Os discriminados são alvo do poder violento do estado. Por Raul Fitipaldi

É natural que se há pessoas se manifestando busquem e ganhem maior visibilidade, especialmente se sua causa é justa

Foto: Reprodução de imagem do DCM

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Em 1972, no primeiro semestre do curso de jornalismo, no Uruguai, precisei analisar uma notícia sobre o Brasil que tinha sido publicada pela revista marrom de jornalismo policial, Al Rojo Vivo. O tema em questão vinha ilustrado com fotos terríveis de cadáveres baleados e esquartejados no Rio de Janeiro, obra dos esquadrões da morte. Foi uma impressão inesquecível que me tomou a madrugada inteira desse dia invernal da linda Montevidéu.

Morando no Brasil desde outubro de 1991, fui-me acostumando com que esse papel dos esquadrões fosse cumprido por outras organizações; umas marginais, vinculadas a garimpeiros, ao narcotráfico, outras à brutalidade do Estado. Brutalidade e visão deformada que se tem do papel a cumprir, por exemplo, pela Polícia Militar.

Ontem, pouco depois de uma entrevista no JTT do Portal Desacato, com uma moradora do bairro Monte Cristo, que fica na periferia continental de Florianópolis, uma fonte me fez chegar um recorte de um comunicado da PM que teria sido enviado às redações dos jornalões da capital catarinense. O recorte dizia assim:

Note-se que além das recomendações relacionadas à suposta segurança dos repórteres, a recomendação é estendida aos cinegrafistas. Mais, especialmente, note-se que a recomendação visa que, os manifestantes, ao perceberem a presença da mídia não aumentem seus atos para ganhar mais visibilidade. Obrigado então por se preocupar pelos nossos profissionais. No entanto, precisamos abordar alguns poréns.

As manifestações acontecem contra a violência policial que deu fim a várias pessoas que, se cometeram algum crime, mereciam um julgamento justo e imparcial e não serem vítimas de uma chacina. É natural que se há pessoas se manifestando busquem e ganhem maior visibilidade, especialmente se sua causa é justa. Mais ainda, o papel da imprensa é informar, registrar os fatos, colocá-los para conhecimento da população e não o contrário. Quando os jornalistas escolhemos a profissão sabemos dos riscos que ela comporta. Sem imagens a credibilidade de um fato pode ficar comprometida, o cinegrafista também sabe os riscos da sua profissão. E sabem, jornalistas e cinegrafistas que sua obrigação é servir à população com informação verdadeira.

O teor do comunicado me levou a pensar no caso da Major Lumen Muller que, sem nenhuma explicação plausível, foi colocada em aposentadoria compulsória pelo Conselho de Justificação da Polícia Militar. Talvez, a condição de mulher transexual tenha colocado à Major Lumen sobre a lupa discriminatória da Polícia Militar. Lamentavelmente não foi convidada nenhuma jornalista e nenhum cinegrafista para presenciar a decisão sem argumentos da justiça militar. Seria para preservar a segurança dos trabalhadores da mídia e não dar visibilidade à imputada?

Por momentos sinto que a ditadura passada começa a voltar aos nossos dias. A censura e a interferência nas redações se tornam uma sombra de algo que a gente não quer viver Nunca Mais. Tal vez a Polícia Militar tem que acabar, como cantam nas manifestações que ela própria não gostaria que registrássemos para conhecimento da sociedade.

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