daqueles quatro caras que, por meio de seus versos, escancararam as mazelas do país e resgataram milhares de jovens, impedindo que eles fossem “paridos às avessas” como deflagra a poeta Lívia Natália. Em A vida é desafio, eles rimam “Que o caminho da cura pode ser a doença/ O caminho do perdão às vezes é a sentença”. Posso estar declarando aqui a minha sentença, mas insistirei na necessidade dos meus propósitos.

Essa mãe, professora, estudante, pesquisadora, militante e ativista e que quer acender sóis por esse mundo afora te convida a pensar, a reagir, a se emancipar e a emancipar os outros. Eu saúdo o teu ori. Vamos juntos!

Modupé!

41 anos da Revolução Sandinista, ou do que resta

41 anos da Revolução Sandinista, ou do que restaLeitores e leitoras do Portal Desacato e audiência do JTT Agora, bom dia.Nossa Pátria Grande, latino-americana e caribenha, tem uma natureza épica. De infinitas formas lutou e ainda luta pela sua independência definitiva e pela sua autodeterminação. Assim é nossa trajetória desde que chegou o primeiro invasor da Europa imperial. Sempre se lutou, sempre se perdeu e sempre se venceu. A palavra resistência é o selo de uma civilização que está ao sul do maior e mais violento império da história da humanidade. Uma América Latina em farrapos soube-se vestir de glória muitas vezes. Suas revoluções animaram milhões de libertárias e libertários. Uma das páginas que inspirou várias gerações de lutadores foi a Revolução Sandinista. Sua caminhada começou como consequência da ingerência do império norte-americano nascente e da influência ainda importante do decadente império britânico. Foi um campesino, Augusto César Sandino, que reuniu um grupo de patriotas que tinham por finalidade acabar com a intervenção norte-americana em território nicaraguense. Os partidários de Sandino se constituíram em guerrilha, e como tal lutaram contra os invasores entre 1926 e 1933.Conseguido o objetivo mais importante naquele momento que era a saída das tropas norte-americanas, Sandino aceitou depor as armas e em troca exigiu preservar a soberania do seu país. É nesse momento, e como aconteceu em muitas nações da nossa região, que um grupo de militares faz um acordo com os Estados Unidos e as nascentes oligarquias locais e assassinou o líder camponês. Apareceu no horizonte da jovem Nicarágua o fundador da dinastia Somoza: Anastásio Somoza Garcia. Anastásio deu início a uma saga de exploração, tortura e morte de trabalhadores e estudantes que só terminou quando a Revolução derrocou um dos maiores delinquentes e ditadores da história, Anastásio Somoza Debayle.A dinastia assassina dos Somoza governou com punho de ferro da década de 30 até os anos 70. Mas, com o auge da Revolução Cubana surge uma nova agrupação guerrilheira para torcer o destino que sangrava a nação. Era fundada a Frente Sandinista de Libertação Nacional. A Frente precisou aguardar até 1979, quando a Nicarágua estava submersa numa guerra civil, para derrocar o último ditador da família Somoza. A Nicarágua, como Honduras, a Guatemala e El Salvador sempre foram chamadas de repúblicas bananeiras a serviço do império. Quando em distintas épocas isso mudou, foram derrocados seus líderes: desde Jacobo Arbenz na Guatemala dos anos 50 até José Manuel Zelaya na Honduras de 2009.A revolução como tal parece hoje derrotada. Mas é valioso apesar dos seus erros e reconciliações com o império, e da degeneração do processo revolucionário nas mãos de Daniel Ortega e Rosario Murillo, que 41 anos depois do seu triunfo, ainda exista, de alguma maneira, a Revolução Sandinista, que um dia foi marco dos sonhos libertários dos que lutam por Outro Mundo Urgente e Possível. #Editorial #Desacato13Anos #AOutraInformação

Posted by Desacato on Monday, July 20, 2020

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