Por João Soares.
A economia não é uma ciência exata. Por trás de números e equações estão visões de mundo variadas, que propõem caminhos distintos para a atividade econômica, ou seja, para a maneira como um país produz bens e oferece serviços. Mas o que distingue essas visões como posições de direita ou de esquerda?
O pensamento econômico de direita se identifica com o liberalismo, que se caracteriza pela defesa da livre iniciativa e do Estado mínimo. De acordo com essa corrente, a “mão invisível” do mercado – termo cunhado pelo filósofo britânico Adam Smith para designar o equilíbrio que decorre da livre concorrência – produz as condições necessárias para o desenvolvimento econômico e social. Ao Estado cabe atuar em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança, sem criar obstáculos à atuação da iniciativa privada.
Outra corrente do liberalismo, surgida nos Estados Unidos, está representada nas ideias da Escola de Chicago. Elas foram inicialmente postas em prática nos governos de Augusto Pinochet (Chile), Margareth Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (EUA).
As ideias dos economistas ligados à Escola de Chicago tiveram grande influência sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial nos anos 1980 e foram postas em práticas em muitos países pobres. O neoliberalismo, termo pelo qual também ficaram conhecidas, é um tradicional alvo da esquerda, principalmente na América Latina. Para muitos economistas, essas ideias também estão na raiz da crise financeira de 2008.
A esquerda, por sua vez, entende que a atuação do Estado é fundamental para impulsionar a atividade econômica e a melhora das condições sociais. O mercado sozinho – ou seja, as empresas entregues à livre concorrência – não seria capaz de se autorregular nem de corrigir as distorções econômicas e sociais que ele mesmo produz. Além disso, a orientação para o lucro não daria conta de impulsionar setores estratégicos, nos quais o investimento só tem retorno no longo prazo. O principal teórico dessa corrente foi o economista britânico John Maynard Keynes – por isso, essa abordagem é chamada de keynesiana.
Nesse espectro político, há também a corrente marxista, que pregava a substituição da propriedade privada pela propriedade comum, em forma de cooperativa. O trabalho seria voltado às necessidades coletivas em vez dos lucros individuais. Após a derrocada das experiências comunistas do século 20, esse discurso perdeu força.
Brasil: de privatizações a Bolsa Família
No Brasil, a divisão entre esquerda e direita no campo da economia perpassa o debate sobre o nacionalismo econômico. Historicamente, o pensamento de esquerda defende a estatização da exploração de recursos naturais estratégicos, como o petróleo, e mantém ressalvas quanto à participação do capital estrangeiro na economia. Por outro lado, o liberalismo apoia privatizações, em maior ou menor escala, como forma de estimular a economia.
Uma análise dos últimos anos mostra que as posições dos partidos sobre o papel do Estado como provedor do bem-estar social varia de acordo com as circunstâncias políticas.
A importância de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, por exemplo, era criticada por políticos e intelectuais ligados à direita. Com os resultados positivos da iniciativa, que se refletiram eleitoralmente, a disputa passou a se dar sobre quem teria sido seu verdadeiro idealizador.
Por sua vez, após os governos petistas terem combatido os efeitos da crise de 2008 com políticas anticíclicas, apostando no consumo como alavanca de impulso à atividade econômica, a ex-presidente Dilma Rousseff mudou o rumo no segundo mandato. Ante o crescente rombo fiscal, observaram-se cortes em benefícios sociais, como o seguro-desemprego, e o aumento da taxa de juros.
Em pesquisa do Datafolha publicada em julho do ano passado, constatou-se que 76% dos brasileiros acreditam que o Estado deve ser o principal responsável por fazer a economia crescer, posicionamento ligado à esquerda. Por outro lado, 51% desejam pagar menos impostos, e 54%, depender menos do governo – posições associadas ao liberalismo, ou à direita no campo da economia.
Eleições 2018: impostos e teto de gastos
Na disputa eleitoral deste ano, a divisão mais clara entre as duas visões econômicas se observa no tema fiscal. Ante uma estimativa de déficit superior a 100 bilhões de reais em 2018, a corrente liberal defende cortes de gastos, conforme previsto pela chamada PEC do teto dos gastos, de modo a reequilibrar as contas públicas. Tal objetivo é considerado primordial para a retomada da confiança do mercado e o crescimento econômico.
Tradicionalmente, a corrente liberal defende enfaticamente a necessidade de cumprir o superávit primário, ou seja, obter uma arrecadação superior aos gastos daquele ano. Esse valor deveria ser utilizado, então, para amortizar parte da dívida pública e os juros que incidem sobre a mesma.
No pleito deste ano, essa abordagem ortodoxa sobre o controle de gastos é refletida nas propostas de Alvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (Novo) e Marina Silva (Rede).
Entretanto, há divergências em relação à defesa da PEC do teto, que congela os gastos em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança, por 20 anos. Somente as candidaturas de Amoêdo, Bolsonaro e Meirelles defendem a manutenção integral da medida. O restante dos presidenciáveis já manifestou que pretende rever as determinações da PEC, por considerarem que a restrição orçamentária é exagerada.
A doutrina keynesiana, por sua vez, defende que o Estado não opera na mesma lógica do orçamento de uma família. Portanto, pode gastar mais do que arrecada, visto que esse investimento irá retornar para a economia, no longo prazo, na forma de impostos e outras receitas geradas pelo impulsionamento da atividade econômica e consumo.
Entre os postulantes à Presidência, Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT) estão alinhados a essa visão, considerada de esquerda. Consequentemente, são contra o teto de gastos e já manifestaram que irão revogar a PEC caso sejam eleitos. Para frear o aumento do déficit, eles defendem uma maior taxação dos mais ricos como forma de engordar o orçamento sem desestimular o consumo das famílias.
O cientista político Geraldo Tadeu, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), explica que, com exceção de partidos ideológicos como o PSTU e PCO, que usam a campanha com fins pedagógicos, a natureza do período eleitoral impõe aos partidos a necessidade de flexibilizar seus programas, sem ficarem completamente à esquerda ou à direita no espectro político-econômico. “No processo eleitoral, a busca é pela obtenção do maior número de votos. Com posições muito fechadas, o candidato por afastar do seu alvo eleitores que não concordem com seu programa”, afirma.