Por Shin Suzuki, BBC News Brasil.
A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria e amplia benefícios sociais em ano eleitoral foi remarcada para as 16h desta quinta-feira (30/06) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após colegas de Casa pedirem mais tempo para análise. A base governista tentou a aprovação do texto na noite de quarta.
Apelidada nos bastidores do Congresso de “PEC kamikaze”, pelo impacto de R$ 38,75 bilhões além do teto de gastos do governo, a medida prevê o lançamento de um “voucher” no valor de R$ 1.000 para caminhoneiros e eleva os valores do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e do auxílio para o gás de R$ 60 para R$ 120 no bimestre.
Há também uma compensação pelo transporte gratuito de idosos, com custo estimado de R$ 2,5 bilhões, e repasses para desoneração do etanol com valor total de R$ 3,8 bilhões.
A legislação eleitoral proíbe a criação de benefícios em ano de eleição, com exceção de casos de calamidade pública e estado de emergência.
O texto da PEC, que está sendo analisado a três meses das eleições presidenciais, institui um “estado de emergência” sob a justificativa do elevado aumento no preço dos combustíveis.
Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas. Após a aprovação, ela é promulgada automaticamente, sem necessidade de sanção presidencial.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, que está em viagem à Turquia, declarou “não conhecer a PEC”. À BBC News Brasil, limitou-se a dizer que “bondade em ano de eleições gerais é complicado. O cenário promete. Com a palavra, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
Para Marilda Silveira, professora de Direito Eleitoral no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), “a pretensão veiculada na PEC, se concretizada, tem uma conduta que é expressamente vedada na lei 9.504, artigo 73, parágrafo 10. Há uma vedação expressa de distribuição de qualquer tipo de benesse que não tenha autorização expressa na lei e que não esteja em execução no ano anterior”.
“Essa emenda constitucional nasce com desvio de finalidade”, diz Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral.
“É uma forma jurídica de tentar passar por cima dessas vedações. A intenção é maliciosamente passar a perna na lei”, afirma. “É uma mágica jurídica que estão querendo fazer e um precedente perigoso.”
Justificativa para estado de emergência
O relator da matéria, o senador e ex-líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE) menciona a Guerra na Ucrânia e o impacto sobre os combustíveis para pedir o reconhecimento do estado de emergência.
“É essencial reconhecer que o país passa por uma situação de emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis, com seus impactos diretos sobre o custo de vida, e indiretos, via efeitos de segunda ordem sobre a inflação”, diz um trecho do parecer.
“A PEC perigosamente caracteriza o estado de emergência para que esses benefícios possam ser concedidos”, afirma Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio.
Para Alberto Rollo, “estado de emergência é uma situação de exceção. Uma situação de exceção não pode ser criada artificialmente”.
Marilda Silveira analisa que a intenção da PEC “é tentar constitucionalizar uma emergência. Mas emergência é uma questão de fato, não é uma questão jurídica”.
“A competência é do presidente para decretar casos de calamidade como foi feito na pandemia. Se estão fazendo por PEC é porque eles sabem que tem fragilidade no argumento”, diz ela.
Segundo Quintanilha, “a justificativa é muito frágil porque não há nenhum envolvimento direto do país com a guerra. Portanto, há o risco de que até mesmo no Tribunal de Contas seja reconhecido como não sendo um fundamento razoável.”
“Se o governo federal conseguir aprovar essa medida, ele deixa um rombo orçamentário enorme para o próximo governo que pode ser ele próprio. Dessa forma, o Brasil retroage no tempo para antes da lei de responsabilidade fiscal, um período em que um governo saía e deixava o rombo orçamentário para o governo seguinte.”