Sobre o que nunca vivi

Racismo

Por Mariana Santos.

Nunca passei por nenhum constrangimento relacionado à cor da minha pele.

Nunca fui xingada por conta de minha cor.

Nunca fui parada numa loja de departamentos por pura suspeição de que eu tivesse colocado um produto na bolsa.

Nunca saí com um amigo estrangeiro e fui tratada como prostituta por quem nos visse juntos, mesmo que eu estivesse usando uma roupa bem curtinha ou estivesse ficando com ele.

Num ônibus, as pessoas não demonstram medo de sentar ao meu lado. Se tiver um lugar ao meu lado e outro do lado de uma mulher negra, escolhem sentar do meu lado, mesmo eu sendo gorda.

Nunca foi “obrigação” de trabalho ter que “dar um jeito no meu cabelo”, para ficar com um visual mais condizente com um ambiente de trabalho fino e elegante. Isso nunca foi mencionado numa entrevista de emprego, ou em qualquer espaço profissional.

Nunca perdi um emprego por conta da minha cor.

Nunca ganhei menos num trabalho por conta da minha cor.

Não tive dificuldades de ascender profissionalmente devido à minha cor.

Não sou alvo constante de abordagem policial.

Nunca me disseram que eu era menos branca por eu ter um tom amarelado. Ou por ter sangue indígena.

Nunca ouvi piadas se eu era capaz ou não de consumir um produto baseado somente na minha cor. Ou comentário de um vendedor que nunca me viu antes que deveria fazer determinada compra em prestações para não pesar no meu orçamento familiar.

Eu nunca fiquei “invísivel” numa loja, sempre fui prontamente atendida.

Nunca me disseram que eu deveria me assumir como sendo de outra cor pra viver melhor.

Nunca fui violada por ser considerada o “fetiche” do homem brasileiro, ou do homem estrangeiro no Brasil.

Nunca me disseram que eu tinha cara de empregada doméstica.

Não me pediram para usar o elevador de serviço, ao invés do social.

Nunca ouvi que meu nariz era largo demais, ou que minha boca era grossa demais, e devia fazer plástica para ser aceita.

Em momento algum, ao trabalhar com atendimento ao público, alguém se negou a ser atendido por mim.

Nenhum médico jamais deixou de fazer exames de toque em mim.

Nunca me mandaram ligar as trompas.

Nunca deixei de receber o atendimento médico necessário para o bem de minha saúde.

Posso escutar funk e não ser rotulada como “funkeira favelada”.

Posso escutar heavy metal e não ter ninguém me olhando torto como se eu fosse alienigena.

Eu tive bonecas com as quais eu me identificava fisicamente.

Nunca tive dificuldades para me identificar com um personagem na TV. Ou em filmes.

Nunca tive dificuldade de encontrar produtos direcionados a mim.

Nunca fui seguida no shopping por seguranças.

Não sou olhada com suspeição na rua tarde da noite.

Eu Sou Branca

Mulheres negras são alvos preferenciais de estupro e violência sexual, são as que sofrem mais preconceitos no mercado de trabalho, são as que encontram mais dificuldades para aumentar sua escolaridade. As mulheres negras têm menor expectativa de vida, são as que passam por maior número de esterilização cirúrgica, além de serem as que vão a óbito mais facilmente. Quando conseguem ascender, as mulheres negras são testadas 24h por dia, para mostrar que “merecem” essa ascensão.

Eu sou branca e como tal me reconheço como privilegiada, pois sei que minhas irmãs negras, em sua maioria, já passaram por essas situações citadas por mim e que eu nunca vivi. Se não todas as situações, pelo menos muitas delas, mais de uma vez. Muitas dessas observações são frutos do que vi com elas, ou do que as ouvi contar.

A cada dia que passa, coloco em xeque meu privilégio.
Espero que lendo esse texto, mais mulheres brancas o façam também.

 *Mariana Santos e do coletivo Das Lutas Cientista social e ambiental, em apoio a 2ª Marcha Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro.

Frente ao Genocídio do Povo Negro, Nenhum Passo Atrás!

Imagem: Das Lutas

Fonte: Das Lutas

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