Por Tiago Motto, assessoria de comunicação do Cimi.
Na tarde desta sexta-feira (3), o batalhão de choque da Polícia Militar do estado de Mato Grosso do Sul despejou, sem mandado judicial, indígenas Guarani e Kaiowá que haviam retomado uma fazenda localizada no território do tekoha Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (MS). Dois homens e uma mulher Kaiowá foram presos e indígenas, em número ainda não confirmado, foram atingidos por disparos de bala de borracha.
O despejo – sem mandado judicial e executado por uma força policial estadual – foi completamente ilegal, explica Anderson Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul.
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Inicialmente, segundo os relatos dos indígenas, eles foram acusados de furto, mas acabaram sendo detidos por uma acusação de desobediência. Na avaliação do advogado, trata-se estratégia utilizada com a finalidade de justificar a ação ilegal da polícia.
“O despejo ocorreu de forma ilegal, burlando a competência da justiça federal e resultando na prisão desses três indígenas, que foram detidos para justificar a atuação ilegal da Polícia Militar nessa operação”
“O despejo ocorreu de forma ilegal, burlando a competência da justiça federal e resultando na prisão desses três indígenas, que foram detidos para justificar a atuação ilegal da Polícia Militar nessa operação. Aparentemente, a detenção ocorreu por crime de desobediência”, explica o advogado.
“Agora, vamos acompanhar a situação dos três indígenas e buscar garantir a sua liberdade”, completa Anderson.
Os três indígenas detidos foram levados para a delegacia de Polícia Civil de Rio Brilhante (MS). Eles encontram-se bem e sem ferimentos graves, apesar de também terem sido atingidos por disparos de bala de borracha.
“Quem saiu atacando foram eles [policiais]”, relata a filha de um dos detidos, não identificada por segurança. “Falaram que a gente não podia ficar ali. Primeiro, a gente conversou, eles se retiraram e disseram que iriam fazer uma reunião. Quando deu uma hora, eles vieram de novo e chamaram meu pai. Fomos junto com ele, e eles falaram uma mentira, que tínhamos roubado gás. Meu pai disse para eles trazerem o dono da fazenda para conversar”.
Segundo a indígena, os tiros de balas de borracha começaram de forma repentina. “Eles disseram: ‘se vocês não se retirarem, vocês vão ver’. E já começaram a atirar. Acertaram a perna do meu avô, as costas da minha cunhada. No meio disso, todo mundo começou a correr. Meu pai tentou se defender, eles pegaram ele e algemaram”.
“Enquanto meu pai não sair [da prisão], nós não vamos sair daqui. Vamos esperar a noite toda, se precisar. Custe o que custar, vamos ficar por aqui até a volta deles”
Depois do despejo, os indígenas refugiaram-se numa área de mata próxima à sede da propriedade retomada, chamada fazenda Inho, e afirmam que permanecerão no local até que os indígenas presos sejam libertados.
“Enquanto meu pai não sair [da prisão], nós não vamos sair daqui. Vamos esperar a noite toda, se precisar. Custe o que custar, vamos ficar por aqui até a volta deles”, afirma a Kaiowá.
Além de realizar uma operação ilegal de despejo, servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) relataram ao Cimi Regional Mato Grosso do Sul que foram impedidos de acessar o local da retomada pela Polícia Militar. Os agentes deslocaram-se até a região ainda pela manhã, mas acabaram barrados numa estrada próxima à retomada.
“Esse despejo que ocorreu hoje é o sexto feito da mesma forma pela Polícia Militar do estado de Mato Grosso do Sul, sem ter uma ordem judicial. Não é competência do estado promover despejo de comunidades indígenas, pois o processo é do âmbito federal e a ordem deveria se dar por um juiz federal”, afirma Anderson.
A mais desastrosa dessas operações aconteceu em junho de 2022, quando um despejo ilegal da retomada Guapoy, na Reserva Indígena de Amambai (MS), resultou no assassinato do indígena Vitor Fernandes e deixou dezenas de outros feridos.
Retomada
Há décadas, os Kaiowá e Guarani do tekoha Laranjeira Nhanderu aguardam pela demarcação de seu território. A área chegou a ser incluída, em 2007, no Termo de Ajustamento e Conduta (TAC) firmado entre Ministério Público Federal (MPF) e a Funai que estabeleceu um plano de estudos para a demarcação de terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
O tekoha Laranjeira Nhanderu está incluído nos estudos da Terra Indígena (TI) Brilhantepegua, ainda em processo de identificação e delimitação – que deveria, segundo o TAC, ter tido sua demarcação concluída no máximo até 2009.
A fazenda Inho, retomada na madrugada desta sexta-feira (3), está sobreposta à área reivindicada pelos indígenas como parte de seu território de ocupação tradicional e, em 2022, esteve no centro de uma manobra de fazendeiros, sindicatos rurais e dos governos estadual e federal, que tentaram implementar um “assentamento rural” no local.
Para denunciar a situação e evitar que seu território fosse invadido, os Guarani e Kaiowá retomaram a fazenda em fevereiro de 2022 – e foram despejados, no mesmo dia, numa operação truculenta e ilegal da Polícia Militar, que novamente atuou sem mandado judicial.
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