Seja com Moro ou Bolsonaro, contra Lula continua valendo a luta de classes. Por Jair de Souza.

Por Jair de Souza.

Acabamos de saber que o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou a decisão de abrir aos investigadores do Ministério Público as contas financeiras envolvendo o ex-juiz Sérgio Moro, declarado suspeito em suas atividades pelo próprio STF, e a empresa estadunidense Alvarez & Marsal, especializada em consultoria e gestão de empresas em situação de liquidação.

Antes de avançar em nosso texto, quero relembrar a todos que, na vida humana em sociedade, tudo depende de relações políticas. Por sua vez, as relações políticas dependem sempre, em última instância, dos embates da luta de classes.

Somente imbuídos desta consciência classista vamos estar aptos a entender como a máquina midiática corporativa pôde ser empregada de modo tão determinante para transformar o ex-presidente Lula no símbolo maior do político corrupto, enquanto que seu algoz, o ex-juiz Sérgio Moro, agora reconhecido como suspeito e inidôneo pelo próprio STF, era apresentado como o protótipo de um decido combatente contra a corrupção.

Bastaria um pequeno esforço mental por parte de qualquer investigador dotado de alguma seriedade para que os resultados alcançados aparecessem exatamente no sentido oposto daqueles propalados diuturnamente por quase toda a mídia corporativa ao longo de mais de uma década.

Porém, se as evidências apontam claramente numa direção, cabe-nos indagar as razões para que a decisão tenha sido a de fazer valer justamente o seu contrário. São estas questões que vamos procurar elucidar nas seguintes linhas de nosso texto.

Como foi possível que a aquisição junto a uma cooperativa bancária de cotas pré-edificação de um modestíssimo apartamento no Guarujá, por parte de Marisa Letícia, esposa falecida de Lula, sem que a obra concluída nunca tenha sido entregue a Lula e sua família, tenha servido para condenar o ex-presidente e trancafiá-lo por mais de 580 dias em uma cela da Polícia Federal em Curitiba?

Também, como entender que a mesma alegação tenha sido boa o suficiente para impedir que Lula, favoritíssimo em todas as pesquisas eleitorais daquele momento, pudesse disputar uma eleição que, seguramente, o levaria de volta à presidência, mas redundou na vitória de um político tão inexpressivo como era até então Jair Bolsonaro?

Na verdade, se fôssemos considerar o que a constatação nos mostra sobre o que sempre foi a prática de enriquecimento pessoal por parte dos ocupantes da chefia de governo até o período anterior a Lula, este, talvez, devesse mesmo ser condenado por ter rompido as regras e as tradições que sempre serviram para transformar os ocupantes do cargo de comando da nação em ainda mais ricos e portentosos.

Ou seja, ainda que tivesse sido provado que Lula era de fato o dono do citado apartamento, e que a empresa OAS tivesse realmente oferecido fazer-lhe algumas reformas no mesmo, ele deveria ter sido condenado por sua imbecilidade em aceitar benesses tão insignificantes, em vista de sua condição de chefe da nação. Em tal caso, nossas classes dominantes estariam repletas de razões para justificar sua indignação. Lula estaria apontando para um precedente impossível de ser aceito por elas.

Mas, como agora ninguém tem como negar a realidade, não era esse o verdadeiro motivo para efetivar a prisão de Lula e seu alijamento da vida política. O que de fato serviu como fator decisivo foram as medidas governamentais tomadas por Lula, as quais demonstraram às maiorias populares que há outras maneiras de governar, além daquelas que só servem para beneficiar os eternamente privilegiados.

Ué, se todos os que se articularam para a prisão e a exclusão de Lula do cenário político já sabiam que tudo o que estava sendo difundido contra ele era um besteirol sem nenhuma sustentação em evidências reais ou legais, por que, mesmo assim, eles decidiram forjar para Lula a qualificação de “o maior corrupto do planeta”?

Bem, é certo que, se tudo dependesse apenas da concordância e do consentimento dos donos dos grandes meios de comunicação, dos grandes banqueiros e dos latifundiários do agronegócio, toda essa encenação seria perfeitamente dispensável. Eles poderiam se reunir em algum local de festas e se jactarem em conjunto de sua grande capacidade de fazer valer seus interesses por cima de toda uma nação. O único problema para eles é que eles não chegam sequer a 1% de nossa população! E, sendo menos de 1%, por mais riqueza e poder que ostentem, eles nunca vão estar em condições de impor sua dominação sozinhos.

É para conseguir o tão necessitado apoio fora de suas próprias hostes que as classes dominantes precisam fazer uso de manipulação e tergiversação, ou, em outras palavras, partir para a enganação.

Seu principal alvo quanto a este objetivo são as camadas médias, aquelas que não dispõem de recursos que possam equipará-las (ainda que de longe) aos potentados das classes dirigentes, mas também não se encontram no mesmo nível de penúria sofrido pelas maiorias populares do país.

É fundamental para os donos do poder econômico que uma significativa parcela dos elementos vinculados às camadas médias esteja disposta a tomar as dores dos ricos e poderosos, mesmo quando seus próprios interesses objetivos não apontem em tal sentido.

Não é à toa que os especialistas a serviço dos poderosos trabalham muito com os medos, ressentimentos e preconceitos presentes de modo significativo nos indivíduos dessas tais camadas médias. Uma das principais tarefas executadas pelos técnicos encarregados de difundir o espírito das classes dominantes sobre essas camadas intermediárias é o acirramento de todo e qualquer preconceito antipobre existente na mente dos classemedianos.

Como a abordagem de temas ligados a conflitos reais envolvendo interesses materiais e de distribuição de riquezas poderiam acarretar consequências negativas indesejadas, o melhor mesmo é dar vasão aos sentimentos preconceituosos latentes na mente de quase todos os integrantes das camadas médias. É uma maneira de desviar o foco das questões reais, aquelas que poderiam levar as maiorias de classe média e as maiorias populares a se sentirem parte do mesmo barco, é ressaltar a “superioridade” moral inata dos elementos de classe média e, por sua vez, o parasitismo inerente a todo ser vinculado aos grupos das escalas de baixo da sociedade.

Não se trata de nenhuma casualidade que o tema do combate à corrupção só venha à tona em momentos em que políticos ligados aos sentimentos e interesses das maiorias populares despontem com alguma força no cenário político da nação.

Para atuar à cabeça dos movimentos que conduzem as massas camadamedianas nas lutas em favor dos interesses dos verdadeiramente ricos, é de fundamental importância que ganhem destaque sujeitos com os quais essas camadas médias possam se sentir identificados. É pouco provável que o banqueiro que dirige o Itaú, ou o Bradesco, desperte nessas camadas um forte sentimento de pertencimento. É aí que entram em cena os Sérgios Moros, os Deltans Dallagnols e os Bolsonaros da vida.

Está mais do que comprovado que, para ganhar protagonismo nos embates em defesa dos lucros do grande capital, ninguém de classe média precisa ser especialmente brilhante em termos intelectuais. É claro que se a intelectualidade estiver presente, vai ser ainda melhor. Mas, até um energúmeno, como nosso conhecido Sérgio Moro, pode desempenhar a contento o papel de servir como baluarte da defesa dos interesses dos poderosos.

Não foi a ostensiva incapacidade intelectual de Sérgio Moro, nem sua profunda desqualificação cultural, que o tornaram um sujeito imprestável para aqueles que precisavam retomar o comando político do país, que parecia ter escapado de seu eterno controle. Muito pelo contrário.

A profunda ambição por riquezas nutrida por Sérgio Moro e sua forte determinação de não se deter diante de nenhuma regra moral ou ética para atingir as metas que o fariam sentir-se como um integrante pleno das classes dominantes, tão somente isto, já poderia (e pôde) alicerçar sua atuação e levá-lo a passar por cima de tudo e de todos os obstáculos que se lhe antepunham.

Somos todos obrigados a reconhecer: Sérgio Moro, apesar de estar dotado de um dos mais opacos intelectos já vistos no mundo da política, demonstrou, por outro lado, estar imbuído de uma determinação incomparável para levar a cabo as tarefas necessárias para atingir seus objetivos. Logicamente, para que tal feito fosse materializável, era condição sine qua non que os objetivos de Sérgio Moro coincidissem com os das classes dominantes de verdade. Se assim não fosse, não poderia avançar.

Se Sérgio Moro estivesse na luta para defender a soberania nacional e os interesses da gente mais necessitada, todo o conjunto do maquinário de difusão de valores das classes dominantes teria sido lançado sobre ele e, devido a sua baixíssima capacidade intelectual, o teriam aniquilado em poucos dias de contenda. Porém, se é para colocar-se a serviço dos poderosos, a história pode ser diferente. E diferente foi a história!

É devido ao que tratei de refletir nas linhas anteriores que não podemos esperar que a grande mídia vinculada ao capital financeiro venha a dar a Sérgio Moro o mesmo tipo de tratamento que eles deram (e fracassaram no alcance de seus objetivos) ao ex-presidente Lula. Lula é visto como um de seus inimigos de classe, já, Sérgio Moro é um aliado plenamente confiável. Pode ser um grande ignorante, mas sua alma já foi ganha pelos interesses do grande capital. E é aí onde ele busca sua salvação.

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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