O desgoverno que causa a morte enfrenta a resistência dos debaixo

Por Roberto Antonio Liebgott, para Desacato. info.

Os dados oficiais indicam que quinhentos e cinquenta mil pessoas morreram em decorrência da pandemia da Covid 19 – dados até 25 de julho de 2021 – negligenciada pelo desgoverno e seus cúmplices.

Ouvindo os depoimentos, testemunhos do sofrimento e angústia daqueles que foram infectados pela Covid-19, ou daqueles que perderam seus entes queridos, ou dos profissionais de saúde – médicas, médicos, enfermeiras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem – a gente se pergunta: por que as dores dos outros não sensibilizam, não comovem e nem educam uma parcela significativa da população e dos que governam o Brasil?

A emoção de vacinadoras e vacinadores, depois de aplicarem as vacinas, revela felicidade pelas vidas sendo salvas, mas também denunciam as mortes de centenas de milhares de homens e mulheres – pessoas que estariam vivas se tivessem sido asseguradas, por parte do desgoverno, as condições para vacinar a todos, aliada à atitude responsável de aderir aos protocolos de prevenção pactuados em todos os países, sem concessões.

O deboche aos doentes e mortos, que vemos proliferarem-se em gestos e frases de efeito de quem não respeita a vida, é tão cruel quanto o vírus que causa a doença. É perverso, tirano, demoníaco. Quem, a não ser sujeitos de pensamentos criminosos, poderiam ridicularizar os que se dedicam a cuidar dos outros, a vacinar, proteger e a enfrentar a pandemia da Covid-19? O que esperar de gente que caracteriza os outros, os doentes e infectados, como “maricas”? O que esperar de pessoas que transformaram os contratos para compra de vacinas num túnel de captação de dinheiro público para o enriquecimento ilícito? O que esperar de um Estado, que deveria prover as condições para a vida prosperar, mas opera, neste momento, como propulsor da morte e tem entre seus agentes, muitos deles coronéis, generais, cabos, vinculados aos esquemas fraudulentos de compra de vacinas ou venda de medicamentos inadequados para o combate da pandemia?

A corrupção, a conivência com a desassistência, o pacto entre malfeitores e os que aplaudem a cloroquina revelam sem pudor a violência institucionalizada e liberalizada.

A antipolítica, em meio a Covid-19, foi propulsora da extorsão por dentro do Estado, onde se buscava lucrar com a dor dos outros e de “fazer passar a boiada” mesmo que os dividendos fossem obtidos sobre os cadáveres. Para os que fomentam estes esquemas, por dentro do Estado, matar os outros é efeito colateral, o principal, em suas lógicas, é a possibilidade de que vivam mais, ao preço do viver menos coletivo, pois se sentem superiores, acima da lei, da justiça e da ética. Os mais de meio milhão de mortos não os aborrecem, porque, em geral, são mortes de pessoas insignificantes para seus negócios.

Matar, queimar, devastar, contaminar, arrasar, liquidar, armar e lucrar são verbos prediletos dos que se organizaram dentro de um governo caracterizado e denunciado como fascista e genocida.

A desgovernança no Brasil foi estruturada para a exclusão dos pobres; a destruição dos bens da natureza e dos povos que vivem nela; a corrupção endêmica, agora militarizada e protegida por milicianos, polícias, juízes e pelo parlamento. O desgoverno de Bolsonaro se auto protege, manipulando cabeças e almas através da mentira sistêmica, promovendo a destinação de verbas e cargos para políticos do centrão, propagando e projetando fé num deus falso, estimulando a violência cotidiana – ódio, tráfico, contrabando, igrejas, fome, racismo – marginalizando os pobres e desregulamentando os direitos sociais, trabalhistas, culturais e educacionais.

As mortes dos outros, para integrantes deste desgoverno, não causam nenhuma comoção, ao contrário, incentivam o deboche – riem, desprezam, desdenham, são os capatazes da morte.

Mas, apesar deles e mesmo neste contexto de pandemia, há aqueles, uma grande maioria, que não são os indiferentes ou malfeitores, são os inconformados, que se indignam, lutam, se emocionam, resistem, vacinam e criam caminhos alternativos. As vidas despedaçadas, para estes sujeitos de direitos, não serão em vão. Ao contrário, a morte dos que lutam todos os dias para construir um mundo com justiça é fermento de transformação.

Acreditamos num amanhã alternativo, pois seguirão todos – os debaixo da pirâmide – aqueles que mais sofrem, na esperança resistente. Acreditamos na força dos povos indígenas, nas comunidades quilombolas, pescadores e pescadoras, ribeirinhos, nas pessoas das periferias, nas populações de rua, nos ambulantes, nas comunidades, igrejas progressistas, nos movimentos populares, sociais, ambientalistas. Cremos na força dos de- baixo, porque quando eles se movem os de cima caem.

Porto Alegre, 26 de julho de 2021.

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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

 

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