Pedagogia de Paulo Freire na América Latina

Por Artieres Estevão Romeiro.

Caro leitor, é muito provável que você já tenha escutado alguma dessas afirmações:

“A educação no Brasil está ruim por causa do método Paulo Freire”. “O pensamento de Paulo Freire é um perigo para a juventude”. “Paulo Freire não é um pedagogo reconhecido mundialmente”.

Essas frases geralmente são repetidas por pessoas que não leram a obra de Paulo Freire e que não estão fazendo uma reflexão séria sobre educação. Basta estudar um pouquinho para identificar a completa falta de sentido dessas afirmações.

No (passado) dia 19 de setembro, comemoramos o aniversario de Paulo Freire, que se estivesse vivo completaria 100 anos.

Pouca gente sabe que Paulo Freire é o intelectual brasileiro mais lido nas universidades mundo afora. Sua obra, Pedagogia do Oprimido foi traduzida em mais de 40 idiomas e seu pensamento é reconhecido pela originalidade e potencial transformador.

Há 6 anos vivo no Equador e observo que Freire é amado e estudado nas principais universidades da região, de modo muito especial, os educadores da Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Equador, Peru, demonstram uma profunda identificação com Freire. Por quê? Porque Paulo Freire captou em sua obra o sentir dos povos que sofreram a dominação colonial e ao mesmo tempo apresenta a esperança de superação de todas as formas de opressão. Seu pensamento antecipa às novas formas de fazer ciência, conhecidas hoje como Epistemologia do Sul, ou Pensamento Decolonial. Ele é revolucionário porque aponta para a possibilidade de um mundo melhor, onde as pessoas são livres, emancipadas, críticas e capazes de participar ativamente da cultura construindo uma nova sociedade.

Mas, por que no Brasil encontramos tanto ódio e preconceito acerca do pensamento de Paulo Freire? Simples, porque Paulo Freire é muito perigoso. Vou tentar explicar o porquê, com 7 motivos:

  1. É perigoso porque seu método e sua forma de conceber o processo educativo não é uma receita de bolo, isto é, não parte de um modelo único e estandardizado. O modelo pedagógico de Freire exige muito mais do que a leitura de palavras, exige a leitura do mundo com suas contradições.

  2. É perigoso porque concebe a educação como um processo imanente. O que significa isso? Significa que a educação deve estar adaptada ao contexto real dos estudantes, como pessoas distintas, em lugares concretos, com características e contextos específicos.

  3. É perigoso porque deixa claro que não existe possibilidade de neutralidade ideológica na educação e na vida. Nossas decisões podem assumir uma perspectiva de opressão ou de libertação. Quem faz opção pela neutralidade já esta do lado do opressor.

  4. É perigoso porque nos convida a assumir o lugar do oprimido e a lutar contra as formas de opressão, por meio de uma pedagogia crítica e de uma consciência crítica, portanto a escola não pode compactuar com a reprodução e repetição do mundo injusto, desigual e desumano.

  5. É perigoso porque demonstra que o opressor e o oprimido podem ser a mesma pessoa e que devemos trabalhar em um ambiente de libertação permanente.

  6. É perigoso porque mostra a situação de ressentimento na educação, isto é, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

  7. É perigoso porque sua pedagogia está baseada em um sólido humanismo, derivado da tradição cristã, e nas teorias críticas ao capitalismo autoritário. Freire conviveu com Dom Helder Câmara, Dom Luciano Mendes, Dom Paulo Evaristo Arns (que também completaria 100 anos em 14 de setembro), expoentes da teologia latino-americana que buscavam uma transcendência, um “ser mais” comprometido com a erradicação da pobreza e a luta contra a injustiça.

Paulo Freire nos propõe uma utopia possível, que será construída a partir da educação das pessoas, que por sua vez, transformarão a realidade. Por tudo isso Freire é perigoso e, mais do que nunca, os brasileiros devem conhecer sua obra.

Artieres Estevão Romeiro é doutor em Educação pela UFSCar. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UTPL – Universidade Técnica Particular de Loja – Equador.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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