O Governo de Bolsonaro parece ser compulsivamente destrutivo e farsante. Por Roberto Liebgott.

Foto Marcos Corrêa/PR.

“Ele não conhece pessoas famintas
Ele não conhece pessoas sem emprego
Ele não conhece pessoas sem teto
Ele não conhece pessoas que sofrem”.
(Fela Kuti – V.I.P. (Vagabonds in power)

 Por Roberto Antônio Liebgott, para Desacato. info.

O Tribunal de Contas da União (TCU), em seu relatório anual sobre os gastos públicos, relativos ao primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro, emitiu parecer favorável das contas, mas fez 14 ressalvas, sendo sete irregularidades, seis impropriedades e uma distorção, além de apontar 29 distorções no Balanço Geral da União. No parecer foram apontadas ainda 21 recomendações ao Poder Executivo e sete alertas.

Dentre os tantos problemas registrados pelo TCU, está a irregular capitalização da Emgepron, empresa estatal não dependente vinculada ao Ministério da Defesa, no montante de R$ 7,6 bilhões. Partiu também do TCU, determinação que proibiu o governo Bolsonaro de pagar anúncios em sites que realizam atividades ilegais. A decisão do ministro Vital do Rêgo cita casos em que foi veiculada publicidade em páginas que disseminavam fake news, conteúdo infantil, a favor do jogo do bicho ou no idioma russo.

As medidas determinadas pelo TCU ocorrem ao mesmo tempo em que um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF), investiga a disseminação de notícias falsas, suas fontes de financiamento, bem como a suspeita de haver uma organização criminosa instituída dentro e no entorno do governo para promover campanhas e discursos contra ministros do STF e parlamentares. No Congresso Nacional, fala-se da existência, dentro do Palácio do Planalto, de um “gabinete do ódio”, organizado para atacar opositores do governo Bolsonaro.

O STF também dá andamento a uma investigação sobre a suposta interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal. O presidente da República será ouvido pela Polícia Federal. As investigações foram prorrogadas pelo ministro Celso de Melo.

Em âmbito internacional, o governo Bolsonaro vem sendo denunciado em diversas instâncias. São ações que questionam a falta de política de proteção ao meio ambiente ou a nefasta omissão quanto ao enfrentamento da pandemia do coronavírus.

Como se verifica, Bolsonaro encontra-se sob suspeita, ou seja, a sua administração vem sendo questionada e ameaçada. O governo está, como se diz na linguagem popular, no fio da navalha. E não só a administração de Bolsonaro é questionada. Sua trajetória parlamentar é repleta de interrogações e contradições. Até seu afastamento do Exército ficou maculado por práticas nada condizentes com as normas militares, pois, conforme o colunista Ricardo Kotscho, em matéria publicada em 03 de junho de 2020, no site UOL, “ele e outro oficial haviam elaborado um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio”.

As investigações e denúncias cercam também os filhos de Jair Bolsonaro. Dois deles são investigados por supostamente desviarem recursos públicos através da contratação de funcionários fantasmas. Segundo o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, o ex-deputado estadual e agora senador, Flávio Bolsonaro, seria “líder de uma organização criminosa responsável pelo desvio de dinheiro público”. “As provas permitem vislumbrar que existiu uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, entre 2007 e 2018, destinada à prática de desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro”. O filho do presidente vem sendo investigado pela suposta prática de “rachadinha”.

Carlos Bolsonaro também é alvo de inquérito sobre funcionários fantasmas em seu gabinete. Pessoas que foram admitidas pelo vereador, confessaram nunca terem estado na Câmara do Rio de Janeiro. Suspeita-se que os desvios de recursos públicos – que ao longo dos anos chegou a cifras de milhões de reais – serviram para enriquecer o clã Bolsonaro. E, é de conhecimento público a ligação do senador Flávio Bolsonaro com o miliciano Adriano da Nóbrega. Parentes do ex-policial, expulso por ligação com a contravenção, foram empregados no gabinete do então deputado estadual.

A campanha eleitoral de Bolsonaro também foi posta sob suspeição, com o argumento de que nela se teria praticado uma série de irregularidades, como o uso de robôs para difundir, através de redes sociais e aplicativos como o WhatsApp, notícias falsas sobre candidatos concorrentes.

O histórico de Jair Messias Bolsonaro como militar, parlamentar, candidato e agora presidente da República é infectado pelo vírus da desconfiança. Sua trajetória política parece inspirar-se no estelionato. Como parlamentar, nunca construiu nada em termos legislativos. Não há registro de um projeto de lei significativo para a sociedade ao longo de 27 anos de atuação no Congresso Nacional. No parlamento, sua opção sempre foi pelo escárnio aos outros e predileção por afrontar a democracia.

Passados mais de um ano e meio, o governo se sustenta, basicamente, por três razões fundamentais: pela tolerância dos blocos de poder – econômico, político e jurídico nos âmbitos internos e externos – com a destruição das políticas sociais, culturais, educacionais, ambientais, de segurança e saúde pública; pela aceitação, por uma significativa camada da sociedade, de práticas reacionárias vinculadas ao machismo, à xenofobia, à homofobia, ao racismo, ao fundamentalismo religioso e a violência como alternativa de proteção na sociedade, travestida pela ideia de segurança; e pelo falseamento de informações – como estratégia de comunicação e informação junto à população – sobre as medidas políticas e administrativas do executivo federal.

Ao analisar os principais acontecimentos e medidas de governo, ao longo deste período, tem-se uma noção do desmonte e da destruição que se praticou. Destruiu-se, neste período, a seguridade social, com a Reforma da Previdência; houve o aprofundamento da desregulamentação das leis trabalhistas, iniciada no governo Temer; houve a adoção de medidas administrativas para aniquilar com os órgãos de fiscalização e proteção ao meio ambiente – convive-se com um caos ambiental no país em função do desmatamento e das queimadas; houve incentivo à grilagem de terras, com a edição da Medida Provisória 910/2019 e da Instrução Normativa de número 09/2020, da Fundação Nacional do Índio, associada também aos interesses do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; houve ataques às vidas dos povos indígenas, quilombolas e as demais comunidades tradicionais, bem como aos seus territórios e a sua saúde; houve uma liberalização generalizada de agrotóxicos para a agricultura.

Nos espaços urbanos, as polícias foram tacitamente incentivadas a realizar abordagens e ações violentas, especialmente contra a população das periferias, contra sem terras, jovens negros, indígenas e quilombolas; desestruturaram-se os mecanismos de controle sobre porte de armas e aquisição de munição, ampliando-se a possibilidade de concessão de armas de fogo, estimulando-se a autodefesa armada, medidas que podem ampliar os graves problemas relativos à segurança pública.

E, se por um lado, se estimula o armamento e há orientação, mesmo que velada do presidente da República, para que alguns se defendam de outros com armas e munições, por outro lado, devastam-se as políticas educacionais de inclusão e de acessibilidade. No âmbito da saúde pública, nota-se que a pandemia da Covid-19 desvelou a intenção de desmantelamento do SUS, à custa da vulnerabilização ainda mais acentuada das comunidades pobres. O Ministério da Saúde atua, hoje, na contramão das normas e orientações da Organização Mundial da Saúde. No entender do ministro Gilmar Mendes, “o Brasil pode estar cometendo um genocídio”, especialmente contra os povos indígenas.

O atual governo parece não ter vindo para edificar, mas para destruir. Usa como estratégia de convencimento da sociedade e do mercado a disseminação de informações falsas. Em pouco mais de um ano, o governo de Jair Messias Bolsonaro difundiu, pelas redes sociais e por alguns veículos de rádio e televisão, mais de dois milhões de notícias e informações falsas sobre sua gestão e a atuação dos políticos, do Poder Judiciário, dos opositores aos seu governo, sobre indígenas, quilombolas, sem-terra, meio ambiente e, por fim, sobre a pandemia da Covid-19.

Em declarações públicas de Bolsonaro expressam-se três tendências discursivas marcantes: o desprezo aos seus opositores, convertidos em inimigos, que são atacados sistematicamente; o desprezo pela democracia, marcada por ataques aos poderes estatais; a manipulação da informação, pois dele nunca se pode esperar um testemunho verdadeiro sobre temas sociais, econômicos, políticos, culturais, religiosos e sobre a saúde pública, bem como acerca das suas reais condições de saúde física e mental.

As informações oficiais do Estado – sobre o Covid-19 – não têm sustentação científica ou comprovação de eficácia sobre os medicamentos para o seu combate – cloroquina, hidroxicloroquina – bem como veicula regulares manifestações de banalização dos riscos e de desprezo do presidente da República pelas vítimas da pandemia. Bolsonaro disse “e daí”, sobre os alarmantes índices de vítimas e alegou que não poderia responder pelos mortos, em consequência da pandemia, porque não era coveiro. Demitiu dois ministros da saúde, trocou quadros técnicos e assessores que atuavam no enfrentamento da Covid-19, tendo como referência as orientações científicas e colocou, em seus lugares, militares que não são médicos, epidemiologistas, enfermeiros ou que tenham qualquer vínculo com a área da saúde.

Por fim, o presidente anunciou ter contraído o Coronavírus e, com isso, retomou discursos que contrariam as orientações científicas de prevenção e tratamento da doença, passando a propagar como forma de cura ao contágio do vírus, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. Com tal atitude, Bolsonaro favorece economicamente empresários que produzem e vendem a cloroquina e a hidroxicloroquina no Brasil. Esse fato, por si só, deveria ser investigado pela Procuradoria Geral da República.

Deste governo se pode esperar tudo, menos a verdade. A destruição e a farsa parecem compulsivas em suas relações com a sociedade e as instituições públicas. Há, neste contexto, que se aguardar, pois a bolha que o protege não resistirá. “E daí”, depois que a bolha explodir, as verdades aparecerão.

Porto Alegre, RS, 17 de julho de 2020.

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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

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