Regulação das plataformas e direitos digitais: hora de mobilizar. Por Marco Arenhart.

No Brasil, o debate entra em fase crítica.

Foto: VisualHunt

Por Marco Arenhart, para Desacato.info. 

Enquanto o debate sobre liberdade e responsabilização de plataformas digitais no combate a desinformação avança globalmente, com a conferência “Internet for Trust” da UNESCO entra em vigor os primeiros dispositivos do Digital Service Act (DSA) da UE. No Brasil, o debate entra em fase crítica.

Logo após a posse, o ministro da justiça, Flávio Dino, sugeriu a edição de uma medida provisória e outras iniciativas para conter os danos crescentes causados pela desinformação. Em resposta, o presidente da Câmara, contrapôs a retomada da tramitação do projeto de lei 2630/2020 (1), parado desde a rejeição da urgência no início de 2022. A expectativa criada é a votação do projeto ainda no primeiro semestre deste ano (2).

Embora a versão atual, reformulado em vários e importantes aspectos pelo deputado Orlando Silva (PCdoB), contemplando muitos avanços em relação ao projeto original aprovado no Senado, ainda apresenta muitas falhas e lacunas. De longe, a mais grave constitui no fato deste projeto se tornar um ‘Cavalo de Troia’ de um dos maiores ataques recentes a liberdade de informação. Trata-se do artigo 38, inserido nas disposições transitórias, que regulamenta a remuneração de conteúdo jornalístico. Este artigo tem a seguinte redação:

“Art. 38 Os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas de direitos de autor, na forma de regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente.

  • 1º Fica ressalvado do disposto no caput o compartilhamento pelo usuário de Localizador Padrão de Recurso (URL), o uso de hiperlinks para conteúdo jornalístico original e os usos permitidos por limitações e exceções ao direito de autor.
  • 2º Farão jus à remuneração prevista no caput pessoa jurídica, mesmo individual, constituída há pelo menos 12 (doze) meses, contados a partir da data da publicação desta lei, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil.
  • 3º Fica garantida a negociação coletiva pelas pessoas jurídicas previstas no § 2º, inclusive as que integrarem um mesmo grupo econômico, junto aos provedores quanto aos valores a serem praticados, o modelo e prazo da remuneração, observada a regulamentação “

Os problemas relativos a este artigo reside no fato de que seu principal efeito que será a reconstituir oligopólios de comunicação ameaçados pela decadência da media impressa e das formas tradicionais de anúncios pagos. Quem tem dúvida que apenas os grandes corporações de mídias terão acondiçoes materiais de fiscalizar e cobrar a remuneração de conteúdo republicado? A inspiração deste artigo parece estar no Media Bargaining Code, a puco tempo aprovado na Austrália (3). Este projeto tem sido criticado lá justamente por ter sido impulsionado e favorecer os grandes conglomerados de mídia, como o News Corp de Rupert Murdoch, que tem perdido poder econômico e politico em função do fim da era das propagandas pagas e da emergência das plataformas digitais (4).

Enquanto a legislação australiana prevê diversos mecanismos, como algoritmos para análise e identificação de republicação de conteúdos originais, a norma proposta para o Brasil parece ser uma simples autorização para empresas que tem poder econômico estabelecerem um controle sobre a produção de conteúdo jornalístico. Embora este tema deva de fato ser abordado, ele tem uma complexidade própria que não cabe no debate da regulação das plataformas para combate à desinformação. Portanto, a retirada total deste artigo é necessária e fundamental para o avanço do projeto de lei.

Mas este não é o único problema do PL 2630. Temos também o artigo 22, sobre a imunidade parlamentar. Não está claro qual o alcance deste artigo, podendo levar a permissão para políticos continuarem a usar a desinformação como instrumento.

Apesar das melhorias do substitutivo em relação ao projeto original. Ele também apresenta muitas insuficiências. O PL não conceitua com precisão o que é desinformação e seus tipos; não conceitua as ferramentas (framework) para resposta efetiva e abrangente a desinformação (ha um estudo abrangente da ONU sobre estes temas que pode ser referenciado para o projeto (5)). A questão da educação midiática e alfabetização digital é tratada de forma demasiadamente superficial, considerando a importância deste tópico para o combate da desinformação. Uma melhor conceituação, aproveitando por exemplo, o acumulo feito pela UNESCO sobre o assunto (6), poderia levar ao estabelecimento de melhores diretrizes educacionais.

Em suma, a resposta da sociedade ao problema da desinformação é necessária e urgente. No entanto, é algo que envolve tecnologias e realidades em constante e rápidas evoluções. Aprovar com pressa uma legislação que responde apenas parcialmente o problema e não está preparada para dar  resposta as evoluções que certamente virão, por meio de conceitos e instrumentos adequados à esta perspectiva de evolução pode nos deixar com um entulho jurídico e nos fazer perder uma oportunidade que sairá bem caro para a sociedade. Portanto, o momento de mobilizar e exigir o debate amplo, com reabertura de consultas públicas amplas é agora.

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