Racismo à argentina: os desafios do movimento negro por inclusão e visibilidade no país

Cota para cargos em concursos públicos, mudanças no currículo escolar e no sistema de Justiça são alguns dos desafios enfrentados pelos afro argentinos

Manifestantes sustentam cartaz com a imagem de María Remedios del Valle, Mãe da Pátria argentina / Foto: Vanessa Martina-Silva

Por Vanessa Martina-Silva, ComunicaSul.

Não existem negros argentinos. Os escravizados trazidos para cá ou morreram em combate na Guerra do Paraguai, ou durante a epidemia de febre-amarela, na década de 1870. Os que sobreviveram, fugiram para o Uruguai. Essas afirmações resumem o senso comum presente na sociedade argentina sobre a existência de pessoas negras no país.

Contraditoriamente, o país conhecido como “a Paris da América” e por suas fortes características europeias, na gastronomia, na arquitetura e no fenótipo da população, teve como seu primeiro presidente um homem negro, Bernardino Rivadavia, e deve ao continente-mãe as criações mais emblemáticas e características da nação: o tango, o assado e o doce de leite.

Além disso, a Mãe da Pátria argentina é negra. María Remedio del Valle, durante a Guerra da Independência da Argentina, foi designada capitã do Exército pelo general Manuel Belgrano por sua bravura ímpar nos campos de batalha. Morreu em 8 de novembro de 1847 com o título de sargento-maior do Exército argentino.

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Como reconhecimento do papel desempenhado por Remédio na independência argentina, desde 2013, na data de sua morte é celebrado o Dia Nacional das e dos Afro-Argentino/as e da cultura afro.

Neste ano, no décimo aniversário da criação dessa data, a Argentina presenciou a realização da primeira mobilização em defesa e direitos para a população negra do país. O ato, histórico, foi realizado na última quarta-feira (8), na cidade de Buenos Aires, e contou com a presença de comunidades negras, representantes de povos originários, de sindicatos e aliados da luta antirracista.

Marcha foi realizada no último dia 8 na capital Buenos Aires / Foto: Vanessa Martina-Silva

Para Cleonice Silva, brasileira que vive em Buenos Aires há 33 anos, esta marcha foi “uma ponte para lutar por nossos direitos. Porque somos os últimos da fila. Passa todo mundo e nós não temos nenhum direito”.

A escritora e ativista venezuelana venezuelana Lilia Ferrer, que há sete anos reside na Argentina, observa que “há um elemento comum: estamos começando a nos assumir, a nos entender como movimento. Isso significa que temos que ter processos unitários, que estejam fundamentados na identidade, no autorreconhecimento como afrodescendentes, negras e negros deste continente”.

Em um contexto em que o apagamento histórico da presença negra é notável, essa mobilização “além de ser um evento de visibilidade e de posicionamento político, também serve para pautar o tema nos meios de comunicação e na sociedade”, como aponta a advogada e professora Patricia Gómez.

“Estamos na rua porque é na rua onde nos tornamos visíveis, é na rua que levantamos nossa bandeira, é na rua onde militamos pelo reconhecimento social, político e também econômico”, acrescentou Jonathan A da Cruz, vereador de Enseada, município da província de Buenos Aires, a 50 quilômetros da capital.

Carlos Álvarez Nazareno, da Agrupação Xangô e um dos coordenadores da marcha, destaca também que o movimento argentino aprende muito “com o processo de ações afirmativas realizadas pelo Estado brasileiro durante os governos de Lula e Dilma. A Argentina também é afro e tem que ter ações afirmativas e políticas públicas para nossas comunidades”.

Um dos principais problemas da comunidade negra argentina é a inclusão no mercado de trabalho formal. “A Argentina vem transitando para a igualdade de direitos da população afrodescendente, mas falta muito. Sabemos que temos certas dificuldades para a inclusão trabalhista”, resume Nazareno.

Nesse sentido, após a marcha, foi apresentado um projeto de lei no Congresso para a criação de cotas em concursos públicos. O projeto foi apresentado no Congresso pela deputada Mónica Macha. A medida prevê que 2% das vagas nos três poderes do Estado sejam destinadas a afroargentinos, afrodescendentes e africanos residentes na Argentina.

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