Plano diretor de Florianópolis: Audiência Púbica decepcionante

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Fotos: Luca Gebara.

Edição de vídeo: Caroline Dall ‘Agnol.

Mais uma vez a expectativa do jornalista e do cidadão foi desconstruída com apenas uma exposição. A possível matéria vira crônica. Fica superada pela contundência das declarações dos entrevistados no vídeo que Desacato Cidade produziu e que aparece abaixo destas linhas. O discurso da arquiteta Vanessa Maria Pereira, superintendente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) em fim de mandato, sócia da Empresa Occa – Arquitetas Associadas, e formada na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, demonstrou por A mais B, mais C, e mais todo o abecedário, que a Prefeitura, gestão trás gestão, é incapaz de mudar sua conduta.

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A Audiência Pública sobre o Plano Diretor, que foi realizada no Auditório Antonieta de Barros da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, na sexta-feira, 16 de dezembro, mostrou os muros que separam os interesses dos ricos e dos pobres e a intocada capacidade que tem o empresariado para interferir nas decisões públicas a seu favor.

Nas cadeiras da platéia se distribuíram, em bom número, os representantes das comunidades e das empresas. No palco, uma mesa farta de técnicos e no púlpito, defensores de uma e outra posição com relação ao que Pereira apresentou; em maior número falaram os representantes comunitários. Nesse teatro de exposição e discussões houve um mise-en-scène da OAB que defendeu com pressupostos de mérito, o lado economicamente mais robusto da pugna, o dos empresários. Isso tudo, escondido num manto de pudor e recato conveniente à atuação.

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Antes de seguir um alerta: o IPUF é um instituto técnico, a centralidade política das decisões descansa em outros territórios como a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, logo, no Poder Executivo Municipal. Portanto, feita a salvaguarda, não estamos dizendo com as linhas a seguir que há má fé no IPUF, mas, todo parece indicar que em alguma gaveta da Prefeitura Municipal de Florianópolis, parece ter.

Em concreto e sem entrar no marasmo técnico, o que se viu foi um retrocesso da discussão aos patamares de 2008. É bom lembrar que o debate vem se alastrando desde 2006, ou seja, há 10 anos. As entidades comunitárias representadas, dentre outros, pela UFECO – União Florianopolitana de Entidades Comunitárias, o Fórum da Cidade, fundado na década de noventa do século anterior na esteira das discussões do Orçamento Participativo, o Movimento Ponta do Coral, o Movimento Sem Teto, etc., deixaram claro que o IPUF estava apresentando, na proposta de caráter consultivo não vinculante, uma série de itens que não passaram em momento algum pelo debate com as comunidades. Mais ainda, que o ponto de partida do apresentado pela arquiteta Vanessa M. Pereira remetia a 2013, jogando fora toda a acumulação feita desde 2006 quando o processo abriu a esperança de que a intervenção da sociedade seria levada a sério pelo Poder Público.

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Mas isso não aconteceu. O que apresentou a superintendente do IPUF foi mais caos para Florianópolis, mais verticalidade, mas deslocamento forçado dos setores mais pobres e, sem dúvida, uma visão de urbanidade que não contempla os trabalhadores, apenas universitários endinheirados, autônomos bem remunerados, ricos e a elite que medra com os espaços que deveriam ser de todos. O pobre está fora de cogitação nessa proposta. Como se fosse pouco (e para as empresas nunca é pouco) se apresenta como grande idéia a descaracterização de bairros inteiros, como Saco dos Limões, cuja área de aterro frontal à Baia Sul será entregue a projetos consorciados para a construção de prédios e condomínios. Moles de cimento que modificarão substancialmente o visual do bairro e ocultarão, como grande tela cinzenta, a beleza natural de cima e de baixo, fomentando um bairro dividido. Os abastados frente ao mar, os pobres escondidos no morro. De fundo, a surrada ladainha de que isso é progresso.

No projeto os carros continuam asfixiando o micro-centro. Pouco se diz sobre o Transporte Público de Passageiros salvo uns corredores de circulação exclusiva, mas, nada que sugira, sequer, outro modelo de transporte mais adequado a um município rodeado de bacias hidrográficas. Quando muito, alguma vaga proposta para organizar (nem ao menos amenizar) a destruição ambiental e os inevitáveis acidentes em uma cidade inchada, com um parque automotriz desmesurado e com tremendas dificuldades de translado para a massa que produz.

O jornalista, cidadão ignorante, recorda ‘satisfatoriamente’ da exposição da arquiteta Pereira que alguns bairros poderão ter, por exemplo, mais padarias e que dará para visitar a natureza por dentro percorrendo passarelas ecológicas que não agridem os locais. Trata-se dessa ignorância que ao jornalista, como trabalhador, não lhe permitiu encontrar-se na proposta.  Nem encontramos os quase 70 pontos de pobreza solene da cidade. Mágica pura!

A jornalista que nos acompanhava perguntava com insistência: E a rede de esgoto, e a rede disto e a rede daquilo… suportam? Alguns imaginam uma cidade que rondaria os 700 mil habitantes no médio prazo, estimulando turismo e investimentos (segue a ladainha do progresso fácil).  Não, não há suporte sequer para a cidade que já temos. Mas, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis não reparou em tão simplório detalhe, ou por ordem superior, não pôde. Ao menos se avaliamos a partir da exposição da superintendente.

Um fiasco; é isso que foi a Audiência Pública na qual, jornalista e cidadão, depositavam esperanças de que seus impostos servissem para proposta melhor, inclusiva, justa, democrática, humanizadora, social, econômica e politicamente sustentável. Mas, o que viram foi um arremedo em Power Point que só foi esclarecedor num aspecto: aqui, como em qualquer cidade administrada com a exclusiva visão do lucro para poucos, de costas aos verdadeiros produtores da riqueza, a trabalhadora e o trabalhador, a velha Luta de Classes está presente.

Estas Audiências Públicas deverão desaguar numa Conferência Municipal que acabe definindo politicamente o projeto final do Plano Diretor. No entanto, não há condições sérias para isso. Há que continuar discutindo nas comunidades, há que recuperar o acumulado em todos estes anos pelos moradores de Florianópolis, revisar o que o IPUF apresentou e verificar qual é o melhor modo de pressionar o Poder Público para que seja de verdade PÚBLICO, e não uma extensão do poder privado na Capital do Estado. Precisamos um Plano Diretor para Florianópolis, não uma simulação que só contempla os de cima.

 

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