Nova carta para Naná. Por Viegas Fernandes da Costa

Venderam as joias presenteadas nas esquinas de Flórida, anunciaram em sites de leilão, o escambau!

Imagem: Collage com imagens de redes.

Naná, minha querida amiga, desde a última carta que te enviei muita coisa aconteceu no Brasil, mas quase nada saiu do lugar. Continuamos o mesmo país do teu exílio e que te venho narrando não tão amiúde. Isto porque, deves também perceber, nossas correspondências têm demorado cada vez mais tempo para cruzar o mundo. Dizer “o mundo”, claro, expressa nossa arrogância, já que somos antípodas apenas neste planeta azul, que por certo não é todo o mundo, mas apenas parte dele, parte ínfima, tão pequena que ainda nos é possível esta conversa por papel. A propósito, suspeito que violam nossas correspondências. Outro dia fui interpelado por um colega de trabalho com uma mensagem da sua esposa, Rose, que te mandava lembranças. Como sabe Rose que andamos conversando, se sou o único no Brasil que tem o endereço da tua caixa postal?

Mas como te dizia, coisas aconteceram no Brasil, e a principal delas foi a inelegibilidade de Bolsonaro pelos próximos oito anos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação (não sei se a decisão do Tribunal Superior Eleitoral também alcança as eleições para síndico de condomínio Vivendas da Barra). Foi orgasmático! O problema, Naná, como bem sabes, é que Bolsonaro é uma espécie de “Armillaria” tropical, aquele fungo parasita com quase quatro quilômetros de extensão que coloniza e mata as plantas lenhosas. A gente vê o cogumelo e se satisfaz em arrancá-lo, mas o corpo do fungo é gigantesco. Bolsonaro, antes denominado inominável e agora apelidado de inelegível, sempre foi o fruto da putrefação, mas nunca sua seiva. O cogumelo mole e asqueroso destacado sobre o solo, e por isso sujeito a ser arrancado. Sempre insisti, e talvez te lembres, na inexistência de um movimento chamado bolsonarismo. Bolsonaro nunca teve estatura para criar movimento algum. “Armillaria” é um nome pomposo, mas designa um fungo parasita, e é disso que se trata.

A família Bolsonaro, Naná, transformou o noticiário político brasileiro em seriado pastelão estadunidense ou numa espécie de roteiro de Quentin Tarantino. Eu esqueci de te contar na última carta, mas no Brasil só se fala do caso das joias presenteadas ao governo brasileiro e contrabandeadas por militares do entorno do agora inelegível. A situação é tão rocambolesca, que tem até foto do material contrabandeado com general quatro estrelas aparecendo no reflexo da caixa de joias. Pensa, Naná, se nossa segurança nacional dependesse da inteligência de contrabandistas, digo, generais desta estirpe! Venderam as joias presenteadas nas esquinas de Flórida, anunciaram em sites de leilão, o escambau! Rolex, anéis, abotoaduras e até rosário islâmico! O tipo de coisa que nem Nhonhô aprova (sim, Nhonhô continua usando tornozeleira eletrônica e sua bunda branca circulando como meme na internet). Vender presente de chefes de Estado? E assim, tão açodadamente? Rapinagem barata! O tempo vai passando e vamos percebendo que o governo brasileiro estava sendo ocupado por verdadeira caterva, o Palácio do Planalto frequentado por milicianos, contrabandistas e escroques. Escroques, Naná, e nunca imaginei um dia precisar recorrer a este adjetivo para me referir àqueles que presidiriam o país. Corruptos, vá lá, infelizmente já nos acostumamos a reconhecer a existência destes, mas o corrupto escroque é ainda mais vil e asqueroso. O governo Bolsonaro, Naná, foi definitivamente escatológico. Escatológico!

Há quem aposte na prisão de Bolsonaro por causa das joias contrabandeadas. Pode ser, mas apesar do enredo grotesco, o caso das joias é o menor dos crimes. Afinal, o que são rolex, abotoaduras e rosário islâmico diante da tentativa de golpe de Estado? Está óbvio que se tentou no Brasil golpe de Estado, gestado desde 2013, com a participação de judiciário, militares, imprensa, empresários, religiosos de meia pataca, policiais rodoviários e toda sorte de patriotéticos, como Nhonhô, mas o grande tema nacional são as tais joias. Valha-me Deus, Amon-Rá e Nhanderuvuçú, que país é este? Prender aviãozinho é fácil, mas chegar no chefe do tráfico é sempre difícil, né não Naná? E tem jornalista citando como exemplo para comparação a prisão de Al Capone por sonegação de impostos e não porque era gângster. Não, Bolsonaro precisa ser preso porque quase jogou o Brasil em uma guerra civil, porque é responsável pela morte de milhares de brasileiros durante a pandemia de Covid-19, porque transformou o Palácio do Planalto em verdadeira pocilga moral, porque corrompeu agentes do Estado, além de diversos outros crimes. Ele, Bolsonaro, e muitos dos seus comparsas, com ou sem estrelinhas nas ombreiras.

Amiga, tenho muito mais coisas para te contar, mas é hora de cometer poesia. As baleias francas estão aqui no quintal de casa parindo e amamentando seus filhotes, e preciso pescá-las com meus olhos. Hoje é sexta-feira, Naná, o dia está nublado, e ontem foi feriado de sete de setembro. Sabe, ninguém bloqueou rodovias e felizmente temos um presidente que não precisa afirmar sua masculinidade à nação sobre um palanque, mas o fungo continua aqui, rizomático, estendendo-se sob nossos olhos para além dos cogumelos que arrancamos. De qualquer modo, foi bonito acordar ontem com um feriado nacional normal. Sim, Naná, normal, como há muito não víamos.

Recebe meu abraço fraterno e a promessa de ser mais assíduo com a correspondência.
Teu amigo,

Viegas Fernandes da Costa.

Na berma da Lagoa da Ibiraquera, 08 de setembro de 2023.

Viegas Fernandes da Costa é um escritor catarinense e também professor do Instituto Federal.

 

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