Primeiros 30 dias do governo Lula. Por Raul Fitipaldi.

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Passaram-se os primeiros 30 dias do novo governo Lula. Foram dias intensos em diversas perspectivas, esperança e violência se reuniram no espírito dos brasileiros e brasileiras. É o Brasil de hoje, tenso, ainda distópico e disruptivo, onde visões de mundo estão enfrentadas e se atravessam em quase todos os âmbitos do país, no jornalismo inclusive. Não é o país dos primeiros dois mandatos do presidente. Nem é o mesmo mundo.

Há o que resgatar dos governos de cunho progressista anteriores, do próprio Lula e da presidenta Dilma Rousseff e há, sobretudo, que ter muita criatividade para enfrentar as realidades que impõe o trânsito infeliz pela estrada de um golpe de estado e do governo genocida de Jair Bolsonaro. Porém, levando em consideração a urgência e a paciência que a massa excluída teve durante esse período, não é mais possível convocá-la de novo. Há urgências à luz do dia e outras ainda escondidas que o novo governo deverá descobrir à vista do povo.

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Levando em consideração essa singelíssima reflexão inicial vamos, no curto espaço de que dispomos, avaliar os primeiros lances de uma virada que poderá se histórica ou decepcionante, ou incluso, nem uma coisa nem a outra, indiferente. O tempo dirá.

Foto: Marcelo Camargo

A imagem inesquecível da rampa no dia da posse, que rodou o mundo, com Lula e os/as diferentes representantes da sociedade e humanidade brasileira, além de resolver a feliz ausência do canalha ex-presidente, Jair Bolsonaro, foi um sinal de inclusão que precisa ser confirmado com firmeza em toda a gestão do atual governo. Vai além da justiça moral com os setores mais desfavorecidos da sociedade. Além da relação histórica que a sigla do presidente tem com os atores dos numerosos movimentos sociais deste país continental e multidiverso, essa presença simbólica, anterior a qualquer ato da gestão, apresentou ao mundo os que foram tratados com descaso, não apenas pelo governo fascista, racista, machista e xenófobo anterior, é mais. A imagem histórica representa um majoritário percentual de brasileiros e brasileiras excluídos e castigados desde a colônia, e ainda antes, desde a chegada dos piratas europeus. É o símbolo do Brasil que não pode esperar e que, como escrevemos antes, não pode-se permitir mais paciência. É o símbolo do, talvez, maior reto do novo governo Lula, incluir e com garantias básicas esse povo aí representado em condições de igualdade de direitos, de oportunidades e de justiça.

Ana Moser: Foto: Ricardo Stuckert

Essa simbologia precisava ter concretudes na configuração do novo executivo nacional, e a teve na criação, reconstrução e desmembramento necessário de algumas pastas. Fora de certos ministérios sobre os quais temos dúvidas e talvez as tenhamos durante toda a gestão, se foram mantidos os atuais titulares, é bom salientar algumas das pastas que foram muito bem ocupadas, ao menos do ponto de vista da necessária e urgente representatividade.

Destacamos titulares e pastas que, ao nosso ver, representam essa imagem apresentada na simbologia da rampa. A cantora Margareth Menezes em Cultura, o advogado Sílvio Almeida em Direitos Humanos, a jornalista Anielle Franco em igualdade racial, a publicitária Cida Gonçalves, no Ministério das Mulheres, Camilo Santana, cujo programa de educação no estado do Ceará é um sucesso, a socióloga Nísia Trindade na Saúde e a catarinense Ana Mosser, a priori, são ótimas notícias, ao menos pela representatividade de uma ou outra natureza.

Como citamos antes, e até por causa da frente amplíssima que o novo governo teve que formular para ganhar as eleições primeiro, e que para passar seu primeira proposta estratégica, conhecida como PEC da Transição, ainda precisou ser mais ampla que para o pleito eleitoral, a composição ministerial deixa áreas nebulosas que só apreciaremos com o peso necessário no decorrer dos mandatos. De todo modo, a representatividade do atual governo na configuração ministerial é razoável, e esperamos, muito esperançadora.

Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O Ministro da Justiça afirmou que se a frente não fosse tão ampla poderia ter acontecido um golpe de Estado no dia 8 de janeiro. É possível. Passada essa turbulência e tendo claro que a instabilidade que será produzida pelos movimentos bolsonaristas, fascistas e nazistas pode ultrapassar os 4 anos do atual governo, é necessário numa avaliação dos primeiros 30 dias de mandato do Lula, como foi o comportamento, especialmente, do presidente nesse ítem.

Até agora, dentro dos limites impostos pela complexidade da política, sobretudo no que tange ao novo Congresso Nacional, o presidente Lula agiu com celeridade, habilidade e firmeza. Podemos não gostar de um detalhe ou outro, mas o pulso do mandatário foi firme e atento e, discordâncias à parte, especialmente com as declarações do Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, cuja engenharia nos parece ainda difusa com relação à tentativa golpista, o certo é que teve no Ministro da Justiça, F. Dino e no Ministro do STF, Alexandre de Moraes, dois bons parceiros para resolver o imediato.

Luiz Inácio Lula da Silva cresceu além do resultado eleitoral, se fortaleceu, aproveitou a tentativa para aumentar seu poder de diálogo e negociação e, rapidamente, recuperar a imagem internacional que ostentou nos seus dois mandatos anteriores. A tentativa de um golpe nunca é boa para a democracia, mas, neste caso, ofereceu uma oportunidade de aumentar o capital político do presidente dentro e fora de fronteiras.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

E fora de fronteiras o sentimento é de que o Brasil voltou ao concerto internacional da mão do Lula. Fora das considerações icônicas que rodeiam Lula no cenário da Pátria Grande (América Latina e Caribe) trata-se do mais representativo líder regional em ação e é o chefe do país mais importante. Para África, Europa, Eurásia e Ásia, trata-se de um interlocutor confiável, mesmo quando Lula não concorde com algumas posturas e decisões dos países centrais. Para os BRICS volta um ator imprescindível no diálogo com Rússia, China, África do Sul e Índia, justo no momento em que outras nações pretendem formar parte da sigla: Argentina, Irã, dentre outras.

Para nossa região, o retorno do Brasil é uma notícia e tanto. Mesmo com o desacordo pontual com o Uruguai que busca um TLC próprio com a China, o que seria de fato, uma traição do governo conservador de Lacalle Pou, com o Mercosul, o que sobressai é que o Brasil voltará a ser o maior sócio ativo. Como Lula deixou claro no Centro Cultural Néstor Kirchner, em fala improvisada, não só para o Mercosul, como também para a UNASUL, Brasil trará boas notícias. Os eixos comercial, cultural, científico e industrial estão na agenda que o Brasil oferece. Não é pouca coisa para países que, depois de governos conservadores (alguns ainda existem), tem suas economias destruídas e suas riquezas roubadas.

Finalmente, Lula volta ao governo em um momento interessante para o campo progressista na região. Nunca houve tantos governos simpáticos ao Brasil, desde a revolução bolivariana até a, por enquanto, socialdemocracia de Boric. Na mesa nunca teve um governo Lula tantos interlocutores do seu campo: Petro na Colômbia, Arce na Bolívia, X. Castro em Honduras, Maduro na Venezuela, López Obrador no México e Fernandes na Argentina. Ainda contará com o apoio permanente de Cuba e Nicarágua, mais uma situação indefinida no Peru. Nada mal para arregaçar as mangas e confirmar o que se prometeu.

Edição e publicação: Tali Feld Gleiser.

Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

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