Privatizada Vale lucrou R$ 235 bilhões após tragédia de Brumadinho, ignora atingidos e segue impune

Movimento dos Atingidos por Barragens critica acordo “com esquema de propaganda” realizado com a mineradora responsável pelo desastre que matou 272 pessoas em Minas Gerais

Por MAB/Divulgação

Por Josi Souza

“O governo de Minas, junto com a Vale, tentam criar uma propaganda grande para esconder as violações que fizeram sem a participação dos atingidos. Interessa às instituições e ao governo Zema tentar criar uma imagem que não existe cinco anos depois”. As declarações são do coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, em entrevista ao HP. “Foi um acordo que não discutiu a reparação integral dos atingidos”, continuou Joceli.

Ocorrida em 2019, pelo rompimento das barragens da Vale no Córrego do Feijão, na região metropolitana de Belo Horizonte, a catástrofe causou a morte de 272 pessoas (três ainda estão desaparecidas) e provocou enorme destruição nos 26 municípios atingidos. Até hoje, nenhum executivo da mineradora, que foi privatizada em 1998, foi responsabilizado pelo crime.

A mineradora já lucrou R$ 235 bilhões desde 2019. Ao mesmo tempo, atingidos pelo desastre ainda reclamam das indenizações pelo caso.

A crítica é endossada também pela vice-presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos Pelo Rompimento da Barragem Minas Córrego Feijão Brumadinho (Avabrum), Nayara Porto. “É mais uma vez o familiar (das vítimas) que não é reconhecido”. “Não tem balanço, ninguém nos considerou, não fomos convidados”. As famílias, segundo Nayara, só foram consultadas após o fechamento do valor entre a Vale e a Justiça.

No dia 19 último, na sede do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), num encontro que reuniu representantes das Instituições de Justiça e o Governo de Minas na sede do Ministério Público de MG ocorreu um balanço das ações no contexto dos três anos de celebração do acordo de reparação da tragédia-crime de Brumadinho.

O acordo de reparação foi assinado em 4 de fevereiro de 2021 com o objetivo de executar ações reparatórias da região afetada, que inclui Brumadinho e outros 25 municípios da Bacia do Paraopeba. As iniciativas se propõem à reparação socioeconômica da região e contam atualmente com 110 projetos em execução nos 26 municípios atingidos, de acordo com os compromitentes (os responsáveis pelo pacto).

Entre as ações em curso, foi citado o Programa de Transferência de Renda destinado às famílias atingidas e a Consulta Popular (fruto da luta dos atingidos), mas restam ainda mais de 160 projetos de melhoria que ainda não foram iniciados, segundo o procurador-geral de Justiça de MG, Jarbas Soares.

“As ações têm sido direcionadas a um bom propósito de realmente estruturação de políticas públicas. É necessário compreender que esse acordo é de natureza coletiva e de modo que busque-se a estruturação das políticas de saúde, de segurança, de educação”, disse Soares.

“É um acordo com esquema de propaganda para esconder a realidade e garantir que a empresa (Vale) continue impune, fazendo propaganda e ganhando dinheiro. Aliás, o acordo de Brumadinho permitiu à Vale ganhar muito dinheiro com a propaganda mentirosa que fez disparar o valor das suas ações”, rebateu o coordenador do MAB.

O representante do MAB também criticou a tentativa de superfaturamento das obras pela mineradora Vale, que revoltou os prefeitos do Vale do Paraopeba. “No caso dos municípios, eles definiriam as obras e a Vale iria realizar. Pela denúncia dos prefeitos, a Vale começou a fazer (as obras) com valor de três – a cinco vezes mais – do que as obras licitadas pelo Poder Público”.

“Os prefeitos se revoltaram, se articularam e foram pressionar e aí existe esse debate (hoje) de mudar (de atribuir às prefeituras a responsabilidade das licitações e execução dos projetos de reconstrução)”, explicou Andrioli.

Não beneficia os atingidos

“A sensação é a de que o acordo não foi benéfico para os atingidos. Essa sensação é reforçada pelo sigilo que se estabeleceu entre as instituições de Justiça e o governo decidindo tudo junto com a Vale sobre os termos da reparação e diminuindo os processos de participação popular”, disse à Hora do Povo a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL). “O papel do nosso mandato”, continuou, “é sempre pressionar para que essa participação aconteça, porque só com o protagonismo dos atingidos a gente vai viver uma real reparação”. “E com a responsabilização, claro, dos criminosos, que até hoje não foram punidos”, completou a deputada.

O esforço na esfera legislativa tem contribuído para cobrar a participação dos atingidos nas discussões e também para exigir justiça. “A Assembleia de Minas, mesmo tendo sido formalmente excluída da discussão da reparação dos danos – em solução juridicamente questionável, – não se omitiu nas suas funções constitucionais no desastre de Mariana e nem de Brumadinho”, afirmou o deputado estadual José Célio de Alvarenga, o Celinho Sintrocel, do PCdoB.

O acordo destina R$ 2,5 bilhões dos R$ 37,6 bilhões totais para obras e ações em 26 municípios da Bacia do Rio Paraopeba atingidos pelo rompimento.

O procurador-geral da República em MG, Carlos Bruno Ferreira da Silva, defendeu que sejam ouvidas as comunidades tradicionais para definir como serão usados os R$ 3 bilhões destinados à reconstrução das áreas afetadas. Defendeu ainda que o setor público que, “por vezes, pode executar (ações) melhores, em menos tempo e mais barato” execute as obras.

Citou o exemplo “malsucedido” de Mariana, também em MG, onde em 2015 o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, braço da Vale, causou mortes e destruição. A Fundação Renova, ligada à Samarco e responsável por discutir o acordo de reparação foi substituída pela Justiça Federal.

A entidade foi acusada de criminalizar e silenciar as vítimas, com ameaças, perseguições e de promover assédio e divisão entre as comunidades, ignorando os direitos dos atingidos e atuando com leniência no cumprimento dos acordos que ainda se arrastam.

Famílias ainda lutam por indenizações

“Em relação a Brumadinho, a situação não é diferente (de Mariana). Passados cinco anos da tragédia-crime, as famílias ainda lutam por indenizações”, critica o coordenador do MAB.

Até o momento, nenhum responsável por um dos maiores desastres-crimes ambientais da história do Brasil foi responsabilizado, apesar de documentos públicos e relatórios de três CPIs (Senado, Câmara e Assembleia Legislativa) atestarem que a Vale sabia que a estabilidade da barragem não era segura e que não adotou providências para tentar impedir a catástrofe.

Do total previsto no pacto, R$ 11,06 bilhões destinam-se ao governo de MG para ser repatriado entre as prefeituras. O anexo 1.3 do acordo garante R$ 2,5 bilhões para projetos de políticas públicas nos municípios ao longo da bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias, e o anexo 1.1 destina R$ 3 bilhões para projetos voltados às comunidades atingidas.

O documento é composto por cinco anexos. O anexo 1 envolves as ações do programa de reparação socioeconômica; o 2 destina-se à reparação socioambiental; o anexo 3 envolve às medidas para a mobilidade social e o 4 destina-se aos programas de fortalecimento do serviço público.

O documento inclui também os chamados “Projetos Especiais”, como a construção de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC): Bombeiros e Defesa Civil; construção de Biofábrica Wolbachia e reestruturação da Fundação Ezequiel Dias (Funed), ambas das áreas de saúde e pesquisa. Também prevê avaliação de risco, monitoramento da qualidade da água para consumo humano e um memorial em homenagem às vítimas.

Vale ressaltar que os R$ 37,6 bilhões acordados entre a Vale, governo e representantes da Justiça não envolvem as indenizações individuais. Trata-se de um montante para mitigar os efeitos da tragédia e reparar os danos físicos, econômicos, ambientais e demais impactos resultantes do rompimento da barragem.

A reportagem da Hora do Povo tentou entrevista com o procurador Carlos André e o promotor Leonardo Castro para que eles comentassem o fato de que, após cinco anos da tragédia-crime de Brumadinho, ninguém foi responsabilizado, entre outras questões.

Em resposta ao e-mail encaminhado, a assessoria de imprensa do MPMG se limitou a dizer que as questões enviadas seriam contempladas pelo balanço realizado no dia 20 de janeiro.

1 COMENTÁRIO

  1. A Vale não foi privatizada. Foi doada. U$2 bilhões . Com U$ 700 milhões no banco. Quem privatizou ela foi a facção p$db45. Serra & Etc.

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