Seria a combi a caixa de Pandora dos viajantes? Por Carlos Weinman.

Imagem Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info.

O mensageiro tem uma atividade fácil quando tem o dever de trazer notícias que agradam aqueles que a recebem, o mesmo não ocorre com a informação carregada de sofrimento. Nesse sentido, por mais que a tecnologia esteja presente, quando se tem a capacidade de sentir a dor que a notícia possa trazer, não há meios suficientes para abrandar o sofrimento. Por esse motivo, os meios de comunicação como celulares ou smartphones, telefones, computadores e semelhantes não facilitam, possuem uma frieza lógica, não calculada, que impera na sua constituição, já que não conseguem trazer o calor humano necessário para suavizar a dor. Para piorar, muitas vezes, os meios técnicos ampliam a dor, dado que a máquina não é capaz de ter um parecer lógico que traduza os sentimentos humanos, que seja capaz de acalentar a perda, de amenizar o sofrimento. Aliás, não raramente, nem as palavras conseguem trazer o alento necessário para o ser que sofre a ruptura da perda. Por isso, o estar presente é fundamental, já que possibilita outras formas de linguagem, como por exemplo, o abraço que não termina com a dor, mas é capaz de acalentar quem perdeu o seu chão. Contudo, muitas vezes as máquinas frias são úteis, por não existir outros meios para informar ou estar presente. Talvez essa seja apenas uma forma que a percepção humana tem para encarar os fatos!

Roni estava ciente de tudo isso, não sabia como dar a notícia do sumiço de Inaiê para Deméter, sua tia, o único recurso era WhatsApp, não tinha coragem suficiente para ligar, mas era necessário, até que conseguiu digitar algumas frases curtas contando o ocorrido.

Deméter estava na sala quando recebeu a notícia sobre o desaparecimento de Inaiê, seu coração estremeceu, perdeu as forças, até que houve um estrondo, era seu corpo desvanecendo sobre o chão, Perséfone ficou aterrorizada, sem saber o que estava acontecendo, começou a gritar, Roberto foi socorrer, o medo misturado com o terror só foi menor do que sua vontade de trazer e socorrer sua amada. Alguns minutos se passaram, aos poucos Deméter recuperou os sentidos, até que teve forças para indicar com o dedo o celular que tinha o motivo do seu estado, foi quando os três se abraçaram e choraram. Quando tiveram condições, tomaram a decisão de ir para o Brasil, havia um trajeto a ser feito, a dificuldade não estava no caminho, mas no medo da perda.  No entanto, a ferrugem dos esperançosos não ganhou seu nome pelo mero acaso, nela estava contida a esperança daqueles que buscam. Os viajantes chegaram a desenvolver uma certa superstição em relação ao simples veículo. Quando estavam nela sentiam em seus espíritos não apenas a possibilidade da busca, mas, também, a esperança de encontrar.

Durante a viagem, Perséfone chegou a comparar a combi com o mito da caixa de pandora. Em uma das versões do mito temos a narrativa em que um titã, chamado Prometeu, havia roubado o fogo dos deuses e levado para os homens. O fogo representava uma grande técnica, capaz de fazer o homem transcender os limites da natureza. Diante disso, os deuses castigaram Prometeu o colocando no alto de uma colina, amarrado. Para piorar o seu sofrimento, como era imortal, uma ave de rapina devorava seu fígado durante o dia e a noite o órgão se regenerava, constituindo uma tortura eterna. Para os humanos, os deuses criaram uma mulher, que recebeu o nome de Pandora. Ela tinha um único defeito: a curiosidade. Pandora recebeu dos deuses uma caixa, foi alertada que não deveria abrir em hipótese alguma. Todavia, quando alguém é determinado pela curiosidade a pior coisa que possam dizer é que não devam fazer ou olhar para algo, foi justamente o que ocorreu, já que Pandora não aguentou de curiosidade e abriu a caixa, naquele momento começaram a sair todos os males que atingiram a humanidade. Segundo algumas versões, restara apenas a esperança. Para Perséfone, a Combi era cheia de esperança, não havia riqueza e nem cobiça.  A menina tinha certeza de que não havia nem um mal naquele veículo, apenas os anseios de alguns humanos em encontrar as pessoas. Aliás, de alguma forma ela e a mãe foram encontradas dessa maneira e passaram ser passageiras, donas de um veículo da esperança.

Roberto aproveitava todas as oportunidades para acalmar e fazer esquecer o motivo da viagem, o que era bastante difícil. Por isso, aproveitou a narrativa de Perséfone e começou a trazer algumas comparações.

Roberto– Talvez possamos comparar Prometeu com o desejo mais incessante do ser humano pela tecnologia, pela busca de conhecimento, se compararmos o fogo na antiguidade e um computador ou celular na atualidade podemos perceber uma certa semelhança sobre o papel que a técnica desempenha em nossas sociedades, chegamos a conclusão que não podemos viver sem, seria como imaginar uma sociedade castigada por um ser mágico, condenando os seres humanos a não terem as tecnologias, teríamos que nos contentar com as cartas como era no passado, certamente teríamos um sentimento de perda.

Perséfone – Ou então, sentiríamos tanta falta que o nosso sofrimento seria semelhante a de Prometeu, em relação a tortura decorrente da ave de rapina ao devorar seu fígado!

Deméter – Então poderíamos dizer que a civilização, a racionalidade e a tecnologia têm várias facetas, pois de um lado ganhamos algo e por outro perdemos. No caso com Prometeu a Humanidade ganhou a técnica do fogo, por outro lado, a humanidade foi castigada com vários males, restando para sua existência apenas a esperança.

Roberto – Se assim for, a ignorância não seria uma benção?

Deméter – Ou seria o contrário, isto é, o nosso conhecimento ser tão limitado e nós humanos tão arrogantes, incapazes de perceber outras formas de conhecimento? Desse modo, nós não seríamos os causadores dos castigos ditos divinos na antiguidade e, na modernidade, poderiam ser vinculados ao fato de nos afastar da própria humanidade, nos tornando cada vez mais isolados e individualizados, desconsiderando a pertinência dos debates sobre as questões humanas, levando a armadilha que somente uma visão de ciência, de recursos sejam importantes, esquecendo da condição humana?    

Perséfone – Nesse caso, Prometeu poderia ser o humano pensado através dos tempos, por isso seria eterno, mas a tecnologia fornecida ou desenvolvida durante os tempos seriam apenas formas de devorar ou trazer mal a si mesmo, já que parece que temos a tendência de esquecer de amar, de tratar com dignidade outro ser humano, enquanto amamos uma ideia de desenvolvimento, de sucesso, amamos mais um computador, uma tela, uma imagem, ou até mesmo um celular, trabalhamos muito para ter isso, mas será que temos o mesmo empenho para encontrar e viver bem com as pessoas que amamos?

Deméter – Mas lembra-se que nesse caminhar de Pandora, uma coisa importante ficou na caixa: a esperança! Talvez nós no mundo dos estranhos tenhamos ainda um sentimento capaz de mover, ou seja, a esperança de encontrar a humanidade perdida sufocada nas entranhas da tecnologia, de sermos capazes de olhar para educação, para a saúde, para as pessoas e não ver apenas um negócio, um jogo de poder, mas vermos o quanto precisamos do humano, que pessoas são mais que um objeto da mera técnica, dos bons negócios.

Roberto – Para isso, temos o desafio de entender que a tecnologia, a renda e tudo mais são os meios, que podem ser fundamentais por serem instrumentos para a realização e bem-estar das pessoas. Todavia, o essencial é sempre o humano!  Confesso que tenho medo de que isso seja apenas a esperança no sentido de esperar e não atitude dos esperançosos que partem para a busca da essência humana!

Acompanhe a coluna do professor Carlos Weinman, todo domingo, 20h30.

_

Carlos WeinmanPossui graduação em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Rede Pública do Estado de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.