O Estado brasileiro gasta mesmo demais?

Foto: Reprodução/Altamiro Borges.

Por Emilio Chernavsky.

Há anos ouvimos no debate político e econômico do país que o Estado brasileiro é muito grande e que gasta demais. Com base nessa alegação, inclusive, o Congresso aprovou no final de 2016 emenda constitucional que congelou por vinte anos a despesa primária da União em termos reais, o que significa, dado que a população cresce, a progressiva redução dos gastos do governo em termos per capita.

A acusação de gasto excessivo geralmente se apoia em dois tipos de evidência, ambas falaciosas. A primeira delas aponta que o gasto total do governo em relação ao PIB é no Brasil superior ao verificado em outras economias em desenvolvimento. De fato, enquanto essa relação é de cerca de 38% no país, ela é de apenas 30% na média geral desse grupo e de 33% na média da América Latina. Ocorre que a relação entre gastos do governo e PIB simplesmente não possui nenhuma ligação óbvia com o grau de desenvolvimento de um país, mas, sim, com o nível de desigualdade que sua sociedade considera tolerável e, daí, com a parcela do seu produto total que decide concentrar nas mãos do Estado para que ele possa implantar mecanismos distributivos como as transferências de renda e o fornecimento de serviços públicos universais.

É por isso que gastos elevados do governo são encontrados tanto em países desenvolvidos (a grande maioria deles) como em alguns de renda mais baixa como Moldávia e Bolívia, e gastos baixos são registrados na maioria dos países em desenvolvimento e também em alguns países ricos que são mais tolerantes à desigualdade como os EUA.

A segunda evidência aponta que o gasto do governo no Brasil seria excessivo em vista da baixa qualidade dos serviços públicos que fornece quando comparados aos existentes em países com gasto supostamente equivalente. Ocorre que a comparação, feita com esse gasto em relação ao PIB, é, apesar de recorrente, absolutamente descabida, uma vez que o que determina a qualidade dos serviços é o valor real do gasto per capita, ajustado pelas diferenças no poder de compra entre os países, e nunca o valor relativo. Quando nos apercebemos disso e comparamos no gráfico abaixo o que importa, vemos que o gasto do Estado por habitante no Brasil é, na verdade, três a quatro vezes menor que o registrado nos países desenvolvidos com os quais a qualidade dos serviços públicos é normalmente comparada.

Ou seja, o Estado brasileiro não gasta muito; ao contrário, gasta pouco para um país que pretende dispor de um sistema de proteção social capaz de reduzir as desigualdades como o que existe em países desenvolvidos e que está previsto em nossa Constituição. Certamente, a atual estrutura de gastos públicos no país possui distorções relevantes – certos gastos deveriam cair e muitos outros aumentar –, e sua execução possui ineficiências que devem ser decididamente combatidas. Além disso, a estrutura tributária com a qual os recursos necessários para custear esses gastos são arrecadados é extremamente complexa e regressiva, tornando urgente sua profunda reformulação.

Entretanto, por mais importantes que tais considerações sejam, elas não devem mascarar o elemento central na discussão sobre o tamanho dos gastos do Estado, que reside no quanto a sociedade tolera que grande parte da população se mantenha na pobreza em meio à riqueza de alguns. Essa discussão é certamente legítima, mas deve ser bem informada, evitando os argumentos falaciosos aqui apontados e tão frequentemente evocados no debate.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here


This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.