Paixão pascal

Por Roberto Liebgott.

Corpos surrados, escravizados, estendidos, arrastados, marginalizados.

Não há uma cruz de madeira, nem coroas de espinhos cravadas sobre suas cabeças.

Não há chicotes de couro, soldados, empurrões, quedas pelo caminho do calvário ou Cirineus.

Não há pregos, martelos e crucificação no alto de uma montanha, nem os dois ladrões a ocupar os lados.

Não há espectadores a segui-los pelos caminhos tortuosos das agressões cotidianas e a chorar a dor alheia.

Mas há fome, miséria, angústias, dores, desesperanças, incertezas e melancolias.

Há, nos fins dos dias, sombras nebulosas, noites de insegurança, mal dormidas, já que acordar significa voltar a viver os desalentos.

A paixão pascal dos pobres e oprimidos se da na Semana Santa e durante todos os dias Santos subsequentes, onde a Via Sacra da barbárie se impõe.

Onde a morte do pobre é efeito colateral, porque o torna um a menos na mendicância, um a menos no SUS e na fila pelos benefícios sociais.

Por este Cristo não haverá multidões a espera da ressureição, ele é apenas um a menos nas estatísticas dos desvalidos.

Paixão, morte e ressureição é utopia cristã, transportada para o futuro – de geração para geração – dando as pessoas conformismo e consolação.

O Cristo da Cruz de madeira e da coroa de espinhos não padeceu para ensinar a sofrer, morreu porque aqueles que andavam com Ele o traíram e se acovardaram.

Não quiseram segui-lo, preferiram celebrar a ceia, as moedas, os privilégios e fugiram, abandonando o irmão à morte.

A Páscoa virá se houver conversão, mas não se trata de ressuscitar da morte, mas de fazer viver os sujeitos do Evangelho.

Eles são os famintos, os doentes, os presos e injustiçados, os banidos da paz e dos espaços de segurança e conforto.

Eles são os Povos Indígenas, os Quilombolas, os pobres das favelas, os desprotegidos e atacados em seus corpos, culturas e territórios.

São os velhos abandonados, as crianças sem teto, os moradores de rua.

São as mulheres violentadas, as lésbicas, os gays e travestis assassinadas.

Cristo não veio para redimir os ricos de seus pecados, veio para que lutemos contra eles, pois somente haverá Páscoa se os enfrentarmos sem medo, censura ou covardia.

Como dizia o Cacique Xicão, do Povo Xukuru do Ororuba, de Pernambuco, assassinado a mando de fazendeiros por defender os direitos de seu povo: “Em cima do medo a coragem”.

Uma Feliz Páscoa sem medo.

Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.
A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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