Pesquisas sobre empresas colaboradoras da ditadura avançam; MPF será acionado

Victoria Basualdo, Rosa Cardoso, Enrico Freitas e Carla Osmo: investigações sobre as empresas vão prosseguir. Foto: Divulgação

Por Vitor Nuzzi, RBA.

São Paulo – Com maior volume de dados sobre a colaboração com a ditadura no Brasil, ativistas, pesquisadores e procuradores esperam avançar na responsabilização civil de empresas. Entre elas, Aracruz, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Docas, Fiat, grupo Folha, Itaipu, Josapar, Paranapanema e Petrobras, conforme novas informações trazidas em três dias de seminário encerrado ontem (7), na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

No encerramento, os participantes enfatizaram a necessidade de uma campanha por “reparação já”. Ou seja, não basta concretizar ações de memória e verdade em relação aos acontecimentos do período ditatorial. Mas garantir a responsabilização de quem colaborou com o regime.

Comissão da Verdade

Mesmo o acordo feito no caso da Volkswagen do Brasil, tido como exemplo, é visto com ressalvas. “Poderia ter sido melhor. Há questões que não podem se repetir”, afirmou a advogada Rosa Cardoso, que integrou a Comissão Nacional da Verdade – e presidiu justamente o grupo de trabalho que investigava a participação empresarial na ditadura. “Empresa tem que se reconhecer como autora, e não dizer que lamenta (o que aconteceu naquele período). Temos de aprender com o caso Volks.”

Para o procurador Enrico Rodrigues de Freitas, do Ministério Público Federal (MPF), o desafio é transformar esse vasto material em provas. “A pressão social sobre essas empresas, salvo a dos vitimados, é pequena”, avalia. Coordenador do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas), Sebastião Neto considera uma “pedra angular” do processo a participação dos vitimados.

Lei da Anistia: empecilho

A responsabilização de empresas, e não de empresários, é um caminho para tentar escapar de uma questão recorrente: a Lei da Anistia aprovada em 1979, ainda durante a ditadura, e revalidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. Embargos contra essa decisão estão pendentes até hoje. Até 2021, o MPF havia denunciado 60 pessoas em quase 50 casos, mas as ações não costumam avançar.

Em entrevista recente à Agência Pública, o professor da Unifesp Edson Teles, coordenador do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), ressalta essa barreira. “Acionar o direito à verdade, à memória e, no caso da nossa pesquisa, também à justiça, mostra que não basta a gente ter acesso à memória e à verdade e não fazer disso um ato de reparação.” O Caaf surgiu durante o processo de retomada das investigações sobre as ossadas de Perus, encontradas em vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, zona noroeste da capital paulista.

Violações de direitos humanos

No fechamento do seminário, a professora Carla Osmo, da equipe do Caaf, destacou algumas conclusões das dezenas de pesquisadores de todo o país, que investigaram as empresas. Em nove dos 10 dos casos, eles disseram que são grandes as chances de encontrar mais indícios de violações de direitos humanos. No outro caso, as chances são “razoáveis”. Muitos relataram dificuldade de acesso a dados das próprias empresas e mesmo a arquivos públicos. Feitas com parte dos recursos vindos do acordo da Volks, os resultados deverão ser entregues ao MPF até o final do mês. A professora Victoria Basualdo, da Rede de Processos Repressivos, participou da mesa de encerramento.

Mais três pesquisas estão em andamento, envolvendo Mannesmann (hoje, Vallourec), Belgo-Mineira (ArcellorMittal) e Embraer. Devem ser concluídas até o fim do ano. O objetivo é avançar também nas chamadas investigações transversais, envolvendo temas como povos indígenas, questão de gênero e racismo.

Confira aqui o relatório dos pesquisadores.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.